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Trabalho com informação: valor, acumulação, apropriação nas redes do capital

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Academic year: 2021

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MARCOS DANTAS

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

Escola dE comunicação • ufrj

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Autor: Marcos Dantas Revisão: Marcos Dantas

Projeto Gráfico: I Graficci Comunicação e Design

Programa de Pós-Graduação da Escola de Comunicação da UFRJ Av. Pasteur, 250 - Fundos - Praia Vermelha - Rio de Janeiro

CEP 22290-902 - Tel: 55-21-38735075

D192 Dantas, Marcos

Trabalho com informação: valor, acumulação, apropriação nas redes do capital / Marcos Dantas. Rio de Janeiro: Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFRJ (CFCH-UFRJ), 2012

248 p.

ISBN 978-85-99052-10-5 Inclui bibliografia.

1. Sociedade da Informação. 2. Economia política. 3. Teoria da Informação. I. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Escola de Comunicação.

CDD 303.4833 O presente livro está licenciado por meio de autorização Creative Commons, atribuição não comercial, sem derivados.

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Para Vera,

Carinho, apoio, compreensão, estímulo, con-fiança, suporte, retaguarda, filhos, amor, noites, tar-des, dias, cobranças, esperas, companhia, paciência e muita força - todo esse tempo compartilhando dos meus sonhos.

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Índice

Introdução 8

[Palavras iniciais] - Objetivo do livro - Método do estudo - Plano da obra - Como cheguei até aqui – Os Grundrisse - Dívidas e gratidões – Post-scriptum

I. Dialética da informação 20

[Palavras iniciais] – O que é informação? - Bogdânov, um precursor - Crítica à homeostase - As leis da termodinâmica - Ordem e desordem – Tempo e entropia - Conceito de neguentropia - O “demônio de Maxwell” – O modelo de Shannon - Informação e neguentropia – O “demônio” corrigido - Informação guia a ação - Níveis de organização - O lugar do “receptor” – Mensagem e código - Código e redundância - Ordem pelo ruído - Sistemas complexos - Dimensão temporal - Valor da incerteza - Valor do tempo - Valor da informação - Do sinal ao símbolo – Universo dos sentidos - Códigos sintáticos - Códigos semânticos - Quantidade e qualidade – Sistemas históricos - Conceito dialético

II. Valor trabalho: uma releitura em Marx 60

[Palavras iniciais] - O trabalho humano - A circulação como entropia – Semântica do valor de uso – Sintática do valor de troca – Trabalho vivo, trabalho morto – Capital industrial - Trabalho complexo - Outro conceito - O trabalho do Homem - Tempo disponível - Alienação do trabalha-dor – Trabalho excedente – O tempo é o limite - O limite de Marx, por Marx - A ciência sai da produção - O trabalho científico

III. Sociedade informacional 95

[Palavras iniciais] - As percepções de N. Wiener - As sínteses de Richta e Bell - Diferença em Richta e Bell - Apropriação do tempo livre - Mudanças no trabalho - Trabalho com informação - Barreiras ultrapassadas - Processo geral de produção - Mantendo as aparências

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IV. Valor da informação na Teoria Econômica Ortodoxa 113 [Palavras iniciais] - Valor esperado - O difícil “preço justo” - Valor subsidiário - Um mercado difícil - Introduz-se a “escassez” - Qual racionalidade? - Rumo à exclusão

V. Trabalho com informação 126

[Palavras iniciais] - Trabalho sígnico - Trabalho material - Conceito de produto - Trabalho redundante - Ruídos semânticos - Com menos redundância - Momentos de um processo - Trabalho aleatório – Trabalho entrópico - Mediações semânticas - Valor informacional - Elos de interação - Determinações do trabalho - O capital-informação - Concepção-execução - Competências semânticas - Trabalho contem-plativo - Subsunção do trabalho - Trabalho organizativo

VI. Apropriação da informação 154

[Palavras iniciais] - Inerente desigualdade - A lógica “pirata” - Estratégias competi-tivas - Rendas informacionais – Apropriação do trabalho – Subsunção real: o come-ço - Quem inventou o “chip”? - Feudalização da informática - Economia da licença – Novo paradigma jurídico - O exemplo de Prometeu - Apropriação da vida - Lendo a Natureza - Recursos informacionais – Exclusão social – Emprego só p’ro intelecto

VII. O ciclo da comunicação produtiva 185

[Palavras iniciais] – Valor que não é mercadoria – Questão de tempo – Tempo de contratar – Enchendo o tempo – Problemas novos – Monopólios naturais - Indústria da informação - Socialização da telefonia - A era do rádio - Esfera públi-ca - Ágora informacional – Gargalo burocrático – Uma indústria projetada – Nova base técnica – Corporações-redes – Transportar conteúdos – Estratégia da aranha – Capital vs. monopólios – “Desregulamentação” americana – Reformas européias - Convergência tecnológica - O capital é a rede – Rede fragmentada - A lei geral – Mercado-rede – Internet: o novo medium - Comunicação produtiva – Solução de apropriação – Os have e os have not – Subinformados e supérfluos

Conclusão 233

[Palavras iniciais] - Pensar a informação - Repensar a Economia - Repensar o tra-balho - Repen-sar a práxis

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“Escrevo este livro principalmente para norte-americanos, em cujo ambiente os problemas da in-formação serão avaliados de acordo com um critério padrão norte-americano: como mercadoria, uma coi-sa vale pelo que puder render no mercado livre. Esta é a doutrina oficial de uma ortodoxia que se torna cada vez mais perigoso questionar, para quem resi-da nos Estados Unidos. Talvez valha a pena acentuar que ela não representa uma base universal de valo-res humanos; que não corvalo-responde nem à doutrina da Igreja, que busca a salvação da alma humana, nem à do Marxismo, que estima uma sociedade pelo que ela realizou de certos ideais específicos de bem-estar humano. O destino da informação, no mundo tipica-mente norte-americano, é tornar-se algo que possa ser comprado ou vendido.

