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DA ESCRAVIDÃO À CRIAÇÃO DA REPÚBLICA NO BRASIL

A exploração predatória da madeira do pau-brasil, a exploração das minas gerais e a existência de propriedades rurais de extensões latifundiárias, voltadas especialmente à monocultura da produção da cana de açúcar e, posteriormente, da cultura do café, foi a tônica em todo o período colonial e imperial do Brasil. A forma capitalista de aumento da renda e do patrimônio particular tinha como metodologia, a exploração da mão de obra, tanto do escravo africano, quanto da mão de obra assalariada do imigrante europeu, sobretudo, a partir do primeiro quarto do século XVIII. Enquanto nações integrantes da sociedade europeia, como é o caso da Espanha, em que a abolição da mão de obra escrava aconteceu em 1880, o Brasil continuou por mais oito anos explorando essa forma servil de trabalho.

71“Mas o concessionário da sesmaria - agora chamado “Senhor do Engenho” (Grifo do autor) -

importou da Europa o técnico e a maquinaria: importou da África o negro escravo; plantou cana e a fez plantar. Requereu e obteve uma, duas, quantas sesmarias quisesse. Apossou-se das terras boas e férteis e não permitiu nem de leve qualquer forma de concorrência do então chamado „lavrador‟ (Grifo do autor), do homem sem cabedais” (SODERO, 1990, p. 12).

O objetiva-se com o presente estudo, destacar o episódio da mão de obra escrava no Brasil, especialmente na propriedade rural e no engenho do açúcar, como sendo uma anomalia existente neste ambiente do trabalho durante todo o período colonial e imperial e o seu legado para tradição republicana.

Muitas personalidades brasileiras contribuíram, decisivamente, com o debate a respeito da extinção da escravatura no Brasil, sobretudo, nas últimas décadas da existência do Império. Mas, em contrapartida, esse debate era sufocado pelo Governo Imperial e pelo Congresso Nacional representante da oligarquia rural. São pensadores que, de alguma forma ou outra, procuraram quebrar a tradição de uma sociedade escravocrata, que tem início no período colonial e é mantida durante o Império. Será, especialmente, nas contribuições de Joaquim Nabuco, que o presente texto se fundamenta, levando em consideração suas campanhas publicitárias em favor da abolição definitiva do regime escravocrata.

Para a produção deste texto, levou-se em consideração o movimento abolicionista72, objetivando conhecer as suas contribuições para o processo de libertação da escravatura no Brasil, bem como seu legado para criação e instauração da República Brasileira, que ocorreu juridicamente com a promulgação da Constituição Federal de 1891.

A campanha abolicionista aconteceu em favor de uma sociedade totalmente livre, como preconizava a Constituição Brasileira de 1824. Fator que levou os abolicionistas da época a romper o elo que os ligava com a tradição73 de uma sociedade que mantinha o cativo como mola propulsora do desenvolvimento econômico.

A respeito da Constituição Imperial, outorgada em 25 de março de 1824 por ato de D. Pedro I, é importante ressaltar alguns aspectos essenciais do seu texto, que esteve vigente até a promulgação da Constituição Brasileira em 1891. O

72No dizer de Nabuco (2012, p. 196) “Abolicionistas são todos os que confiam num Brasil sem

escravos; os que predizem os milagres do trabalho livre, os que sofrem a escravidão (Grifo do autor) como uma vassalagem odiosa imposta por alguns, e no interesse de alguns, à nação toda, os que já sufocaram nesse ar mefítico, que os escravos e senhores respiram livremente; os que acreditam que o brasileiro, perdida a escravidão, deite-se para morrer, como o romano do tempo dos Césares, porque perdera a liberdade”.

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Os brasileiros que lutaram em favor do abolicionismo centraram-se numa proposta de rompimento com a tradição escravocrata vigente no Brasil, pois, tiveram a experiência de conhecer a experiência onde a economia era alicerçada na mão de obra livre. Assim, a experiência da tradição escravocrata foi enfrentada pela experiência da mão de obra livre, como sendo algo novo para o Brasil. Neste aspecto, Arendt (2011, p. 56) explica que, “As distorções destrutivas da tradição foram, todas elas,

primeiro fato a ser destacado em relação à norma Constitucional do Império, reporta- se ao seu artigo 5º. Estabelecia que: “A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas sem forma alguma exterior do Templo”74

(BRASIL, 1824).

