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Educação ambiental, republicanismo e o paradigma do estado de direito do ambiente

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

DOMINGOS BENEDETTI RODRIGUES

EDUCAÇÃO AMBIENTAL, REPUBLICANISMO E O PARADIGMA

DO ESTADO DE DIREITO DO AMBIENTE

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DOMINGOS BENEDETTI RODRIGUES

EDUCAÇÃO AMBIENTAL, REPUBLICANISMO E O PARADIGMA

DO ESTADO DE DIREITO DO AMBIENTE

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências, vinculado ao Departamento de Humanidades e Educação da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito para obtenção do título de Doutor em Educação nas Ciências. Linha de Pesquisa: Teorias Pedagógicas e Dimensões Éticas e Políticas da Educação. Área de Concentração: Educação, Estado e Meio Ambiente.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Evaldo Fensterseifer

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DOMINGOS BENEDETTI RODRIGUES

EDUCAÇÃO AMBIENTAL, REPUBLICANISMO E O PARADIGMA

DO ESTADO DE DIREITO DO AMBIENTE

Comissão Examinadora:

___________________________________________________________________ Prof. Dr. Paulo Evaldo Fensterseifer

Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ

___________________________________________________________________ Prof. Dr. Luiz Ernani Bonesso de Araújo

Universidade Federal de Santa Maria – UFSM

___________________________________________________________________ Prof. Dr. José Pedro Boufleuer

Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ

___________________________________________________________________ Prof. Dr. Sidinei Pithan da Silva

Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ

___________________________________________________________________ Prof. Dr. Antônio Inácio Andrioli

Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a toda minha família, especialmente as filhas Cazuza, Dhiliani, Mhaiandry e Ana Lara, bem como minha neta Izabelli por serem a minha inspiração. A todos que acreditam nas influências da natureza e na possibilidade do equilíbrio ambiental, como fatores de saúde e qualidade de vida. Assim, nós somos responsáveis pela sua defesa e proteção em qualquer circunstância, para que se perpetue a vida em todas as suas formas.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha mãe Terezinha e meu pai Adolfo “in memorian”, meus eternos amores, pelo incentivo incondicional aos meus estudos ao longo das suas vidas. A Dione pelo companheirismo de todos os dias. A toda minha família pela força e o apoio prestado durante a realização do curso e da presente tese. Pelas orações da D. Yolanda. Ao Professor Dr. Luiz Ernani Bonesso de Araújo pelo apoio durante o Mestrado. A Coordenação, todos os Professores e Funcionários do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências da UNIJUÍ pela oportunidade de cursar o Doutorado, especialmente ao Prof. Dr. Paulo Evaldo Fensterseifer pela orientação segura e pertinente durante a construção da presente tese.

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RESUMO

O tema da presente tese versa sobre a educação ambiental, republicanismo e o paradigma do Estado de direito do ambiente. O texto é resultado de um esforço hermenêutico e de uma investigação, cuja base bibliográfica, centra-se na interpretação do pensamento dos autores utilizados na pesquisa e no pilar principiológico do republicanismo, das Conferências Internacionais sobre a educação ambiental, do Direito Ambiental, da norma constitucional e infraconstitucional brasileira a respeito da educação ambiental escolar. Diante disso, o objetivo geral desta pesquisa é estudar a educação ambiental escolar republicana e o paradigma do Estado de direito do ambiente. Quanto à situação problema, busca-se conhecer em que sentido a educação ambiental escolar republicana contribui para que o Estado de Direito possa assumir o seu viés ambiental. A metodologia empregada para a produção da tese, em relação à sua natureza, consiste numa pesquisa teórica. No que concerne à produção dos dados, é uma pesquisa qualitativa. Ademais, em relação ao método de procedimento, a pesquisa é de cunho bibliográfico, e em relação à análise dos dados obtidos, utilizou-se o método de abordagem dedutivo. Tem-se, como método auxiliar, o método histórico-evolutivo e o histórico-comparativo. O texto apresenta-se estruturado em quatro capítulos. O primeiro aborda os fundamentos da tradição republicana da modernidade. Na sequência, o segundo capítulo aborda a tradição educacional republicana brasileira. O terceiro capítulo menciona o tema da educação ambiental como um paradigma emergente da contemporaneidade. Já, no quarto capítulo, a abordagem diz respeito à educação ambiental e a perspectiva do Estado de direito do ambiente. Portanto, se a educação ambiental, em todos os níveis de ensino da Federação Brasileira, for planejada e efetivada numa relação crítica com os fundamentos da tradição republicana estudada nesta tese, configura-se num paradigma emergente da contemporaneidade e, caso seja desenvolvida na perspectiva do Estado social e democrático de direito, contribuirá para que o Estado Brasileiro assuma seu viés ambiental.

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ABSTRACT

The theme of this thesis deals with environmental education, republicanism and the paradigm of the state of environmental law. The text is the result of a hermeneutical effort and an investigation whose bibliographic database, focuses on the interpretation of the thinking of authors used in research and main principles pillar of republicanism, of the International Conferences on environmental education, environmental law, the standard constitutional and infra Brazilian about school environmental education. Thus, the objective of this research is to study the republican school environmental education and the paradigm of the state of environmental law. As for the problem situation, we seek to know in which direction the Republican school environmental education contributes to the rule of law can assume its ambiental bias. Methodology used for the production of the thesis in relation to its nature, consists in a theoretical research. Regarding the production of the data is a qualitative research. Moreover, regarding the method of procedure, the research is bibliographic nature, and for the data analysis, we used the deductive method of approach. Has, as an auxiliary method, the historical-evolutionary method, and the historical-comparative. The text presents structured in four chapters. The first covers the fundamentals of the republican tradition of modernity. Following the second chapter discusses the Brazilian Republican educational tradition. The third chapter mentions the theme of environmental education as an emerging paradigm of contemporaneity. Already, in the fourth chapter, the approach with regard to environmental education and the state's perspective of environmental law. So if environmental education in all educational levels of the Brazilian Federation, is planned and carried out a critical relationship with the foundations of the republican tradition studied in this thesis, is configured in an emerging paradigm of contemporary and, if developed in perspective social and democratic state of law, contribute to the Brazilian state takes its environmental bias.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 FUNDAMENTOS DA TRADIÇÃO REPUBLICANA DA MODERNIDADE ... 18