“Assim como a entropia tende a aumentar es-pontaneamente num sistema fechado, de igual manei-ra a informação tende a decrescer; assim como a en-tropia é uma medida de desordem, de igual maneira a informação é uma medida de ordem. Informação e entropia não se conservam e são inadequadas, uma e outra, para se constituírem em mercadorias”.

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Introdução

As palavras reproduzidas na epígrafe deste livro foram escritas há 50 anos por Norbert Wiener, o “pai da Cibernética”1. E anunciam precisamente o

que aconteceu, não só no mundo tipicamente norte-americano mas em todo o mundo capitalista: informação passou a ser tratada como mercadoria, conforme uma ortodoxia que, ainda mais depois da derrocada da União Soviética, erigiu-se numa “ordem” (dizem que nova) a qual é cada vez mais perigoso questionar*.*

Até o período que antecede imediatamente a Segunda Guerra, a informa-ção ainda não fazia parte das preocupações centrais de economistas e pensado-res sociais. Informação era um significante referido às relações humanas, pre-sente no dia a dia da vida de qualquer um, tão quotidiano, tão corriqueiro, que sequer merecia maiores considerações teóricas. Foi, aparentemente, o desenvol-vimento de tecnologias específicas ligadas ao tratamento e transmissão de infor-mações que lhe deu status epistemológico. Não por acaso, a Teoria Matemática da Comunicação nasce nos laboratórios da AT&T, o grande monopólio telefônico norte-americano. Surge quando eram intensas, nos Estados Unidos e fora deles, pesquisas sobre computadores e servomecanismos. Funde-se à Cibernética e, logo, permitirá à Física exorcizar em definitivo o “demônio” que Maxwell legou aos seus pósteros, possibilitando então à Biologia explicar o paradoxo termo-dinâmico da vida. Informação, de fórmulas matemáticas úteis à otimização dos sistemas da AT&T, alçou-se à dimensão de um elemento constituinte e intrínseco à explicação do mundo.

Em seu belo livro didático-filosófico sobre a Cibernética, Wiener descre-veu pioneiramente o papel central que a informação começaria a desempenhar

* O texto final deste livro foi escrito na última década do século XX e, na sua maior parte, no verão de 1993-1994.

Então, o enunciado deste parágrafo e dos que imediatamente se lhe seguem pareciam política e, mesmo, academica-mente adequados. Para maiores explicações, ver o “Post Scriptum”, ao final desta Introdução (N2011).

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na vida social da segunda metade do século XX. Antecipa os processos de produ-ção automatizados, avalia a funprodu-ção dos artistas e intelectuais na sociedade que se anun ciava, discute o futuro dos sistemas de patentes e a apropriação do co-nhecimento. Não duvida que informação, até então um recurso razoavelmente li-vre da Humanidade, começaria a ser alvo de desejos de apropriação. Entretanto, conhecendo bem a sua natureza volúvel e instável, adverte para as imensas difi-culdades que a sociedade enfrentaria no intento de alcançar esse vão desiderato. Vencida a metade final do século XX, não nos deve surpreender a consu-mação da previsão de Wiener. O que realmente surpreende é a quase total au-sência de real questionamento e de denúncia mesmo, sobre a mercantilização da informação, embora seja este o fato que, certamente, está na raiz de toda a ins-tabilidade, mudanças e desigualdade da vida social (pós)moderna. A mercantili-zação da informação poderia servir de ponto de partida para novos e vigorosos estudos críticos sobre o desenvolvimento capitalista. Não foi o que aconteceu. A advertência de Wiener caiu no esquecimento.

O estudo que ora apresento foi motivado pela crença na necessidade e possibilidade de se iniciar e avançar um amplo programa de pesquisa, discussão e prática social que ponha em questão justamente todo o arcabouço político e jurídico que testemunhamos ser montado nos dias que correm, visando reduzir a informação a recurso apropriável pelo capital, dela fazendo instrumento de poder e, concomitantemente, de exclusão social.

Não somente isto. Espero também poder contribuir para aquele movimen-to, ao qual se refere Leandro Konder2, de renovação da Filosofia da Praxis,

tor-nando-a capaz de pensar e de agir sobre os processos sociais deste fim de século e começo do próximo. Estou particularmente convencido de que o Materialismo Histórico, conforme as palavras de Jürgen Habermas, “sob diversos aspectos ca-rece de revisão, mas [seu] potencial de estímulo não chegou ainda a esgotar-se”3. Um desses aspectos que, sugiro, carece de revisão trata dos processos de

trabalho e da produção material. Mesmo depois de André Gorz nos convidar, com boas razões, a dar “adeus ao proletariado”4, a questão da produção fabril

ainda segue sendo tratada, teórica e praticamente, numa forma muito próxima ou, pelo menos, diretamente remetida a uma certa tradução, talvez já superada, do pensamento de Marx. Daí também deriva que o epicentro de todo o problema do capital - a valorização - permanece pouco ou nada desenvolvido nos estudos que buscam entender a sociedade contemporânea, na sua especificidade, à luz da teoria histórica marxiana.

A pergunta que proponho é: qual a natureza real do processo produtivo nesta sociedade, que vem merecendo tantos nomes quantas são as máscaras atrás das quais a querem esconder? Se ousarmos atacar este problema, talvez comecemos a destrinchar o processo contemporâneo de valorização do capital,

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esclarecendo-nos a partir daí sobre o que pode ser principal ou secundário nas lutas em que nos empenhamos contra a miséria, as injustiças, a razão cínica, a violência e tantas outras. Para tanto, precisaremos reler, necessariamente rever, às vezes também relembrar a crítica de Marx à Economia Política, mas cuidan-do de fazê-lo à luz cuidan-do desenvolvimento contemporâneo deste fenômeno novo ao qual denomino capital-informação.

Objetivo do livro

Para expor e discutir a lógica de acumulação do capital-informação, estou, neste livro, sugerindo uma teoria do valor-informação, a partir da teoria marxia-na do valor-trabalho. Ou seja, assumindo e reafirmando ser o trabalho a fonte de valorização do capital, tentarei examinar como pode gerar valor o trabalho que tenha por objeto produzir material sígnico, material este que orienta a produção material final nas sociedades capitalistas avançadas.