Esse dispositivo constitucional contrariava todo o debate existente na época a respeito do Estado Laico, como uma forma de estabelecimento da liberdade de expressão religiosa. Montesquieu em 1747 alertava a respeito de o Estado oficializar uma religião. Segundo o autor (2010, p. 457), “Quando uma religião nasce e se forma num Estado, costuma seguir o plano do governo em que se estabeleceu, pois os homens que a recebem e os que fazem receber dificilmente têm outras ideias de ordem, senão a do Estado em que nasceram”.

Por sua vez, Rousseau em 1762, mantinha posição semelhante a respeito da relação entre Estado e religião, segundo o qual, a religião deveria ser uma escolha e não uma determinação jurídica estatal. Nessa relação:

Os súditos, portanto, só devem ao Soberano a satisfação de suas opiniões na medida em que essas opiniões interessem à comunidade. Ora, interessa ao Estado que cada cidadão tenha uma religião que a faça amar os seus deveres: mas os dogmas dessa religião não interessam nem ao Estado nem aos seus membros, salvo quando esses dogmas se relacionam com a moral e com os deveres que aquele que a professa tem de cumprir em relação aos outros (ROUSSEAU, 2011, pp. 48-49).

É válido que todos tenham suas opiniões particulares, sem que haja necessidade de o soberano tomar conhecimento, já que ele não tem a prerrogativa de intervir no mundo extraterreno. Dessa forma, não é da sua responsabilidade saber o que vai acontecer com cada um dos seus súditos após deixar a vida terrena. O que importa para o Estado é saber se todos são bons cidadãos cumpridores das suas obrigações e beneficiários dos seus direitos. É uma obrigação do Estado não estabelecer uma religião nacional, mas, sim, tolerar todas as existentes e proporcionar condições para que todos a expressem publicamente (ROUSSEAU, 2011, p. 139).

provocadas por homens que haviam tido a experiência de algo novo, que tentaram quase instantaneamente superar e resolver em algo velho”.

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O conteúdo jurídico mencionado é uma transcrição do texto original da Constituição Imperial de 1824, com ortografia da época. Outros dispositivos da mesma Norma, que serão citados adiante, mantêm a ortografia original.

Por sua vez, o pensamento da sociedade patrimonialista e escravagista brasileira tem como pressuposto, um Estado Constitucional, característica importante para aquele momento, mas não é incluída a ideia de um Estado Laico, ignorando o pensamento da época, discutido principalmente por Montesquieu e Rousseau.

Com esse intento, a Constituição estabelece a Religião Católica, como o credo oficial do Império Brasileiro e, na contramão não determinava a libertação dos escravos. O Império tem preocupações com a salvação da alma dos seus súditos ao determinar a Religião Católica como oficial e de caráter público. Por outro lado, a Carta Magna não considera o escravo como uma pessoa humana e nem como cidadão brasileiro, permitindo a existência dos cativeiros em todo o país.

Outro aspecto digno de nota está relacionado ao artigo 1° da Constituição. “O Império do Brazil é a associação Política de todos os Cidadãos Brazileiros. Elles formam uma Nação livre e independente, que não admite com qualquer outro laço algum de união, ou federação, que se oponha à sua independência” (BRASIL, 1824). Esse dispositivo constitucional estabeleceu que o Brasil seria uma Nação livre e independente de qualquer forma de jugo de outra nação ou federação. Portanto, se o Brasil será uma Nação livre, por uma questão de direito, todas as pessoas residentes e domiciliadas no seu território75, deveriam gozar da plena liberdade mediante a garantia do Estado.

Um terceiro aspecto do texto Constitucional é importante que seja ressaltado. Trata-se do artigo 6°76. Tal dispositivo determina quem são considerados cidadãos brasileiros.

I - Os que no Brasil tiverem nascido, quer sejam ingênuos, ou libertos, ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua Nação. II - Os filhos de pai brasileiro, e os ilegítimos de mãi Brazileira, nascidos em paíz estrangeiro, que vierem estabelecer domínio no Império. III - Os filhos de pai Brazileiro, que estivesse em paíz estrangeiro em serviço do império, embora eles venham estabelecer domicílio no Brazil. IV - Todos os nascidos em Portugal, e suas possessões, que sendo já residentes no Brazil na época, em que se proclamou a independência nas Províncias, onde habitavam, adheriram á esta expressa, ou tacitamente pela

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No entanto, o princípio da territorialidade determinado pela norma não foi considerado pelo Governo Imperial. Essa norma não teve eficácia a todas as pessoas residentes no âmbito do seu território. Os escravos que trabalhavam gratuitamente na lavoura da cana de açúcar e do café não foram privilegiados por essa determinação constitucional, razão pela qual a sua vida em cativeiro perdurou até 1888, ou seja, durante a vigência do Estado Monárquico Brasileiro.