1.1 ASPECTOS IMPORTANTES DAS MATRIZES REPUBLICANAS ... 20

1.1.1 Fundamentos da matriz republicana romana ... 23

1.1.2 Aspectos gerais da matriz republicana italiana do renascimento ... 27

1.1.3 Destaques da matriz republicana inglesa ... 31

1.1.4 Fundamentos da matriz republicana francesa ... 33

1.1.5 Destaques da matriz republicana norte-americana ... 36

1.2 PRINCÍPIOS NORTEADORES DA TRADIÇÃO REPUBLICANA DA MODERNIDADE ... 41

1.2.1 Princípio do federalismo e do governo republicano ... 44

1.2.2 Princípio da participação cidadã republicana ... 46

1.2.3 Princípio republicano da virtude e renúncia a certas vantagens em favor do bem comum ... 50

1.3 DESTAQUES À TRADIÇÃO EDUCACIONAL REPUBLICANA DA MODERNIDADE ... 56

1.3.1 Contribuições de John Locke para a educação ... 58

1.3.2 Montesquieu e a educação republicana ... 60

1.3.3 Contribuições de Rousseau para a educação republicana ... 63

1.3.4 Matriz educacional republicana em Condorcet ... 66

2 A TRADIÇÃO EDUCACIONAL BRASILEIRA ... 76

2.1 A POLÍTICA EDUCACIONAL NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1824 ... 77

2.2 DA ESCRAVIDÃO À CRIAÇÃO DA REPÚBLICA NO BRASIL ... 91

2.3 ASPECTOS RELEVANTES DA INSTAURAÇÃO DO REGIME REPUBLICANO BRASILEIRO ... 106

2.4 MATRIZES DA EDUCAÇÃO REPUBLICANA BRASILEIRA ... 119

2.4.1 Políticas educacionais do Governo Provisório da República ... 119

2.4.2 Fundamentos da política educacional na Constituição Republicana de 1891 ... 126

3 A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO UM PARADIGMA EMERGENTE DA CONTEMPORANEIDADE ... 133

3.1 DIRETRIZES INTERNACIONAIS E NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL ... 137

3.2 OS PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA ... 150

3.3 A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SUAS RELAÇÕES COM AS ECOLOGIAS DOS SABERES ... 160

3.3.1 A educação ambiental e as sociologias das ausências ... 163

3.3.2 A educação ambiental e as ecologias do saber ... 178

3.4 A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA PERSPECTIVA DO SABER AMBIENTAL ... 192

3.5 OS SABERES DO PENSAMENTO COMPLEXO E A COMPLEXIDADE AMBIENTAL ... 201

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4 EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A PERSPECTIVA DO ESTADO DE DIREITO DO AMBIENTE ... 230 4.1 A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA PERSPECTIVA REPUBLICANA DA FEDERAÇÃO BRASILEIRA ... 231 4.2 A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E OS ESPAÇOS REPUBLICANOS NO BRASIL .. 252 4.3 O ESTADO DE DIREITO DO AMBIENTE ... 262 4.4 CONTRIBUIÇÕES DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL AO ESTADO DE DIREITO DO AMBIENTE NO BRASIL ... 279 4.5 FATORES QUE COMPROMETEM A REPÚBLICA E O ESTADO DE DIREITO DO AMBIENTE ... 297 CONCLUSÃO ... 312 REFERÊNCIAS ... 328

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INTRODUÇÃO

O tema central desta tese é a educação ambiental, republicanismo e o paradigma do Estado de direito do ambiente. Cabe ressaltar que a pesquisa refere-se à educação ambiental escolar, ou refere-seja, a educação ambiental formal desenvolvida em todos os níveis e modalidades de ensino escolar, assim definida pela legislação brasileira a respeito do assunto. Para produzir o texto, delimitou-se no estudo dos aspectos importantes das matrizes republicanas da modernidade, na tradição educacional republicana brasileira, na educação ambiental como um paradigma emergente da contemporaneidade e na educação ambiental e a perspectiva do Estado de direito do ambiente.

A importância do tema da presente pesquisa justifica-se por contribuir com os estudos referentes à educação ambiental escolar, o republicanismo e o Estado de direito do ambiente, num momento em que as coletividades e as instituições nacionais e internacionais aprofundam o debate a respeito da necessidade de promoção do equilíbrio ambiental local, regional, nacional e global como fator de qualidade de vida.

As razões para a escolha do tema residem em três dimensões: a) no fato de que, a educação ambiental foi recomendada pelas Conferências Internacionais a respeito do assunto e tornou-se obrigatória pela legislação interna brasileira; b) o princípio do republicanismo é discutido desde a época dos gregos e romanos e se firma com as matrizes republicanas da modernidade, que, por sua vez, vem confrontando com a forma de governar adotada pelos governos de cada época; c) a utilização do termo Estado de direito do ambiente advém da terminologia Estado de direito democrático e ambiental, Estado de direito ecológico, Estado de direito ambiental, Estado do ambiente e, por vezes, até mesmo Estado de direito do ambiente, que é utilizada pelos autores vinculados ao assunto. Diante disso, o objetivo geral desta pesquisa fundamenta-se em estudar a educação ambiental, o republicanismo e o paradigma do Estado de direito do ambiente.

Para concretizar o objetivo geral, propuseram-se os seguintes objetivos específicos: a) construir um aporte de conhecimentos a respeito dos fundamentos da tradição republicana da modernidade e sua importância para a educação ambiental da atualidade, abordando os aspectos importantes da matriz republicana romana, da

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italiana do renascimento, da inglesa, da francesa e da norte-americana, dos princípios norteadores da tradição republicana da modernidade bem como os destaques à tradição da educação republicana da modernidade; b) identificar os fatores do período colonial, do período imperial e do início do período republicano do Brasil, por exercerem influência na construção de uma possível tradição educacional republicana brasileira e sua importância para a educação ambiental da atualidade; c) sustentar que a educação ambiental deve constituir-se num paradigma emergente da contemporaneidade, a fim de que se criem as condições necessárias ao republicanismo escolar ambiental; d) compreender as relações que a educação ambiental mantém com o Estado de direito do ambiente e afirmar que estas relações sejam consideradas fatores importantes para o Estado de direito assumir o viés ambiental.

O texto resultante desta pesquisa estrutura-se em quatro capítulos que se articulam entre si com o propósito de responder à situação problema formulada por ocasião da escolha do tema central. O primeiro capítulo, que aborda a tradição republicana da modernidade, foi construído para identificar em que medida essa base conceitual, teve utilidade pela tradição educacional republicana brasileira, assunto estudado no segundo capítulo, bem como para a educação ambiental na atualidade. Estes dois capítulos tem o propósito de resgatar a tradição republicana, a fim de constar de que forma seus fundamentos contribuem para que a educação ambiental republicana se constitua num paradigma emergente da contemporaneidade, assunto que foi estudado no terceiro capítulo. Neste sentido, a pesquisa tem como propósito explicitar de que forma a educação ambiental, como sendo um paradigma emergente da contemporaneidade, contribui para a perspectiva do Estado de direito do ambiente, tema tratado no quarto capítulo.

A respeito da força normativa da Constituição Ambiental, Canotilho (2007, p. 5-6) afirma que “O Estado de direito, hoje, só é Estado de direito se for um Estado protector do ambiente e garantidor do direito ao ambiente; mas o Estado ambiental e ecológico só será de direito se cumprir os deveres de judicialidade impostos à actuação dos poderes públicos”. Neste sentido, o Estado de direito garante o direito ao meio ambiente1 equilibrado, quando assume o viés ambiental, e os Órgãos

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O conceito de meio ambiente advém do conteúdo do art. 3° da Lei n° 6938 de 1981, denominada Lei da Política Nacional do Meio Ambiente para o Brasil, que é “O conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas

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Públicos atuarem no sentido de efetivar a educação ambiental republicana em todas as esferas da Federação.

Quanto à situação problema, busca-se saber em que sentido a educação ambiental republicana contribui para que o Estado de direito assuma seu viés ambiental. Para que a educação ambiental a ser desenvolvida em todas as esferas da Federação Brasileira possa contribuir para o Estado de direito do ambiente, torna-se necessário que torna-se confirmem as torna-seguintes hipótetorna-ses: a) a educação ambiental escolar deverá estabelecer uma relação crítica com os fundamentos da tradição republicana da modernidade e a tradição educacional republicana brasileira; b) a educação ambiental escolar deve configurar-se como um paradigma emergente da contemporaneidade e ser desenvolvida na perspectiva do Estado de direito do ambiente.

Para a construção do texto da presente tese, utilizou-se uma relação de autores vinculados à teoria crítica do pensamento. Neste sentido, Wolkmer, ao explicar a natureza e conceituação da crítica, afirma que,

[...] a „crítica‟ pode compreender aquele conhecimento que não é dogmático, nem permanente, (mas) que existe num contínuo processo de fazer-se a si próprio. E seguindo a posição de que não existe conhecimento sem práxis, o conhecimento „crítico‟ seria aquele relacionado com certo tipo de ação que resulta na transformação da realidade. [...] Desse modo, pode-se conceituar teoria crítica como o instrumento pedagógico operante (teórico-prático), que permite a sujeitos inertes e mitificados uma tomada histórica de consciência, desencadeando processos que produzem a formação de agentes sociais possuidores de uma concepção de mundo racionalizada, antidogmática, participativa e transformadora. Trata-se de proposta que não parte de abstrações, de um a priori dado, da elaboração mental pura e simples, mas de experiência histórico-concreta, da prática cotidiana insurgente, dos conflitos e das interações sociais e das necessidades humanas essenciais (WOLKMER, 2009, p. 5).