Como pretendo mostrar, hoje em dia, o trabalho de captar, processar, re-gistrar e comunicar informação, tornou-se fonte direta de produção de riquezas e de acumulação. Assim entendido, a informação obtida pelo trabalho entra em contradição com as relações capitalistas dominantes de produção, daí derivando as questões econômicas e sociais que serão tratadas ao longo do livro.

Método do estudo

Em sua Crítica à comunicação, Lucien Sfez5 dividiu os estudos e conceitos

sobre informação (que ele prefere tratar como “comunica ção”) em dois grandes programas. No primeiro - que ele denomina “metáfora da bola de bilhar” - situa-se a Teoria Matemática da Comunicação e o que dela derivou, particularmente as pesquisas sobre “inteligência artificial” e os “delírios” cognitivos de Simon, Minsk e outros, muito em voga nos anos 50 e 60. Sfez mostra que essa linha está apoiada numa estrutura de pensamento típica das ciências físicas e matemáticas, cujos fundamentos epistemológicos encontram-se na lógica formal aristotélica e no método cartesiano. Com efeito, a figura shannoniana - hoje tão disseminada e até mesmo um tanto popular - que mostra a comunicação realizando-se através de um “canal” que liga unidirecionalmente “emissor” e “receptor”, nada mais é que expressão da relação dualista e determinada entre sujeito (emissor) e objeto (receptor), excluindo-se o terceiro (o “ruído”).

No outro programa - por Sfez denominado “metáfora do organismo” - encontram-se as teorias psíquicas da Escola de Palo Alto (Bateson e outros); o conceito de “ordem pelo ruído” do ciberneticista Heinz von Foerster, e o con-ceito derivado de “organização pelo ruído”, do biólogo Henri Atlan. Aqui, os agentes da comunicação interrelacionam-se através de múltiplos e

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incomen-suráveis canais, formando uma totalidade da qual o ruído é parte inerente, e elemento necessário à criação de ordem e de crescimento. O sujeito, então, não se distingue irredutivelmente do objeto. Para Sfez, este programa remeteria à fi-losofia monista de Spinoza, mesmo que, certamente, nenhum daqueles autores disso estivessem informados. Se assim é, então, na genealogia dessa linha de pensamento caberia situar também a Dialética de Hegel e Marx, cuja natureza monista foi reafirmada por Lukács6, Prado Júnior7 e Sochor8. Porém - e Sfez não

deixa de observá-lo - os marxistas, passada a relutância inicial de Stálin, acei-taram acriticamente a cibernética dualista de Shannon e Wiener, jamais tendo, de fato, desenvolvido uma teoria dialética da informação (veremos, no Capítulo 1, que Alexandr Bogdânov muito avançou nesse terreno, até ser fulminado... pelos raios de Lênin).

Adoto em meu estudo, como sempre adotei na vida, o método materialista dialético. E tão somente porque fui guiado pelo método dialético, o meu encontro e débito com o pensamento monista de Atlan seria inevitável. Quando concluí, em 1994, a dissertação de mestrado que deu origem a este livro, ainda não lera e desconhecia completamente o livro de Sfez (cuja primeira edição francesa é do mesmo ano). Foi, portanto, a posteriori que confirmei encontrar-me em tão dis-tinta companhia*.*Cheguei a Atlan através de leituras em Dupuy9 e em Laborit10.

Nestes todos divisei um claro caminho para alcançar uma compreensão básica da informação como um processo (biológico e social) que articula e relaciona os elementos do Universo em sua totalidade. Então, armado com a Dialética, pude buscar as demais relações que existiriam entre os diversos aspectos através dos quais identificamos, discutimos ou conhecemos o fenômeno informacional**.**

A Dialética não entra em conflito com os “paradigmas do desequilíbrio”, da ciência contemporânea. Ao contrário, ela se demonstra aberta ao “novo, [ao] inédito”11, logo às incertezas. Podemos dizer: este é o método, por excelência,

para estudarmos o aleatório e o complexo, exatamente porque nos fornece os instrumentos necessários para incorporar eventos inesperados às relações pré-existentes, estabelecendo dinamicamente novas relações entre eles. Se, ao longo deste século pareceu o contrário, se a Dialética petrificou-se num materialismo mecanicista, tal o devemos, em boa medida, conforme está se tornando consen-sual na literatura especializada, à influência do darwinismo e do positivismo no

* Muito possivelmente, se tivesse tido acesso à época em que desenvolvi o mestrado (1990-1994), às teorias da

Escola de Palo Alto e às de outros autores relacionados ao “paradigma da complexidade”, além de Henri Atlan, meu caminho na construção das idéias expostas neste livro teria sido em larga medida aplainado. São muitas as estreitas semelhanças das teses aqui apresentadas com as de Gregory Bateson, Paul Watzlawick e seus colegas, mas nula a influência. Lucien Sfez e as teorias construtivistas que expõe em seu livro, inclusive a leitura direta, por mim, dos autores que cita, só puderam ser úteis nas pesquisas de doutoramento e em meus estudos posteriores (N2011).

** No aspecto metodológico, embora não volte a citá-lo, este livro assume uma dívida toda especial com o pensador

brasileiro Caio Prado Júnior, e com a sua Dialética do Conhecimento. Como talvez o percebam os mais iniciados, foi particularmente a dialética de Caio Prado que me guiou na busca de uma compreensão dialética da informação (Capítulo 1) e, daí, no mais que se segue.

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último Engels e no seu principal herdeiro, Karl Kautski, dos quais derivou toda a codificação posterior, leninista, stalinista, trotskista, maoísta etc., etc.12 ...

Plano da obra

Além desta Introdução, o livro contém seis capítulos e a Conclusão: I - “Dialética da Informação”. As discussões sobre a natureza e conceito da informação derivam de dois diferentes programas, como registramos acima. Optando por estudar a informação no sistema, e com base no princípio da organi-zação pelo ruído, exponho como se pode compreender o fenômeno informacional a partir de teorias científicas já consolidadas na Física e na Biologia, daí extraindo conceitos que serão operacionais para responder às questões levantadas, quanto ao processo de trabalho.