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continuação da sua residência. V - Os estrangeiros naturalizados, qualquer que seja a sua Religião. (Presidência da República - Casa Civil - Subchefia para Assuntos Jurídicos, 2014, p. 2) (BRASIL, 1824).

Do ponto de vista dos direitos inerentes à pessoa humana, já preconizados na

Bill of Rights - Declaração de Direitos de 1689 da Inglaterra77, na Constituição dos

Estados Unidos da América de 1787 e suas emendas78, bem como, na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 178979, mesmo algumas décadas após, a corte Imperial Brasileira, ao outorgar a Constituição de 1824, não utilizou como fonte os direitos consagrados em tais constituições, como por exemplo, a proibição da escravidão, a igualdade de direitos e a liberdade de escolha do seu credo religioso.

Quando a libertação dos cativos não integra o texto constitucional, o Brasil não eleva o escravo à condição de cidadão, e tampouco é considerado como pessoa humana digna de direitos. Para eles são reservados somente obrigações determinadas pelo senhor do engenho. É um contingente populacional80 importante no Brasil, que não tem sua identidade reconhecida pelos senhores do engenho e nem pelo Estado.

Mesmo com a forma escravocrata positivada na Constituição, os setores liberais da sociedade brasileira, representados por personagens que na época viam

77“No ano de 1689, o Parlamento Britânico aprovou um documento que passou a ser conhecido como

Bill of Rightz e que para muitos teve a sentido de uma nova Magna Carta. Na realidade, esse documento, cujo título oficial era “Um ato declarando os direitos e as liberdades da pessoa e ajustando a sucessão da coroa” (Grifo do autor), veio em seguida a uma declaração que visava dar legitimidade aos sucessores do rei que havia fugido, bem como afirmar a legitimidade do próprio Parlamento” (DALLARI, 2011, p. 208).

78“Esse Bill of Rightz inspirou a edição de declarações e leis semelhantes nas colônias inglesas da

América do Norte, tendo como resultado final a aprovação de um conjunto de dez emendas que foram incorporadas à Constituição dos Estados Unidos da América. Esse conjunto de emendas contendo declarações de direitos fundamentais e suas garantias, foi proposto por James Madison visando suprir o que, em suas palavras, era uma lacuna da Constituição de 1787. [...] Aprovadas na primeira sessão legislativa do Congresso e ratificadas em 15 de dezembro de 1791, essas dez emendas passaram a ser identificadas como o Bill of Rightz americano e passaram a ter, desde então, excepcional importância para a garantia da liberdade e dos demais direitos fundamentais nos Estados Unidos” (DALLARI, 2011, p. 209).

79“Em 26 de agosto de 1789, a Assembleia Nacional Francesa aprovou sua Declaração dos Direitos

do Homem e do Cidadão, que, inegavelmente, teve desde logo muito maior repercussão do que as precedentes. Isso de deveu, em parte, à sua condição de centro irradiador de ideias, mas deveu-se, sobretudo, ao caráter universal da Declaração Francesa” (DALLARI, 2011, p. 207).

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Para a Carta Magna Brasileira de 1824 e para a sociedade patrimonialista, a pessoa do escravo não existiu no Brasil, mesmo sendo um contingente na faixa de 10% da população brasileira e que trabalhou gratuitamente na produção da renda agrícola, por aproximadamente três séculos. Essa é uma herança da sociedade colonial brasileira que se constitucionaliza e não reconhece a existência da pessoa do escravo e nem do índio.

a escravidão como um atentado contra os direitos do cidadão e a dignidade da pessoa humana, bem como sinônimo de atraso para o desenvolvimento do Brasil, insurgiram-se contra essa forma de servidão prestada em favor da oligarquia brasileira.