Neste sentido, a educação ambiental escolar republicana cuja base é a teoria crítica2 do pensamento, desenvolve-se a partir daquilo que o autor menciona como

formas” (MACHADO, 2013, p. 63). Para o meio ambiente são atribuídas as seguintes classificações: a) ambiente natural como sendo todas as formas de vida e paisagens que a natureza criou; b) ambiente artificial ou urbano como sendo aquele ambiente construído, ou seja, o espaço urbano, nele incluído os bens naturais; c) ambiente de trabalho como sendo o espaço interno e sua abrangência externa onde se desenvolvem todas as atividades laborais; d) ambiente cultural como sendo os espaços que representa todas as formas de manifestações culturais de uma comunidade ou sociedade, nele incluído os bens culturais (FIORILLO, 2014). Neste sentido, o meio ambiente é formado pelo ambiente natural, o ambiente artificial ou urbano, o ambiente cultural e o ambiente do trabalho de acordo com a Constituição Brasileira de 1988.

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A teoria crítica de Boaventura de Sousa Santos (2013), na sua obra Crítica da Razão Indolente: Contra o Desperdício da Experiência, menciona que “A análise crítica do que existe assenta no

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sendo um instrumento pedagógico que não parte de abstrações, mas de uma experiência histórico-concreta da prática cotidiana e dos conflitos e interações sociais e das necessidades humanas essenciais. Constitui-se em escolhas e construções que, segundo Heidegger (2012, p. 42), “[...] são atitudes constitutivas do questionar e, ao mesmo tempo, modos de ser de um determinado ente, que nós mesmos, os que questionam, sempre somos”.

A metodologia a ser empregada terá como método de procedimento a pesquisa bibliográfica. De acordo com Mezzaroba e Monteiro (2005, pp. 112-113), “Assim, obrigatoriamente, a investigação deverá contemplar uma revisão bibliográfica rigorosa para sustentar a abordagem de seu objeto”. Desse modo, uma pesquisa bibliográfica constitui-se numa tarefa de estudo hermenêutico que envolve a literatura relacionada ao tema, com o propósito de construir uma resposta fundamentada à situação-problema advinda do tema da presente tese, bem como uma tentativa de comprovação das hipóteses previamente estabelecidas.

Mediante a produção dos dados utilizados na construção do texto, será uma pesquisa qualitativa que, por sua vez, apresenta um aspecto, segundo Mezzaroba e Monteiro (2005, p. 110) que “[...] vai preponderar sempre o exame rigoroso da natureza, do alcance e das interpretações possíveis para o fenômeno estudado e (re)interpretado de acordo com as hipóteses estrategicamente estabelecidas pelo pesquisador”.

Quanto à análise dos dados obtidos, serão utilizados o método de abordagem dedutivo e o método histórico-evolutivo. De acordo com os mesmos autores (2005, pp. 65-88-89), “O método dedutivo parte de argumentos gerais para argumentos particulares”. Tem-se como método auxiliar, o método histórico-evolutivo e o método histórico-comparativo, que relacionam o trabalho com a história. Dessa maneira, procede-se de duas formas: “[...] comparar o conjunto característico dos elementos pertinentes ao seu objeto na atualidade com o que era em suas origens históricas e comparar com as formações anteriores que, embora diferentes, podem ser consideradas precursoras do estado atual de seu objeto”.

A investigação bibliográfica realizada para construção do primeiro capítulo e que aborda os fundamentos da tradição republicana da modernidade,

pressuposto de que a existência não esgota as possibilidades da existência e que, portanto, há alternativas suscetíveis de superar o que é criticável no que existe. O desconforto o inconformismo ou

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se em textos de autores que destacam a originalidade que as instituições públicas da modernidade deveriam seguir. Neste sentido, conhecer os fundamentos das matrizes republicanas da modernidade não se constituiu apenas num caminho de pesquisa para relembrar o passado, mas considerá-lo como fator de mediação entre as matrizes republicanas romana, italiana do renascimento, inglesa, francesa e a norte-americana, com a educação ambiental e o Estado de direito do ambiente. Este diálogo se estabelece mediante os princípios do federalismo e do governo republicano, da participação cidadã republicana, da virtude e renúncia a certas vantagens em favor do bem comum e da tradição educacional republicana da modernidade.

Se, por um lado, os autores que estudaram o período moderno do Estado apontaram caminhos para o Estado se tornar um Estado de direito mediante as matrizes republicanas da modernidade, por outro, os princípios norteadores dessas matrizes não foram plenamente considerados pelos Órgãos de Estado na época em que tais teorias foram anunciadas. Não obstante, os princípios republicanos advindos dessas matrizes se constituíram numa base importante para que a sociedade assumisse uma postura crítica a respeito da atuação do Estado e dos próprios Governos, propondo assim, uma nova práxis entre Estado e sociedade.

Teixeira (2005, pp. 10-11) afirma que as “[...] ideias modernas não consistem somente no surgimento de ideias novas, mas de uma práxis. Dentre os elementos sociais e culturais que fazem parte da modernidade, podemos evidenciar dois: a explosão da burguesia e o desenvolvimento da ciência experimental”. A modernidade se apresenta como uma proposta de firmar o mundo numa série de “[...] novas ordens sociais e sobre uma nova ciência que correspondia o sujeito como ponto de partida e o critério do conhecimento da realidade. Isto significava uma coisa: a objetividade de criar é relativa à subjetividade do homem que o pensa e que sobre isso reflete”.

Para a construção do segundo capítulo, que versa acerca da tradição educacional republicana do Brasil, desenvolveu-se pesquisa bibliográfica fundamentada em autores que estudaram temas brasileiros a respeito do período colonial, do período imperial, da transição do Império para a República e do momento inicial da República Brasileira. Neste aspecto, a delimitação temporal

a indignação perante o que existe suscita impulso para teorizar a sua superação” (SOUSA SANTOS, 2013, p. 23).

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definida para a construção do texto considera fatos do período colonial e imperial, e se estende até o final do século XIX, início do século XX, espaço de tempo em que foi instaurada a República Brasileira. Ressalta-se que a escolha desse espaço temporal justifica-se no entendimento de que é nesse período que se constituem os alicerces da tradição educacional republicana do Brasil.

O Brasil se constitui juridicamente em Estado Nacional com a Constituição Imperial Brasileira, outorgada em 1824. Em virtude disso, há o rompimento dos laços mantidos com a coroa portuguesa e a criação do Estado Brasileiro:

O Império Brasileiro realizara uma engenhosa combinação de elementos importados. A organização política, inspirava-se no constitucionalismo inglês, via Benjamin Constant. Bem ou mal, a Monarquia brasileira ensaiou um governo de gabinete com partidos nacionais, eleições, imprensa livre. Em matéria administrativa, a inspiração veio de Portugal e da França, pois eram esses os países que mais se aproximavam da política centralizante do Império. O direito administrativo francês era particularmente para o viés estadista dos políticos imperiais Por fim, até certas fórmulas anglo-americanas, como a justiça de paz, o Júri e uma limitada descentralização provincial, serviram de referência quando o peso centralizante provocava reações mais fortes (CARVALHO, 2013, p. 23).

Estudar a tradição educacional da República Brasileira não é apenas um retorno aos fatos que caracterizaram nossa sociedade colonial e agrarista e que posteriormente implantou um Governo Imperial seguido de Governos Republicanos, mas constatar em que sentido a tradição da política educacional prevista na Constituição Brasileira de 1824, o sistema agrarista vigente no período colonial e Imperial, com o sistema escravagista existente nestes períodos, os fatos que caracterizaram a transição do regime Imperial para a República Brasileira, as políticas educacionais adotadas pelo Governo Provisório da nossa República e as políticas educacionais previstas pelas Constituição Brasileira de 1891 estabelecem uma relação dialógica com a educação ambiental republicana da atualidade e o Estado de direito do ambiente, objetos de estudos da presente tese.