II - “Valor-trabalho: uma releitura em Marx”. O meu objetivo neste capítu-lo foi o de reexaminar o conceito marxiano de vacapítu-lor-trabalho à luz da discussão sobre informação realizada no Capítulo 1. Além disso, busquei em Marx outros elementos que podem nos ajudar a entender a sociedade contemporânea como, por exemplo, os seus conceitos de tempo-livre e de trabalho científico.

III - “A sociedade da informação”. Neste capítulo dialoguei com alguns au-tores que discutem os problemas da sociedade contemporânea, especialmente D. Bell e R. Richta, além de Offe, Schaff, Gorz e outros. Avancei, a partir daí, as minhas primeiras considerações sobre a natureza do trabalho nesta sociedade.

IV - “Valor da informação na Teoria Econômica Ortodoxa”. Ao contrário dos marxistas, alguns teóricos neo-clássicos têm enfrentado a questão do valor da informação, logicamente à luz das suas próprias premissas e métodos. Dialoguei com K. Arrow, B. Bates e H. Demsetz, cujas proposições nos adiantam as dificul-dades que o capital enfrenta para apropriar-se da informação social.

V - “Trabalho com informação”. Com base nas discussões precedentes e em alguma observação empírica, avancei uma proposta para estudar o valor da informação a partir do processo de trabalho realizado na sua geração e disse-minação. Para tanto, descrevi alguns processos de trabalho como processos de tratamento e comunicação de informações, sugerindo que análises semelhantes podem ser alargadas a virtualmente todos os campos de trabalho vivo, nas socie-dades contemporâneas.

VI - “Apropriação da informação” - Das discussões anteriores, mostro que o conceito clássico de valor de troca não pode ser aplicado ao valor da informação, o que vem levando o capital a desenvolver novos instrumentos de apropriação, baseados no uso da força política e jurídica. Daí as polêmicas sobre propriedade intelectual nas quais se envolvem grandes companhias capitalistas, polêmicas

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que exprimem as disputas, entre elas, pela divisão das rendas extraídas do tra-balho informacional.

VII – “O ciclo da comunicação produtiva” – Relembrando a dimensão que Marx atribuía ao tempo no processo de valorização, e constatando que o valor da informação se realiza na comunicação, mostro como o capital desenvolveu todo um novo ciclo de produção e trabalho nas comunicações, daí, também, fazendo do controle e domínio das redes de processamento e transporte da informação um outro vetor de importância crucial para a acumulação e apropriação de riquezas.

Conclusão - A questão central da sociedade contemporânea é o controle da informação social pelo capital. Por isto, as lutas por justiça social e pela de-mocracia deveriam ser organizadas tendo por eixo a liberdade de acesso à in-formação socialmente gerada e usada. Para avançar teoricamente tal programa, sugeri algumas linhas amplas de pesquisas e estudos que poderiam aprofundar, ou questionar, os primeiros resultados alcançados neste meu estudo.

Como cheguei até aqui

Com pouquíssimas mas indispensáveis modificações formais, e alguma, mas complementar, atualização de conteúdo, este livro resulta de dissertação de mestrado por mim defendida em 1994, no programa de pós-graduação em Ciência da Informação, da Escola de Comunicação da UFRJ.

Antes disso, porém, ele é corolário de muitos anos de estudo e observa-ções: tem uma genealogia - uma história pessoal - e deve alguns tributos que, nas próximas linhas, registro com alegria e afeto.

Certamente, antes de mais nada, à minha formação infantil e juvenil de tes-temunha ocular, nos anos 50/60, das lutas de meus pais por um País independente e desenvolvido, ao mesmo tempo em que me proporcionavam um ambiente fami-liar estimulante às leituras, ao estudo, às viagens intelectuais, que me impregnou para sempre. Foi parte importante dessa formação e influência ini cial, o encontro com o marxismo-leninismo, com os seus ideais de justiça e liberdade, embora tam-bém (e não poderia então ser diferente) com as suas crenças dogmáticas da época. Saltando no tempo mas devido a este passado, pude, como jornalista entre os anos 70 e 80, perceber intuitivamente a dimensão política e econômica de um problema novo que então chegava à sociedade brasileira: a informática. À época, um amplo e bem articulado grupo de cientistas, engenheiros e outros profissio-nais, trabalhando em centros de pesquisa universitários e empresas privadas ou estatais, e aproveitando um conjunto de circunstâncias muito favoráveis, estava tentando, e logrando, dotar o nosso país com uma avançada indústria de infor-mática e telecomunicações. A verdadeira história desta realização é muito pouco

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e muito mal conhecida. Ao contrário: é muito distorcida. Por duas razões básicas. Primeira: evoluiu no contexto de políticas econômicas e industriais autoritárias, elitistas, concentradoras de renda, socialmente excludentes, logo nunca foi se-quer captada, nem muito menos compreendida, em todas as suas dimensões, pelos movimentos populares e políticos que, no mesmo período, se remobiliza-vam e se reorganizaremobiliza-vam para pôr um fim à ditadura militar. Segunda: quando a indústria começou a ganhar força real e a demonstrar, na prática, a viabilidade de o Brasil encetar, apoiado fundamentalmente em seus próprios recursos humanos e materiais, a sua “revolução informacional”, passou a sofrer vigorosa e poderosa rejeição interna. A política de informática passou a ferir os interesses de grupos empresariais atavicamente dependentes de fontes tecnológicas estrangeiras, e os de uma grande imprensa completamente subordinada às lógicas alienantes da indústria cultural. Esta reação de amplos setores das classes dominantes e médias à política de informática serviu, por fim, aos interesses imperiais dos Estados Unidos que, contra ela, mobilizaram todos os seus poderes de pressão diplomática, econômica e ideológica. Não encontrando, no Brasil, oposição à al-tura (que somente o movimento popular e seus partidos poderiam mobilizar), os Estados Unidos e seus aliados internos acabaram levando a política de informá-tica a perder os seus rumos e clareza de objetivos, daí facilitando a sua definitiva derrogação nos albores do (des)governo Collor.