Desde o início da fase imperial, o debate promovido no Senado, na Câmara dos Deputados e em alguns meios de comunicação denunciavam a exploração do trabalho e a acumulação da renda e do capital. Por decorrência disso, algumas normas de pouca aplicabilidade no campo prático iam sendo aprovadas no sentido de promover, a conta gotas, a libertação dos escravos trabalhadores nos setores da economia do país. Dentre as pessoas que trabalharam em prol da abolição dos escravos, menciona-se Joaquim Nabuco, que integrou o movimento em prol do fim da escravatura.

O movimento sobre a extinção da escravatura, por parte de alguns setores da sociedade brasileira, criou uma enorme expectativa no período da Independência do Brasil. Os escravos alimentaram a utopia da alforria para todos, com o rompimento dos laços jurídicos e administrativos entre Brasil e Portugal. Seria uma espécie de promessa tácita de liberdade, pois o objetivo da independência brasileira era proporcionar liberdade a todos e, nessa visão, os escravos sonhavam com sua liberdade. Era uma espécie de promessa que não tardaria a acontecer (NABUCO, 2012).

Um documento redigido após a Revolução de 1817 e dirigido ao povo pernambucano pelo então Governo provisório, expressa a necessidade de alforriar a todos os cativos e incluí-los no rol dos homens livres, que integrariam o Estado brasileiro livre e independente. Foi um movimento que reuniu escravos, intelectuais da época, fazendeiros e donos de engenhos com a finalidade de mostrar ao Brasil a necessidade da eliminação da mão de obra escrava (NABUCO, 2012). Mas não foi o que acorreu. A Independência do Brasil aconteceu em nome da liberdade do cidadão brasileiro de qualquer forma de jugo, sem que o homem escravo fosse elevado à condição de pessoa humana e de cidadão da Nação Brasileira81.

Como a Constituição silencia sobre a escravidão e o tráfico de escravos vindos do estrangeiro, tacitamente ela aceitava tal prática. No dizer de Nabuco

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Segundo Nabuco (2012), alguns membros do Congresso Constituinte de 1824 e a proposta de José Bonifácio de Andrada e Silva, era de que fosse incluído um dispositivo constitucional sobre a

(2012, pp. 90-91), “[...] a lei brasileira não tem moralmente poder para autorizar a escravidão de africanos que não são súditos do império”. O posicionamento adotado pelo Constituinte de 1824, de ignorar a existência do regime de trabalho escravo pelas lavouras do Brasil inteiro, revela o desprezo dos senhores do engenho com relação a esse contingente de trabalhadores. Escravos que não são elevados à condição de seres humanos nem de pessoas que possuem uma identidade82 cultural.

Bauman (2005, pp. 26-36), ao pronunciar-se a respeito da identidade, afirma que: “A ideia de „identidade‟ nasceu da crise do pertencimento e do esforço que ela desencadeou no sentido de transpor a brecha entre o „deve‟ e o „é‟ e erguer a realidade ao nível dos padrões estabelecidos pela ideia – recriar a realidade à semelhança da ideia”. A sociedade escravagista83

não criou identidade com os escravos africanos trazidos para o Brasil, pois “identificar-se com... significa dar abrigo a um destino desconhecido que não se pode influenciar muito menos controlar”.

Com a desconsideração do cativo aqui no Brasil, criou-se uma ideologia racista na qual o escravo não era reconhecido como pessoa, nem pela oligarquia rural nem pela Constituição Imperial de 1824. A respeito da ideologia racista, Arendt afirma que:

A ideologia racista, com raízes profundas no século XVIII, emergiu simultaneamente em todos os países ocidentais durante o século XIX. Desde o início do século XX, o racismo reforçou a ideologia da política imperialista. O racismo absorveu e reviveu todos os antigos pensamentos racistas que, no entanto, por si mesmos, dificilmente teriam sido capazes de transformar o racismo em ideologia. Em meados do século XIX, as opiniões racistas eram ainda julgadas pelo critério da razão política (ARENDT, 2012- A, p. 233).

libertação dos escravos, tornando-os cidadãos da pátria brasileira. Essa proposição não foi acolhida, sendo suprimida do projeto de Constituição, que estava em debate naquele momento.

82“A ideia de identidade nacional - A identidade nacional foi desde o início, e continuou sendo por

muito tempo, uma noção agonística e um grito de guerra. Uma comunidade nacional coesa sobrepondo-se ao agregado de indivíduos do Estado estava destinada a permanecer não só perpetuamente incompleta, mas eternamente precária - um projeto a exigir uma vigilância contínua, um esforço gigantesco e o emprego de boa dose de força a fim de assegurar que a exigência fosse ouvida e obedecida” (BAUMAN, 2005, p. 27).