O terceiro capítulo da tese traz uma abordagem sobre o tema da educação ambiental como paradigma emergente da contemporaneidade. Como justificativa, partiu-se do estudo das diretrizes e bases da educação ambiental, que estão previstas nas Conferências Internacionais e na norma brasileira, a educação ambiental no Brasil e suas relações com os princípios do Direito Ambiental, a educação ambiental e suas relações com as ecologias dos saberes, a educação

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ambiental na perspectiva do saber ambiental e os saberes do pensamento complexo como fundamento para a complexidade ambiental.

A modernidade, da forma como aconteceu, constituiu-se num marco antropocêntrico em torno das necessidades individuais, como o direito individual e irrestrito de propriedade. Por sua vez, Dallari (2011) afirma que a sociedade contemporânea apresenta uma característica diversa, que é o estreitamento das relações dos indivíduos com o aparelho do Estado, fator que procura superar as dicotomias dos fenômenos políticos e sociais. Com isso, alargam-se as possibilidades de participação dos indivíduos nos espaços republicanos criados pelas Constituições democráticas e outros que são criados pela iniciativa das coletividades. A contemporaneidade caracteriza-se pela busca permanente da positivação dos seus direitos na Constituição, como o direito à educação ambiental e o direito de viver num ambiente equilibrado; cabe ao Estado efetivar tais direitos garantidos pela norma.

Estudar a educação ambiental como um paradigma emergente da contemporaneidade a partir dos problemas ambientais existentes no âmbito local, regional, nacional e global, equivale a dizer que a escola está desafiada a assumir o compromisso de produzir novas significações sociais, novas subjetividades e novos posicionamentos em relação aos problemas que afetam o ambiente natural, urbano, cultural e o ambiente do trabalho. Nestas condições, o tema deste capítulo está relacionado ao compromisso que a escola deve assumir para criar as condições necessárias ao estabelecimento do diálogo entre os saberes científico, laico, popular e das populações urbanas com o saber camponês.

Por último, o quarto capítulo versa a respeito da educação ambiental e a perspectiva do Estado de direito do ambiente. Para tanto, a pesquisa desenvolvida neste capítulo se constituiu no sentido de justificar que as políticas de educação ambiental precisam ocorrer na perspectiva republicana da Federação Brasileira e nos espaços republicanos existentes no Brasil. Da mesma forma, o capítulo evidencia que é necessário considerar os princípios que fundamentam o Estado de direito do ambiente, suas contribuições para que o Estado de direito assuma seu viés ambiental. Além disso, busca identificar quais os fatores que comprometem a República e o Estado de direito do ambiente.

A educação ambiental republicana não se fundamenta em possíveis mandamentos dogmáticos ou nos fundamentados do cientificismo moderno nem

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pela vontade de um Governo em específico. Tem como pressuposto a outridade, isto é, considerar a pessoa do outro. Ela ocorrerá no campo da linguagem com o outro. Atuará no ideário de um Estado de direito do ambiente, centrado na democracia inclusiva, na participação de todos os segmentos da sociedade e no exercício da cidadania republicana.

O exercício do direito e do dever do Poder Público na fixação dos objetivos da instrução comum não se funda na vontade expressa dos governantes. Numa República, a atuação dos representantes do Estado estará limitada pela Constituição, que representa a vontade de uma sociedade republicana. O Estado, mediante seus Poderes, cria a norma que é representativa da vontade popular e que, por sua vez, limita a própria atuação do Estado em prol dos interesses comuns da república.

Ao analisar a norma republicana que fundamenta a educação ambiental escolar na atualidade, é necessário levar em consideração o pensamento de Condorcet (2008, p. 53). O autor afirma que, “O dever, assim como o direito do poder público, limita-se, pois, a fixar o objetivo da instrução e assegurar que esse objetivo seja bem cumprido. “[...] O fim da instrução não é fazer com que os homens admitam uma legislação pronta, mas torná-los capazes de avaliá-la e corrigi-la. Não se trata de submeter cada geração às opiniões ou às vontades daquela que a precede, mas de esclarecê-la para que seja cada vez mais digna de governar-se por sua própria razão”.

Portanto, se por um lado, a educação ambiental escolar republicana está posta pelo conteúdo das Conferências Internacionais e pelas Constituições republicanas, dentre elas a do Brasil, de outro, a própria república possibilita que seja avaliada e corrigida permanentemente durante a sua existência, a fim de que ocorram adaptações às novas exigências das gerações vindouras, sem que se constitua numa imposição das vontades da geração que a precede. Sob este aspecto, construiu-se esta pesquisa, centrada no republicanismo escolar que Brayner (2008) menciona; no caso desta tese, o republicanismo escolar ambiental, que aponta caminhos para o Estado de direito do ambiente. Não se equivalerá a uma proposta educacional definitiva, mas permitirá apontar caminhos, sem determinar a cada geração as opiniões e vontades das que a precederam.

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Se, com o trabalho aqui desenvolvido, foram abertos novos horizontes e ampliado um pouco mais o caminho, outros haverão de percorrê-lo como homens racionais que almejam preservar a vida em todas as suas formas.

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1 FUNDAMENTOS DA TRADIÇÃO REPUBLICANA DA MODERNIDADE

Ao estudar os fundamentos da tradição republicana da modernidade, não se terá a pretensão de glorificar esse passado como um tempo áureo, quando as pessoas e as sociedades viviam a plenitude política e democrática, mas considerá-lo na medida da sua importância para a educação ambiental escolar3, para o republicanismo e o paradigma do Estado de direito do ambiente. Da mesma forma, com este trabalho, o intento não será o de estabelecer uma espécie de crítica contra a tradição republicana, por entender que ela tenha ficado somente no campo teórico, com pouca aplicabilidade para as sociedades modernas. E, por último, não se atribuirá qualquer forma de responsabilidade aos pensadores da modernidade, especialmente aos que Arendt considerou rebeldes ao pensamento dominante no século XIX, em virtude das dificuldades que encontraram na difusão das suas ideias sobre a importância da atuação política dos cidadãos nos espaços considerados públicos e nas novas relações que deveriam ser exercidas pelo Estado moderno4 e sua sociedade.

Neste viés, Arendt se apresenta como uma pensadora do século XX. Sua preocupação diz respeito à importância de se conhecer a tradição do pensamento dominante nas diferentes épocas da humanidade, que marcaram o passado das sociedades, cuja crítica a essa estrutura política e social poderia indicar o caminho para se estabelecerem novas formas de governo. Para a autora:

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O artigo 225 § 1º inciso VI da Constituição Brasileira de 1988 prevê a educação ambiental. Por sua vez, a Lei nº 9795 de 1999 regulamenta a Constituição. A norma prevê a educação ambiental formal e a educação ambiental não-formal. De acordo com o disposto no seu artigo 9º, a educação ambiental formal é aquela desenvolvida no âmbito dos currículos das instituições de ensino públicas e privadas de todos os níveis de ensino. Já, o artigo 13º da mesma norma, educação ambiental não-formal se constitui nas ações e práticas educativas voltadas à sensibilização da coletividade sobre as questões ambientais e à sua organização a participação na defesa da qualidade do meio ambiente (MEDAUAR, 2009, pp. 420-421).