Foi um longo período, iniciado mais ou menos em 1976/77, e prolongado até os primeiros anos da década 90, durante o qual, como profissional e como cidadão, optei por participar ativamente nesse esforço para dotar o nosso país de uma indústria própria da informação, juntando-me a cientistas, engenheiros e empresários que davam o melhor de si para chegar ao mesmo objetivo. Este livro, sem dúvida, é fruto direto desta vivência. Dificilmente teria sido possível sequer pensá-lo, não tivesse eu aproveitado essa excepcional oportunidade – histórica, eu diria – de viver, enquanto alguém formado e inspirado no pensamento mar-xista, as experiências políticas e profissionais que então vivi, nas lutas em defesa do desenvolvimento tecnológico brasileiro.

Das centenas de cientistas, engenheiros, quadros técnicos e empresários com os quais muito aprendi nessa época, não podendo citá-los todos, quero agra-decer especialmente a três: Arthur Pereira Nunes, Ivan da Costa Marques e Luis Sergio Coelho Sampaio.

Graças a Arthur, pude realizar alguns estudos, dos quais o mais importante permitiu-me visitar cerca de uma dezena de fabricantes brasileiros de computa-dores ou periféricos, conhecendo-lhes a história industrial e tecnológica, obser-vando os seus métodos de trabalho, auscultando os seus engenheiros e técnicos. Esta investigação originou o livro O Crime de Prometeu: como o Brasil conquistou a tecnologia de informática13, produzido e distribuído, em 1989, pela Associação

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Brasileira da Indústria Na cional de Computadores (Abicomp), que inspirou-me diretamente, a partir das observações que pude fazer então, no desenvolvimento das idéias expostas nas páginas que se seguem*.

Com Ivan, além de ter trabalhado em uma empresa projetista e fabricante de computadores, a Cobra, logo vivenciado por dentro as atividades de uma in-dústria de alta-tecnologia; entendi como a nova divisão internacional do trabalho tende a excluir sociedades como a brasileira de todo o processo de criação da ri-queza efetiva dos tempos atuais: o conhecimento científico e tecnológico. Porque não gera essa riqueza, o Brasil expande a sua pobreza.

Com Sampaio**,*tive a grande oportunidade de ligar-me a um grupo de

pes-soas que, na Embratel, por volta de 1984, investigava, pioneiramente entre nós, os impactos da informatização em uma sociedade como a brasileira. Pude então exa-minar, pela primeira vez de forma teoricamente mais sistematizada, as dimensões das transformações pelas quais passa a sociedade contemporânea, bem como travar contato (em alguns casos, tardio) com autores que seriam fundamentais para o avan-ço das minhas idéias posteriores: Umberto Eco, André Gorz, Radovan Rich ta, Daniel Bell, Anthony Smith, Jean-Pierre Dupuy, os pensadores da Escola de Frankfurt e ain-da outros. Adicionalmente, foi esta experiência que me motivou a retornar aos campi universitários, dos quais os equívocos da vida haviam-me afastado.

Os Gundrisse

Quis o acaso que, neste momento em que eu me abria a conhecimentos novos, publicasse a Editora Abril, numa coleção sobre os Economistas, todo O Capital. Na sua excelente Introdução, Jacob Gorender14 chama atenção para as

idéias expostas por Marx nos Grundrisse, sugerindo uma outra via para a supe-ração do capital, através de seu próprio desenvolvimento científico-técnico que, nem de longe, se assemelhava às minhas (e nossas) velhas crenças revolucioná-rias leninistas. Atiçou-me, então, uma provocação. Um desses apologistas da “so-ciedade pós-industrial”, John Naisbitt, numa bobagem intitulada Megatendências,

*Quando este livro estava inteiramente pronto para subir à “nuvem”, em 15 de abril de 2012, Arthur Pereira

Nu-nes faleceu em decorrência de uma longa e cada vez mais grave enfermidade. Um dos principais articuladores da Política Nacional de Informática nos anos 1970-1990, secretário de Informática do MCT no início do governo Lula quando foi também presidente do Comitê Gestor da Internet-Brasil (CGI-Br), Arthur era, sobretudo, uma pessoa extremamente solidária com os amigos, a cujo estímulo e apoio muito devo nesses 30 e poucos anos em que tive o privilégio de com ele conviver.

** Extraordinário intelectual, infelizmente falecido em 2003 aos 70 anos, liderou, como diretor e, depois,

vice-presi-dente da Embratel, um ousado programa de formação de recursos humanos para a “sociedade da informação” que incluiu o desenvolvimento da “Projeto Ciranda”, a primeira comunidade informatizada (hoje diriam “rede social”) brasileira. Em plena a ditadura, nos governos Geisel e Figueiredo, a Embratel distribuiu a todos os seus funcionários, microcomputadores pessoais de 8 bits (os mais avançados então) e passou a estimular a interação social entre eles, visando investigar como se comportaria uma comunidade interligada por computadores. Projetos semelhantes eram realizados no Japão, no Canadá, na Suécia, na França, noutros países. Uma das primeiras medidas adotada pe-los novos diretores da Embratel que assumem na assim dita “redemocratização” de 1985, foi encerrar esse projeto. O Brasil começava a andar para trás... (N2011).

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decretou: “Numa sociedade de informação, o valor é acrescido pelo conhecimento, um tipo de trabalho diferente do que o que Marx tinha em mente”15. Descontado

o fato de que Smith, Ricardo, Say, Sismondi e todos os demais “pais fundadores” da ciência econômica tinham também em mente o valor-trabalho, pareceu-me estar ali o cerne do problema, e que Gorender me dera uma boa indicação de por onde começar a examiná-lo: com efeito, desde então, tornou-se claro para mim, através do estudo deste monumento do pensamento humano que são os Grundrisse, que seria possível examinar as questões levantadas pela “sociedade da informação”, desde um ponto de vista crítico, histórico e... dialético.