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No entanto, as relações existentes entre o senhor do engenho e seus escravos foram relações de jugo, de dominação sobre sua força de trabalho, aculturação e poder decisório sobre suas próprias vidas. Eram considerados objeto de compra e venda, como se fossem uma mercadoria qualquer, mediante um valor estabelecido pelo mercado de escravos. Quanto maior o número de cativos

A respeito da ideologia racista que Arendt menciona, aqui no Brasil, durante a fase Imperial, não se pode afirmar que o Governo de D. Pedro I e D. Pedro II tenham mantido a ideologia racista em relação a todas as nacionalidades e formas culturais aqui existentes. Mas, quando se trata do africano escravizado, ela se manteve presente, pois o mesmo escravo que produzia a renda da fazenda era considerado um trabalhador indigno para o fazendeiro, que lhe proporcionava castigos cruéis quando ousava fugir das senzalas. A respeito da fuga de escravos, Flores menciona pesquisa do Arquivo Histórico do RS:

Na década de 1830 a rota de fuga de escravos do Brasil tomou nova direção, atravessava o rio Uruguai para chegar a Entre Rios e Corrientes. Bento Manoel Ribeiro, comandante de Alegrete, comunicou em 20.9.1833 que os correntinos faziam guerra indireta ao Brasil ao impedirem que comerciantes transitassem até o Paraguai, e também ao se recusarem entregar os cativos fugitivos para o outro lado da fronteira, cerca de 100 num mês (FLORES, 2013, p. 19).

Durante o período colonial, o tráfico de escravos tinha o consentimento legal da coroa portuguesa. Por outro lado, a Constituição Brasileira de 1824 não proibiu o tráfico de cativos africanos84. Não considerou essa classe como cidadãos livres e tampouco proibiu sua compra. Por sua vez, a Lei Feijó de 7 de novembro de 1831 destacada por Nabuco (2012, p. 81), no seu artigo primeiro estabeleceu que: “Todos os escravos que entrarem no território ou portos do Brasil vindos de fora, ficam livres”. Assim, fica determinado legalmente o fim do tráfico de escravos para o Brasil.

Como a administração do Império não tinha condições de enfrentamento e fiscalização da ação dos traficantes, essa norma nunca teve efetividade, tanto é que, até 1888 a vinda de escravos era uma realidade brasileira. De qualquer maneira, a realização do tráfico aconteceu ilicitamente por mais de 50 anos, sem que fosse tomada alguma providência pelo Estado, como por exemplo, a proibição de financiamento de recursos públicos às lavouras da cana de açúcar e do café, que estivessem mantendo a escravidão.

trabalhando na fazenda, maior era o prestígio econômico, social e político que detinha o senhor do engenho.

84“Uma vez desembarcados, os esqueletos vivos eram conduzidos para o eito das fazendas, para

meio dos cafezais. O tráfico tinha completado a sua obra, começava a da escravidão”. Em discurso de 16 de julho de 1852 Euzébio de Queirós denunciava o tráfico de escravos para o Brasil. “É sabido, dizia Euzébio de Queirós em 1852 na Câmara dos Deputados, que a maior parte desses infelizes (os escravos importados) (Grifo do autor) são ceifados logo nos primeiros anos, pelo estado desgraçado

No entanto, o Jornal o Noticiador nº 273 de 15.10.1834, p. 4, mencionado por Flores, publica notícia a respeito da venda de escravos.

Manoel da Silva Rios & Companhia, com casa de comércio à Rua da Praia, em Rio Grande, anunciou no Jornal a venda de 31 escravos crioulos, de ambos os sexos, por preço cômodo. Entre eles, cinco casais com filhos, alguns oficiais de ofício, todos acostumados ao serviço de fazendas de gado e nascidos em clima muito apropriado ao desta província; um bom escravo oficial de pedreiro e canteiro; dois pretos próprios para o serviço da lavoura; uma negra que lavava, passava, engomava, cozinhava e costurava; duas negras boas lavadeiras; uma molecote de 16 a 18 anos, próprio para qualquer serviço, todos chegados recentemente da Bahia (FLORES, 2013, p. 37).

Por sua vez, o governo Imperial, preocupado em ordenar a legislação