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Com a era da modernidade, o Estado sofreu significativas modificações, constituindo-se numa modernização em toda sua estrutura, na sua organização e no seu papel diante da sociedade. Segundo Dallari (2011), o Estado passou a ser dotado de soberania, a ter um território delimitado onde passou a vigorar a norma desse Estado, passou a ter um povo e uma população vinculada a esse território e passou a ter um compromisso em exercer a finalidade de promoção do bem comum a toda sociedade, que não era aquela exercida nos tempos medievais. Assume uma personalidade jurídica que o transforma numa unidade coletiva e deixa de ser apenas uma ficção ou ente abstrato. “A própria natureza dos fins do Estado exige dele uma ação intensa e profunda, continuamente desenvolvida, para que ele possa realizá-los, o que produz, inevitavelmente, uma permanente possibilidade de conflitos de interesses, que serão mais bem resguardados e adequadamente promovidos só através do direito” (DALLARI, 2011, p. 127).

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Responsabilizar os pensadores da idade moderna, especialmente os rebeldes contra a tradição do século XIX, pela estrutura e pelas condições do século XX, é ainda mais perigoso que injusto. As implicações manifestas no evento concreto da dominação totalitária vão muito além das mais radicais ou ousadas ideias de quaisquer desses pensadores. A grandeza deles repousa no fato de terem percebido o seu mundo como um mundo invadido por problemas e perplexidades novas com os quais nossa tradição de pensamento era incapaz de lidar (ARENDT, 2011, p. 54).

A pesquisa a respeito do tema não visa, em sua essência, a conceber a tradição republicana como o único caminho a ser seguido pelos atuais governos republicanos, mas conhecer a natureza política adotada por determinados povos num determinado tempo, em sua forma diferenciada de governar, bem como o que debateram os pensadores tidos como rebeldes da tradição moderna. Para Bignotto (2013, p. 10), “Em grande medida, é tarefa dos pensadores atuais investigar a natureza dos problemas políticos de nosso tempo, servindo-se de um manancial fornecido pela tradição e, ao mesmo tempo, ir além dela na tarefa de fazer do republicanismo uma filosofia adequada a nossa época [...]” e verificar suas possíveis contribuições à educação ambiental numa sociedade republicana e democrática.

Assim, o objetivo da pesquisa que se realizará a respeito do tema do I capítulo da tese, é construir um aporte de conhecimentos a respeito dos fundamentos da tradição republicana que são relevantes para a educação ambiental da atualidade e abordar os aspectos principais das matrizes republicana romana, da italiana do renascimento, da inglesa, da francesa e da norte-americana, dos princípios norteadores da tradição republicana da modernidade5, bem como os destaques à tradição da educação republicana da modernidade6, que serão importantes para a construção do texto da presente tese.

5“A sociedade que entra no século XXI não é menos „moderna‟ que a que entrou no século XX; o

máximo que se pode dizer é que ela é moderna de um modo diferente. O que a faz tão moderna, como era há mais ou menos um século, é o que distingue a modernidade de todas as outras formas históricas do convívio humano: a compulsiva e obsessiva, contínua, irrefreável e sempre incompleta modernização (Grifo do autor); a opressiva e inerradiável, insaciável sede de destruição criativa (ou de criatividade destrutiva, se for o caso: de „limpar o lugar‟ em nome de um „novo e aperfeiçoado‟ projeto; de „desmantelar‟, „cortar‟, „desfazer‟, „reunir‟ ou „reduzir‟, tudo isso em nome da maior capacidade de fazer o mesmo no futuro – em nome da produtividade ou da competitividade)”. (Grifos do autor) (BAUMAN, 2001, p. 36).

6Bauman ao reportar-se a respeito da modernidade afirma que, “A modernidade substitui a

determinação heterônoma da posição social pela autodeterminação compulsiva e obrigatória. Isso vale para a “individualização” por toda a era moderna – para todos os períodos e todos os setores da sociedade. No entanto dentro daquela condição compartilhada há variações significativas, que distinguem gerações sucessivas e também as várias categorias de atores que compartilham o mesmo cenário histórico. A antiga modernidade “desacomodava” a fim de “reacomodar”. Enquanto a desacomodação era o destino socialmente sancionado, a reacomodação era tarefa posta diante dos

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1.1 ASPECTOS IMPORTANTES DAS MATRIZES REPUBLICANAS

Com a finalidade de destacar os aspectos julgados mais importantes das matrizes republicanas, serão levadas em consideração as que representaram maior influência na concretização da teoria sobre o republicanismo, desde o período romano até o advento das revoluções que caracterizaram o rompimento com a fase medieval da humanidade e o surgimento da modernidade. O objetivo deste estudo é, pois, destacar os aspectos gerais das matrizes romana, italiana do renascimento, inglesa, francesa e norte-americana.

A terminologia matrizes republicanas7, utilizada no decorrer de todo o texto da tese, será considerada a definição estabelecida na obra “Matrizes do Republicanismo”, organizada por Bignotto (2013).

Neste sentido, estudar as matrizes republicanas equivale a realizar uma volta ao passado, a fim de conhecer a tradição em que se assenta o republicanismo8. Não significa, portanto, trazer a este trabalho uma dose de saudosismo, seja a um passado remoto ou mais recente, mas conhecer as bases sobre as quais este movimento está fundamentado. Além disso, não se trata de considerar esta tradição como modelo ao republicanismo da atualidade, e sim verificar a sua influência ao

indivíduos. Uma vez rompidas as rígidas molduras dos estamentos, a tarefa de “auto-identificação” posta diante dos homens e mulheres do princípio da era moderna se resumia ao desafio de viver “de acordo” (não ficar atrás dos outros), de conformar-se ativamente aos emergentes tipos sociais de classe e de modelos de conduta, de imitar, de seguir o padrão, “aculturar-se”, não sair da linha nem se desviar da norma”. (...) “O impulso modernizante, em qualquer de suas formas, significa a crítica compulsiva da realidade. A privatização do impulso significa a compulsiva autocrítica nascida da desafeição perpétua; ser um indivíduo de jure significa não ter ninguém a quem culpar pela própria miséria, significa não procurar as causas das próprias derrotas senão na própria indolência e preguiça, e não procurar outro remédio senão tentar com mais e mais determinação. (Grifos do autor) (BAUMAN, 2001, p. 41-47-48). Por sua vez, Teixeira (2005, p. 10) reporta-se a modernidade como sendo a A definição etimológica: modernus = modo + ernus – advérbio de modus; - medida, limite – justa medida, regra, norma, lei. Advérbio modo – conotação temporal, o tempo limitado de quem fala imediatamente, o tempo que está em torno, o tempo circunscrito àquele que fala. Ernus - pertencer - Modernus (Grifos do autor) – isto que pertence ao agora, que é a coisa justa. Portanto, a época moderna faz um passo adiante, supera a época anterior. Começa com Descartes (séc. XV-XVI).

7

Bignotto (2013, p. 10) explica o significado do termo matriz, que é utilizado em todo o texto da presente pesquisa. “Nesse sentido, devemos conservar do termo matriz a significação original presente na palavra latina matriz, associada à fêmea, que dá origem à vida. Ora, assim como a vida de um movo ser exige a existência de vida antes dele, o caráter inovador de uma matriz não implica o descobrimento daquilo que lhe deu origem, nem do fato de que não é possível falar dos movimentos posteriores sem levar em conta a herança recebida e o entrelaçamento de seus elementos essenciais com outros oriundos de outras matrizes conceituais” (Grifos do autor).

8Agra (2005, p. 16) menciona as principais características do republicanismo, que são: “a) negação

de qualquer tipo de dominação, seja através de relações de escravidão, de relações feudais ou assalariada; b) defesa e difusão das virtudes-cívicas; c) estabelecimento de um Estado de direito; e) incentivo ao autogoverno dos cidadãos; f) implementação de políticas que atenuem as desigualdades sociais, através da efetivação da isonomia substancial”.

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contexto vigente. É importante dizer que, com a tradição, podem-se manter relações de apego ou de rebeldia, dependendo da forma como ocorreram os fatos do passado bem como os que as sociedades pretendem construir para o presente.