Dívidas e gratidões

A consumação de todo este esforço não teria sido possível sem o estímulo, o concurso e as exigências de dois professores: Vânia Araújo e José Ricardo Tauile*,*os meus orientadores. Ambos são grandemente responsáveis pelo que as

minhas idéias tenham de corretas e socialmente úteis. E como não estavam obri-gados a corrigir os meus defeitos e limitações pessoais, não conseguiram remover equívocos ou falhas que, se persistem, são de minha inteira responsabilidade.

A três outros professores da Pós-graduação devo também parcelas de contribuição para este trabalho: Nélida Gómez, Regina Marteleto, Lena Vânia Pinheiro. Devo também gratidão, pela atenção e tempo que me dispensaram, a Vanda Scartezini, então na SID Microeletrônica; Eber Assis Schmitz, Eloisa Façanha, Alexandre Sales e Alexandre de la Vega, todos estes do NCE-UFRJ.

Assumi, por fim, uma profunda e dificilmente resgatável dívida com meus dois filhos - Thomaz e Lucas - de quem, em muitos e muitos fins de se-manas e noites pós-jantar, subtraí o pai (imerso que fiquei nos meus estudos), numa etapa tão importante de suas vidas, quando enfrentam as vertiginosas novidades da juventude.

O que se lerá a seguir é uma investigação conceitual introdutória. Por isto, o livro deixa necessariamente de fora a discussão de uma ampla e importante gama de problemas que precisariam ser examinados em um estudo mais abrangente so-bre a economia e a sociedade da informação. Aqui, quis tratar apenas, e teorica-mente, do problema do trabalho e do valor. Neste recorte, espero que o estudo pos-sa levantar novas questões, mais do que respondê-las. Se, independentemente dos acertos e erros de suas teses, as páginas seguintes puderem sugerir outras e mais frutíferas investigações teóricas e empíricas capazes de instrumentalizar o movi-mento so cial, já terei cumprido com o principal papel de um intelectual inserido numa sociedade tão desigual como o é esta em que vivemos: pensá-la criticamente.

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Post Scriptum (agosto de 2011)

Como dito acima, este livro resulta da dissertação de Mestrado concluída em 1994. Mais de 80 por cento do que se lerá a seguir, foi pensado e elaborado nos primeiros anos da década 1990 e redigido no verão de 1993-1994. Cerca de 15% ou um pouco mais, foi pensado na metade restante daquela mesma década e escrito no verão de 1999-2000.

Então, se justificava dizer que a sociedade brasileira em geral e a esquer-da, em particular, ainda não despertara para os problemas da “sociedade da in-formação”, embora estes já viessem sendo cada vez mais intensamente discuti-dos nos países centrais, desde os anos 1980. Este acúmulo, nos países centrais, inclusive levará os chefes de Governo do G7 a aprovarem a resolução de edificar uma global society of information, em 1995, em Bruxelas. Mas no Brasil, salvo um restrito círculo de pesquisadores e técnicos ligados à informática e telecomuni-cações, não se falava disso.

A dissertação fora produzida visando despertar o debate. Infelizmente, sua publicação à época não interessou a diversas editoras às quais o texto foi oferecido. Digamos, o assunto, no Brasil, não estava “em moda”... Aliás, naqueles tristes anos de Collor e FHC, discutir Marx muito menos. Por outro lado, essas mudanças na sociedade ainda não haviam despertado novas “grandes narrati-vas” nos centros mundiais do pensamento que pudessem servir de referência para os estudos nesta nossa provinciana periferia pouco afeita a pensar com originalidade. Então, mal tinham saído do forno os Lyotard, os Levy, os Castells, muito menos a internet já se transformara no extraordinário sucesso de merca-do em que se transformaria a partir merca-do lançamento merca-do “Internet Explorer”, em 1996. Entende-se que uma dezena de editoras, inclusive algumas especializadas em publicações para o público que se diz de esquerda, não tenha visto qualquer interesse neste meu trabalho... Agora, com a internet e com o apoio do Programa de Pós Graduação da Escola de Comunicação da UFRJ, podemos dispensar tais fil-tros. Em muitos aspectos, os assuntos aqui tratados, inéditos à época, e cujo pionei-rismo reivindico, começam a parecer corriqueiros nos dias que correm. Entretanto, até hoje, a questão central tratada neste livro, permanece original: o trabalho infor-macional. Expressões como “trabalho imaterial” ou “capitalismo cognitivo” não existiam ainda, ou eram ignoradas por aqui, na primeira metade dos anos 1990. Se não faço referências a elas, é por desconhecê-las mesmo àquela época. Hoje, têm motivado uma crescente produção intelectual, crítica favorável ou negativa, que, seja como for, acaba por legitimá-las. Por isto, pensando no debate de hoje (2012), a categoria trabalho informacional, que aqui apresento, surge como uma negação avant la lettre àquelas invencionices pós-modernas. O trabalho informa-cional é material, pois é transformação, pelo corpo humano e sua mente, através de próteses adequadas (ferramentas e tecnologias), de materiais portadores de

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signos que contém valor pelo signo que portam. Trabalho imaterial somente se for aquele feito por Deus no ato da criação...

Do texto original, de 1994, foi feita uma primeira edição para publicação em 1996, escoimadas de algumas idiossincrasias acadêmicas; e uma segunda, no final de 1999. Este livro está de acordo com esta segunda versão. Os capítulos 1 a 5 quase não foram modificados em relação ao texto original da dissertação, inclusive conservam o quê, tantos anos depois, já me parecem ser algumas inge-nuidades teóricas, ao menos estilísticas, de um pesquisador em início de carreira. O capítulo 5, aliás, mas não só ele, antecipava um dos debates centrais do capita-lismo deste século XXI: a propriedade intelectual. O capítulo 6, escrito posterior-mente, traz desdobramentos que eu começava a pensar no final dos anos 1990, já no doutorado, e desenvolveria melhor na década seguinte. Pela sua tese central sobre o trabalho no capitalismo avançado, pelo debate sobre a propriedade inte-lectual, apesar das suas referências teóricas ou factuais ao século passado, este estudo, assim espero, pode ainda ser muito útil.