Arendt (2011), ao referenciar a tradição do nosso pensamento político, afirma ter início com Platão, quando em “A República” descreveu que todos os assuntos humanos pertencem ao convívio de homens em um mundo comum. O início e o fim de uma tradição tem em comum a forma em que os problemas da política são formulados pela primeira vez e ao receberem seu desfecho final. A força da tradição do homem ocidental nunca dependeu da sua consciência sobre ela, com exceção da tradição dos romanos. A primeira vez foi quando adotaram o pensamento e a cultura da Grécia Clássica sobre as questões espirituais, por entender que elas teriam uma forte influência sobre toda a civilização da Europa. Considerou-se esta tradição como sendo o fio condutor entre o passado e a cadeia com que cada nova geração intencionalmente, ou não, ligava-se ao passado.

A respeito do rompimento que uma geração estabelece com a tradição, a autora (2011, pp. 53-56) expressa que: “O fim de uma tradição não significa necessariamente que os conceitos tradicionais tenham perdido seu poder sobre as mentes humanas. [...] As distorções destrutivas da tradição9 foram, todas elas, provocadas por homens que haviam tido a experiência de algo novo, que tentaram quase instantaneamente superar e resolver algo velho”.

A propósito da tradição republicana, Bignoto (2013, p. 9) esclarece que “o republicanismo se caracteriza como uma corrente de pensamento que concede grande valor à política e a vida ativa [...]” dos civis, tanto nas suas relações privadas, quanto nas suas relações com o Estado, ou ainda, nas relações estabelecidas por estes com aqueles. O republicanismo torna quase impossível a vida anônima no seio da república, pois as pessoas são consideradas pessoas públicas que mantêm alguma forma de vínculo entre si e com o Estado. Nesse contexto, Rousseau (2011, p. 23) afirma que, “[...] os associados tomam coletivamente o nome de povo e se

9

A desconsideração de uma tradição pode acontecer quando ela tenha exercido uma forma coercitiva ou até destrutiva sobre as mentes humanas. Como exemplo, uma ditadura ou uma tirania em determinado momento histórico da sociedade. A promulgação de uma Constituição que estabelece o Estado democrático de direito que põe fim a um governo ditatorial, pode constituir-se num rompimento com aquela tradição do passado, por constituir-se em algo novo que a sociedade está implantando.

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denominam em particular cidadãos enquanto participantes da autoridade soberana e súditos enquanto submetidos às leis do Estado”.

Os civis numa república, segundo o autor (2011), são súditos e, ao mesmo tempo, soberanos. Súditos porque todos estão submetidos à lei republicana; soberanos, por exercerem poder de influência na elaboração da lei e nos atos de governar a república através do estabelecimento da vontade geral, cujo pressuposto é o interesse comum.

No entanto, cada indivíduo, como cidadão, pode ter uma vontade particular adversa da vontade geral. Rousseau (2011, p. 24) afirma que, “[...] seu interesse particular pode ser completamente distinto do interesse comum; sua existência absoluta e naturalmente independente pode fazê-lo considerar aquilo que ele deve à causa comum como uma contribuição gratuita10 [...]”.

Dallari (2011) explica que em Aristóteles é que se encontra a forma de governo republicana. Classifica em governos da realeza quando a tarefa de governar recai sobre uma só pessoa; da aristocracia, cujo ato de governar é extensivo a um pequeno grupo de pessoas da confiança do soberano e da democracia, em que o governo é exercido pela multidão no atendimento ao interesse geral. Esta última é relacionada à forma republicana de governar.

Sobre o republicanismo, cabe ressaltar que na obra O Príncipe, de Nicolau Maquiavel (2010), o autor já fez referência a duas formas de governo: os principados e as repúblicas. Na concepção de Maquiavel (2010, p. 10) todos “[...] os Estados, todos os governos que tiveram ou têm autoridade sobre os homens, foram e são ou repúblicas ou principados”.

Por sua vez, Montesquieu (2010), após observar as diversas formas de governo existentes na sua época, concluiu que existem três espécies de governos; o Republicano, o Monárquico11 e o Despótico12. O governo republicano é aquele em

10

Exemplo disso, numa república autêntica, o pagamento do tributo fiscal sobre a propriedade da terra, cujo valor arrecadado pelo Estado entra no caixa comum, e com isso, no orçamento público, poderá contar com valores que serão revertidos em financiamento de políticas públicas de educação ambiental, cujo benefício será comum a todos.

11Montesquieu (2010, p. 35) explica a natureza do governo monárquico. “Os poderes intermediários

subordinados e dependentes constituem a natureza do governo monárquico, ou seja, daquele em que um só governa por meio de leis fundamentais. Eu disse os poderes intermediários, subordinados e dependentes: com efeito, na monarquia, o príncipe é a origem de todo poder político e civil”.

12“Como deve haver virtude na república e honra na monarquia, deve haver temor num governo

despótico; quanto a virtude, esta não é de modo algum necessária, e a honra seria perigosa. O poder imenso do príncipe passa integralmente àqueles a que confia. Pessoas capazes de se estimarem muito a si mesmas teriam a possibilidade de fazer revoluções. É preciso que o temor abata todas as

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que o corpo do povo governa através do seu poder soberano. Cabe ao povo, através da sua soberania popular e participação, decidir em favor do bem comum. De acordo com o mesmo autor (2010, p. 28), o povo “[...] que detém o poder soberano, deve fazer ele próprio tudo o que possa fazer bem; e o que não pode fazer bem, cumpre fazê-lo por seus magistrados”.

Rousseau (2011, p. 43) ao estabelecer o conceito de república, manifesta-se dizendo aquilo que “Chamo de República todo o Estado regido por leis, sob qualquer forma administrativa que possa existir: pois então somente o interesse público governa e a coisa pública é alguma coisa. Todo o governo legítimo é republicano”.

Para Locke (2011, p. 62) “Sempre que, pois, certo número de indivíduos se reúne em sociedade, de tal modo que cada um abra mão do próprio poder de executar a lei da natureza, transferindo-o à comunidade, nesse caso, e somente nele, haverá uma sociedade civil ou política”. Neste aspecto, pode estar germinando o embrião de um governo republicano. O autor (2011, p. 62) afirma que, “[...] ocorre sempre que certo número de homens, no estado de natureza, se associa para constituir um povo, um corpo político sob um governo supremo [...]”. Por este ínterim, uma sociedade regida por um governo republicano é uma questão de escolha. Não será governada por determinação consanguínea, ou por qualquer revelação anunciada pelos monarcas no âmbito do seu reino.

Ao estudar as matrizes republicanas, serão analisados alguns aspectos importantes da tradição republicana, que compreende o período romano até a modernidade, levando-se em consideração alguns apontamentos que caracterizam as matrizes romana, italiana do renascimento, inglesa, francesa e a norte-americana, assunto que será tratado a seguir.

1.1.1 Fundamentos da matriz republicana romana

Estudar os fundamentos da matriz Republicana Romana pressupõe voltar as atenções para Roma, no lapso temporal que vai da sua fundação em 754 a.C. até a

coragens e extinga o menor sentimento de ambição (MONTESQUIEU, 2010, p. 45). “Decorre da natureza do poder despótico que o homem só que o exerce o faça, também ser exercido por um só. Um homem a quem os cinco dizem sem cessar que ele é tudo e os outros são nada é naturalmente preguiçoso, ignorante, voluptuoso. Abandona, portanto, os afazeres. Mas, se os confiasse a vários, haveria disputas entre eles; fariam conluios para serem o primeiro escravo; o príncipe seria obrigado a voltar à administração” (MONTESQUIEU, 2010, p. 36).

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morte do rei Justiniano em 565 d.C. Neste período, constitui-se o império romano, com toda sua opulência e extensão territorial, cujos domínios eram incorporados ao patrimônio do rei, mediante a dominação dos povos pela utilização da força do seu exército.

O objetivo do presente estudo é identificar os fundamentos que caracterizam a matriz republicana romana, a sua influência no pensamento político do povo nesse momento histórico.