(Uma última observação: a maioria das notas de rodapé precedida de as-teriscos (*) foram introduzidas nas revisões posteriores ao texto do Mestrado. As notas que trazem, entre parênteses, a notação N2011 foram redigidas para esta edição).

Referências Bibliográficas

1. WIENER, Norbert. Cibernética e sociedade - o uso humano de seres humanos, p. 112 passim, São Paulo, SP: Editora Cultrix, trad., 1978.

2. KONDER, Leandro. O futuro da filosofia da Práxis, Rio de Janeiro, RJ: Paz & Terra, 1992.

3. HABERMAS, Jürgen. Para a reconstrução do materialismo dialético, p. 11, São Paulo, SP: Editora Brasiliense, trad., 2ª ed., 1990.

4. GORZ, André. Adeus ao proletariado - para além do socialismo. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária, trad., 1982.

5. SFEZ, Lucien. Crítica da comunicação, São Paulo, SP: Edições Loyola, trad., 1994. 6. LUKACS, Georg. História e consciência de classe, Rio de Janeiro, RJ: Elfos Editora Ltda, trad., 1989.

7. PRADO Jr., Caio. Dialética do Conhecimento, Rio de Janeiro, RJ: Editora Brasiliense, 5ª ed., 2 tomos, 1969.

8. SOCHOR, Lubomir. “Lukács e Korsch: a discussão filosófica dos anos 20” in HOBSBAWM, Eric J. (org.), História do Marxismo, Vol. 9, Paz & Terra, Rio de Janeiro, RJ, trad., 1987.

9 DUPUY, Jean-Pierre. Ordres et désordres - Enquête sur un nouveau paradigme. Paris, FR: Éditions du Seuil, 1990.

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10. LABORIT, Henri. Deus não joga dados. São Paulo, SP: Trajetória Cultural, trad., 1988.

11. KONDER, Leandro. A Derrota da Dialética, p. 9, Rio de Janeiro, RJ: Editora Campus, 1988.

12. HOBSBAWM, Eric J. (org.), História do Marxismo, vários volumes, Paz & Terra, Rio de Janeiro, RJ, 1987 e seguintes.

13. DANTAS, Marcos. O crime de Prometeu: como o Brasil obteve a tecnologia de

informática. Rio de Janeiro, RJ: Abicomp, 1989.

14. GORENDER, Jacob. Apresentação in MARX, Karl. O Capital. São Paulo, SP: Abril Cultural, trad., 4 vols., 1983.

15. NAISBITT, John. Megatendências, p. 17, São Paulo, SP: Círculo do Livro/Livros Abril, trad., 1983.

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Capítulo I

Dialética da Informação

“A ciência natural algum dia incorporará a ciência do ho-mem, exatamente como a ciência do homem incorporará a ciência natural; haverá uma única ciência”.

Karl Marx

O significante “informação” vem do latim informatio, -onis, “ação de for-mar, plano”, daí o verbo informare, “dar forma, esboçar”. Desde suas origens, o significante denota um processo ou movimento de dar forma a algo ainda em es-boço ou em planejamento.

De em-formação deriva, segundo Fernand Terrou, informação como desig-nativo “das grandes técnicas de difusão e a liberdade ou as atividades sociais fun-damentais de que essas técnicas são ou podem ser os instrumentos principais”1.

Trata-se de um conceito que congela o sentido original, dinâmico, da palavra, num conjunto de atividades subordinadas a uma técnica. Porém, é um significado geralmente aceito pelo senso comum que costuma associar a “informação” aos resultados das atividades de imprensa, rádio ou televisão, isto é, ao conteúdo das notícias, e aos exercícios de liberdade política que tais atividades pressupõem.

O partir dos anos 40 ou 50 do século XX, o significante “informação” veio também sendo adotado para representar uma gama de diferentes fenômenos, identificados e estudados tanto no mundo natural (sobretudo na esfera bioló-gica), quanto nas muitas atividades sociais do ser humano. Pode-se dizer que a estrutura cristalina mineral é ou contém “informação”; que o código genético é “informação”; que um animal irracional age em função de “informação”; que um

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estado psicológico qualquer, num indivíduo, resulta de alguma “informação”; que um computador processa “informação”; até mercadorias, ou commodities, são ou podem ser “informação”. A palavra extrapolou o seu significado ordinário origi-nal, incorporando outras acepções nem sempre imediatamente relacionadas à comunicação humana. Mais do que isso, “informação” tornou-se um problema científico, no sentido de que o seu conceito e os fenômenos que exprime passa-ram a ser formalmente pesquisados e debatidos, conforme métodos próprios dos diferentes campos científicos que dela fizeram objeto de estudo.

O que é informação?

Nisto que foi trazida para o debate científico, a compreensão e a concei-tuação do fenômeno informacional tornaram-se vítimas das diferenças, culturas, objetivos, e até idiossincrasias próprias de cada área do conhecimento. Não será difícil catalogar-se muitas definições diferentes e até contraditórias para “infor-mação”, sugeridas pelos mais diversos autores, havendo quem já tenha relacio-nado mais de 400 delas2. Tem-se a nítida impressão que cada pesquisador ou

estudioso, ao defrontar-se com uma situação que lhe parece relacionada à “infor-mação”, precisando caracterizá-la, conforma-se em lhe sugerir uma definição ad hoc, utilitária, quando não intuitiva. Então, “informação”, numa compilação em diferentes autores, poderá ser “as relações que se tornam perceptíveis, quando ocorrem mudanças no estado físico de algum objeto”; ou “conhecimento que é comunicado”; ou “símbolos produzidos por um comunicador, para efetuar o seu intento de comunicar”; ou “um processo que ocorre na mente humana quando se completa uma produtiva união entre um problema e um dado útil à sua solução”; ou “dados produzidos como resultado do processamento de dados”; ou3...