Nos primórdios da república, Roma13 foi dividida em tribos urbanas e rurais, como forma de estabelecer um processo participativo e decisório sobre os assuntos de interesse do Estado e da sociedade. Esta forma de divisão da sociedade em apenas duas classes, segundo Montesquieu (2010, p. 29), caracteriza a república com um viés aristocrático, pois “Sérvio Túlio seguiu, na composição das duas classes, o espírito da aristocracia”.

Sobre a organização social da incipiente República Romana, Rousseau (2011, p. 116-117) destaca que: “Dessa distinção entre tribos da cidade e entre tribos do campo resultou um efeito digno de nota, já que não existe outro similar, e Roma a isso deveu, simultaneamente, a preservação de seus costumes e o crescimento de seu império”. A incipiente República cria um processo de sustento, na qual “[...] tudo o que Roma tinha de ilustre vivendo no campo e cultivando as terras, acostumou-se a buscar somente ali os sustentáculos da República”.

Sobre a organização da República Romana, Montesquieu faz alusão a Tito Lívio e Dionísio de Halicarnasso, como autores importantes a para a criação de instrumentos de participação popular nos assuntos de interesse comum de Roma. De acordo com Montesquieu (2010, p. 29), “[...] vemos em Tito Lívio e em Dionísio de Halicarnasso como ele entregou o direito de voto aos principais cidadãos. Dividira o povo de Roma em cento e noventa e três centúrias, que formavam seis classes [...]”, o que estabeleceu uma forma proporcional de participação entre os ricos, os

13Gibbon (1989, p. 71) explica que, “A definição mais óbvia de monarquia parece ser a de que se trata

de um Estado no qual à única pessoa, seja qual for o nome que a distinga, incumbe a execução das leis, o controle da fazenda pública e o comando do exército. Todavia, a menos que a liberdade pública seja protegida por guardiães intrépidos e vigilantes, a autoridade de um magistrado tão formidável logo degenera em despotismo. A influência do clero, numa época de superstição, poderia ser útil na defesa dos direitos das pessoas; é tão íntima, porém, a ligação entre o trono e o altar, que raras vezes se viu a bandeira de Igreja do lado do povo. Uma nobreza guerreira e um Terceiro Estado obstinado, possuidores de armas, apegados à propriedade e reunidos em assembleias constitucionais, asseguram o único equilíbrio capaz de preservar um Estado constitucional livre dos tentames de um pretendente ao trono”.

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menos ricos e a multidão de indigentes. Começa desenhar-se uma forma de democracia participativa, com a participação direta do povo reunido em praça pública, fator pelo qual a multidão deliberava sobre assuntos de Estado e de interesse comum do povo.

O império romano, sob o insigne de governos republicanos, cresce em medidas largas e aumenta de forma espetacular o seu território, mediante o artificio das guerras. Assim, os domínios vão incorporando novos territórios e transformando os povos estrangeiros em escravos de Roma. Gibbon (1989, pp. 29-30) ao escrever sobre o governo de Augusto afirma:

As principais conquistas dos romanos foram feitas durante a república; e os imperadores, na maior parte dos casos, contentaram-se em preservar os domínios adquiridos em consequência da política do Senado, da ativa emulação dos cônsules e do entusiasmo marcial do povo. Os sete primeiros séculos assistiram a uma rápida sucessão de triunfos; caberia a Augusto, todavia, pôr de lado o ambicioso projeto de dominação do mundo todo, e introduzir, nos conselhos públicos um espírito de moderação.

Esta predisposição à paz, que Augusto (27 a.C.) procurou desenvolver durante seu governo, não foi seguida pelos que o sucederam. Mediante uma política de manutenção dos territórios já conquistados, o Senado Romano e os cônsules proporcionam as condições necessárias para que Augusto implantasse uma forma administrativa de fortalecimento do reino mediante políticas de construção de obras públicas. No entanto, os reis Césares que o sucederam não tiveram a mesma preocupação e ficaram mais voltados à

[...] busca do prazer ou no exercício da tirania, os primeiros Césares raramente se mostravam às tropas ou às províncias e tampouco estavam dispostos a permitir que os triunfos negligenciados por sua indolência fossem usurpados pelo comando e bravura de seus lugares-tenentes” (GIBBON, 1989, p. 31).

O mesmo autor afirma que o declínio e a queda do Império romano14, a partir dos Césares, foi um bem para o mundo, visto que Roma, com a roupagem de uma

14

A respeito da queda do império romano, Gibbon (1989, pp. 486-487) apresenta a seguinte narrativa: “Nos últimos dias do Papa Eugênio IV, dois de seus servidores, o douto Poggio e um amigo seu, subiram a colina capitólia, recostaram-se entre as ruínas de colunas e templos, e contemplaram desse lugar elevado o vasto e variado panorama de desolação. O local e o objeto ofereciam amplo espaço para considerações moralizantes em torno das vicissitudes da fortuna, que não pouparam nem o homem nem suas obras mais soberbas, que sepultam impérios e cidades numa vala comum: concordaram então os dois observadores que, comparativamente à sua antiga grandeza, a

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república, construiu o maior império já visto pela humanidade. A forma republicana adotada por esses reis foi apenas uma fachada que encobriu uma tirania em Roma, que, de certa forma, costumava decidir em praça pública as coisas da república.

Segundo Agra (2005), de toda a fase republicana de Roma, alguns personagens se destacaram para a posteridade. Dentre eles, Cícero, um dos precursores do ideário republicano, que se notabilizou por seus escritos e discursos em defesa da forma republicana de governar. Tinha por hábito dividir a libertas da servitus para informar a população dos perigos que corria, com a possibilidade de ser escravizada por um governo ditador.

Por sua vez, toda a influência do império romano sobre os povos dominados e a extensão territorial dos seus domínios não foram suficientes para o desenvolvimento de Roma. Dessa maneira:

Mas as nuvens da barbárie foram se dispersando gradualmente e a pacífica autoridade de Martinho V* e de seus sucessores restaurou os ornamentos da cidade, bem como a ordem do Estado eclesiástico. Os melhoramentos de Roma a partir do século XV não foram consequência da liberdade e da indústria. A raiz primeira e mais natural de uma grande cidade é labuta e a abundância de habitantes na região circunvizinha, de onde surgem os artigos de subsistência, de manufatura e de comércio estrangeiro (GIBBON, 1989, pp. 488-489)15.

No entanto, pode-se afirmar que a tão propalada vida republicana em Roma, segundo Cardoso (2013, pp. 13-14), bem como as suas “[...] diversas instituições - as leis, as práticas do Direito Civil, a cidadania militar, a participação popular na aprovação das leis e na eleição dos magistrados, o Senado, a defensoria da plebe [...]” constituíram-se em matrizes, para o que atualmente denomina-se de tradição republicana romana.

decadência de Roma era deplorável e terrível. “Sua aparência primavera, tal como poderia se mostrar numa época remota, quando Evandro entreteve o forasteiro de Tróia, foi esboçada pela fantasia de Virgílio. A rocha Tarpéia (Situada no canto sudoeste da colina capitólia, dali se lançavam os criminosos condenados à morte. Tarpéia fora possivelmente, na religião romana, uma deusa do mundo subterrâneo) era então um bosque selvático e solitário: na época do poeta, coroava-o o texto dourado de um templo; o templo foi arrasado, o ouro pilhado, a roda da fortuna completou seu giro, e o solo sagrado está de novo desfigurado por espinheiros e silvados”.

15“A maior parte da Campanha Romana se reduz a um ermo árido e desolado; as excessivas

propriedades rurais dos príncipes e do clero são cultivadas pelas mãos preguiçosas de vassalos indigentes e despreparados, sendo as escassas colheitas reservadas ou exportadas em benefício de um monopólio. Podem ser consideradas como um causa segunda e mais artificial do desenvolvimento de uma metrópole a resistência de um monarca, as despesas de uma corte luxuosa e os tributos de províncias dependentes. Tais províncias e tributos se tinham perdido na queda do império, e conquanto alguns fluxos de prata do Peru e de ouro do Brasil” (GIBBON, 1989, p. 489).

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Toda a tradição romana construída durante a opulência desse império, que perdurou por quase 900 anos, resultou na criação de uma majestosa forma de organização de poder em torno do príncipe. Essa organização incluía vastos domínios territoriais, escravidão dos povos dominados, aplicação da lei de Roma aos povos vencidos, domínio de grandes propriedades rurais em nome dos príncipes mediante um sistema de produção voltado ao monopólio e enriquecimento da coroa e a ostentação de uma luxuosa forma de vida pela corte, dando origem, mais tarde, ao sistema de ocupação feudal16.

Tornou-se um modo de desenvolvimento artificial e sem bases de sustentação, mediante o sistema feudal seguido da vassalagem, do benefício e da isenção fiscal da terra, da concessão de privilégios aos nobres, da corrupção e de uma forma de governo republicano, que muito pouco teve a ver com uma república, razão pela qual, a participação do povo nos negócios da república era restrito à classe dos patrícios. Toda essa decadência que se abateu sobre o Império de Roma perdurou por vários séculos. É a inspiração para o surgimento de novas formas de pensamento a respeito do papel político a ser exercido pelos civis e pelo próprio Estado, assunto que será tratado na sequência do estudo.

1.1.2 Aspectos gerais da matriz republicana italiana do renascimento

Os reflexos da decadência e ruína do império romano foram motivo para muita reflexão por parte daquele povo acostumado com experiências de uma vida social e política muito próxima ao Estado, mesmo que fosse somente por algumas classes mais ricas. Como as principais conquistas dos romanos aconteceram na

16Dallari (2011, pp. 76-77) aborda a organização do sistema feudal e da vassalagem. “Para que se

entenda a organização feudal, é preciso ter em conta que as invasões e as guerras internas tornaram difícil o desenvolvimento do comércio. Em consequência, valoriza-se enormemente a posse da terra, de onde todos, ricos ou pobres, poderosos ou não, deverão tirar os meios de subsistência. Assim, pois, toda a vida social passa a depender da propriedade ou da posse da terra, desenvolvendo-se um sistema administrativo e uma organização militar estreitamente ligados à situação patrimonial. Vai ocorrer, sobretudo através de três institutos jurídicos, a confusão entre o setor público e o privado. Pela vassalagem os proprietários menos poderosos colocavam-se a serviço do senhor feudal, obrigando-se a dar-lhe apoio nas guerras e a entregar-lhe uma contribuição pecuniária, recebendo em troca sua proteção. Outra forma de estabelecimento era o benefício, contratado entre o senhor feudal e o chefe de família e o chefe que não possuía patrimônio. Este último recebia uma faixa de terra para cultivar, dela extraindo o sustento de sua família, além de entregar ao senhor feudal uma parcela da produção. Estabelecido o benefício, o servo era tratado como parte inseparável da gleba, e o senhor feudal adquiria, sobre ele e sua família, o direito de vida e de morte, podendo assim estabelecer as regras do seu comportamento social e privado. Por último, é importante considerar a imunidade, instituto pelo qual se concedia a isenção de tributos às terras sujeitas ao benefício”.

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fase republicana do império, os demais governos tiveram a preocupação de apenas manter aquilo que fora resultado da sua expansão. Mas coube ao governo dos césares a descaracterização da república romana, mediante o exercício de uma forma de governo tirânica e o afastamento do povo, acostumado a participar das decisões administrativas e legislativas.

Ao observarem a decadência social, política e econômica tomar conta de Roma, pensadores, como Leonardo Bruni, dão início a uma escalada de debates junto à sociedade, a respeito do passado republicano. É o início de um grande movimento cultural, político e social denominado de renascentismo. Esse movimento coloca novamente o povo italiano no centro de um debate a respeito da república, da liberdade e da democracia.

Sendo assim, o objetivo a ser alcançado no estudo deste tópico, é conhecer os aspectos gerais da matriz republicana italiana do renascimento e as suas contribuições para o resgate das ideias republicanas.

A importância desse movimento foi o despertar de outros povos a respeito das suas formas de governo, num momento em que a humanidade ingressava numa fase de intensos conflitos entre o Estado e a Igreja, bem como nas suas relações internacionais. Por esta razão, a matriz republicana italiana do renascimento será estudada sob seus aspectos mais marcantes para este trabalho, como sendo um novo republicanismo inaugurado pela Itália do renascimento.

O renascimento foi um momento de diálogo com o passado e resgatou textos das obras de Políbio e de Cícero. Este diálogo, aos poucos, transformou-se num eixo com o presente, que tem início mais ou menos no século IV d.C. Segundo Bignotto:

[...] o recurso a textos da Antiguidade foi a ferramenta usada por filósofos, historiadores e artistas para abandonar os cânones medievais e construírem um mundo em tudo oposto ao que Leonardo Bruni pela primeira vez qualificou de “idade das trevas”. Essa referência constante aos modelos da Antiguidade acabou projetando para a modernidade a imagem do Renascimento como um período de intenso classicismo e ausência de espírito crítico com relação ao passado (BIGNOTTO, 2006, p. 23).

Com o resgate das obras de Políbio e Cícero é que os estudiosos renascentistas italianos trouxeram à tona temas esquecidos na antiguidade, como a liberdade política, a igualdade, o bem comum e a participação popular. Com o

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resgate destes pensadores, é que se deu um passo importante para a criação de um pensamento político republicano inovador na Itália do renascimento. É com eles que o republicanismo forjou sua identidade e criou um vocabulário que vinha sendo discutido pelos gregos desde Aristóteles (BIGNOTTO, 2013).

A preocupação dos humanistas não era com Atenas e Roma, mas com as cidades de Florença, Veneza e Gênova. Resgatar a memória do passado era uma estratégia para reconstruir a identidade das cidades italianas, tornando-as herdeiras das grandezas romanas e não reféns de um passado que não havia mais como recuperar. Como exemplo disso, quando Leonardo Bruni vai escrever a história de Florença, o autor busca apoio no passado para ter condições de afirmar a identidade da sua cidade, resgatando as retóricas antigas, como o direito à autonomia e à liberdade da sua cidade com relação a todos os poderes externos (BIGNOTTO, 2013).

Bruni procura demonstrar à população que os fundamentos de um governo republicano e de uma cidade autônoma com relação a outros governos de outrora poderiam, a partir de então, repetir-se numa outra dimensão. Dessa vez, numa linha de pensamento humanista e livre das trevas da Idade Média.

É verdade que a Florença do início do século XV não é mais a comuna do século XII: sua riqueza, seu poderio econômico, sua influência política estão em franca expansão, e a cidade está prestes a se firmar como uma das potências da Península. O desafio de pensar uma fundamentação teórica para o exercício do poder permanece, contudo. Cumprindo sua função diplomática, notarial, administrativa, os humanistas quiseram responder a esse desafio originando um pensamento da política, delimitando na modernidade o lugar do republicanismo e, mais ainda, inserindo-o na modernidade (e por isso também a compondo) como uma de suas mais fecundas diretrizes políticas (ADVERSE, 2013, p. 55).

A preocupação dos humanistas foi a de delimitar uma forma moderna de governar a cidade estabelecendo relações com os princípios republicanos do passado. Não se preocuparam apenas em definir parâmetros no campo teórico. No campo da política, levaram em consideração as funções diplomáticas notariais, considerando os registros públicos e a natureza dos atos administrativos a serem praticados pelo governo. Sua pretensão foi estabelecer um lugar para o republicanismo em tempos de modernidade, como uma das principais diretrizes políticas a ser seguida pelos governos da cidade (ADVERSE, 2013).

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