Informação seria tudo isto, ou algo disto, enquanto percepção imediata de um fenômeno que no entanto, hoje em dia, já pode ser bem compreendido através de um corpo teórico rigoroso e formalizado. Em princípio, não haveria mais porque ainda tatear-se na busca de definições pouco precisas, apenas para atender-se, um tanto quanto arbitra riamente, às demandas de um estudo qual-quer. Muito menos, quando este estudo versar exatamente sobre processos so-ciais e econômicos diretamente relacionados à produção ou uso de informação. Em se tratando, por outro lado, de um conhecimento científico recente e, sob muitos aspectos, ainda em construção, poderá ser admissível desdobrar a conceituação disponível para aplicá-la a contextos ou situações de estudo ainda não abarcados, ou pouco penetrados, por esse corpo teórico. Assim, não se es-tará sendo, nem arbitrário, nem utilitário. Estar-se-á, por um lado, respeitando aquilo que, nas ciências em geral, há que se respeitar enquanto leis universais da natureza ou da história, mas, por outro lado, adequando-as a recortes bem espe-cificados, esclarecidos e justificados.

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Se vamos estudar a “sociedade da informação”, precisamos, para começar, entender o que vem a ser informação. Veremos tratar-se de um fenômeno que en-contra-se intrinsecamente ligado a qualquer situação onde haja uma organização, logo a qualquer estudo sobre uma sociedade. Como observou Rapoport, se a “ener-gia tinha sido o conceito unificador subjacente a todos os fenômenos físicos que su-punham trabalho e calor, a informação tornou-se o conceito unificador subjacente ao fun cionamento dos sistemas organizados, isto é, sistemas cujo comportamento era controlado de modo a atingir alguns objetivos pré-estabelecidos”4.

Bogdânov, um precursor

O primeiro esforço abrangente para pensar os sistemas organizados foi re-alizado pelo biólogo marxista russo Alexandr Bogdânov, nas duas primeiras dé-cadas do século XX. Infelizmente, conhecemos muito pouco e indiretamente a sua obra*.*A detalhada resenha crítica elaborada por Scherrer5, preocupa-se mais em

discutir os aspectos políticos de seu pensamento, ainda que os relacionando cla-ramente às suas idéias científicas e filosóficas, do que em aprofundar o exame das suas proposições sobre conhecimento e ciência. No que aqui nos interessa, Bogdânov desenvolveu uma monista “teoria geral da natureza”, entendendo que “toda a atividade humana no campo da técnica, da práxis social, da pesquisa cien-tífica e da arte pode ser considerada como material da experiência organizativa e estudada do ponto de vista organizativo”6. Daí, funda as bases de uma nova ciên

-cia que denomina tectologia (do grego tectaiologai, “eu construo”)**,**que deveria

“conceber todas as ciências como instrumento para a organização de um único processo social de trabalho, ao qual se deve dar a forma incondicionalmente har-moniosa e unitária”, para tanto elaborando “métodos e pontos de vistas gerais que liguem entre si todas as ciências particula res”7.

Toda a atividade do ser humano, argumenta Bogdânov, consiste em organizar algum aspecto da vida social, nas suas relações com a Natureza e com os homens

* O Autor deve ao professor Michel Thiollent, essas informações sobre as idéias de Bogdânov. Thiollent lembrou-lhe

que Ludwig von Bertalanffy, ao elaborar a sua Teoria Geral dos Sistemas, poderia ter sido mais ou menos influen-ciado pelas idéias de Bogdânov, ao qual porém não faz qualquer referência. Esta suspeita mereceu a realização, nos anos anos 80, de seminários acadêmicos nos Estados Unidos, com conseqüente publicação de livros sobre o assunto. A partir desta indicação, apuramos, nos ensaios críticos contidos na História do Marxismo de Hobsbawm, que Bogdânov foi um dirigente bolshevique tão influente quanto Lênin, pelo menos ao longo dos primeiros três lustros deste século [século XX], e que, ao contrário da grande maioria dos líderes revolucionários marxistas (russos ou não), possuia sólida formação em ciências exatas. Embora sempre ligado ao Partido Bolshevique, inclusive aos governos revolucionários, até morrer em 1928, sustentou permanente polêmica com Lênin que, contra ele, escre-veu Materialismo e empiriocriticismo, uma das principais fontes do que veio a ser a diamat. Bogdânov produziu uma vasta obra teórica e política, inteiramente desaparecida das estantes desde os fins dos anos 20. Dois trabalhos se destacam: Empiriomonismo, publicado, em três volumes, entre 1904 e 1906; e Ciência geral da organização: tecto-logia, também em três partes, que veio à luz entre 1916 e 1922. Este último foi traduzido para o alemão e editado em Berlim, em 1926. Portanto, a dúvida procede: poderia o biólogo austríaco Ludwig von Bertalanffy, ao elaborar a sua Teoria Geral dos Sistemas, na efervescente Viena dos anos 30, ignorar completamente a Ciência Geral da Orga-nização, do biólogo russo Alexandr Bogdânov?

** Pelo nome que deu à ciência que pretendia criar e pela descrição que temos das suas idéias, pode-se sugerir (a ser

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entre si. O conhecimento, pois, é um processo de organização das experiências oriun-das dessas relações, originando conceitos que “não são propriedades do mundo ou das coisas em si [...] mas simples formas de organização ou de ordenamento das experiências, os únicos instrumentos que permitem ao homem formar um mundo objetivo em geral”8. Esses conceitos adquirem validade pelo consenso social, logo

não são externos ao momento histórico, nem são necessariamente universais : “o verdadeiro, para Bogdânov, é o que é socialmente válido numa determinada época”9.

Como os processos sociais são dinâmicos, o objetivo de toda atividade or-ganizadora deve ser a obtenção de algum estado passageiro de equilíbrio:

O sentido de todas as organizações é a criação de estados de equilíbrio entre as mais diversas forças opostas entre si. Mas, uma vez conquistado, todo equilíbrio deve ser nova-mente perturbado pelo surgimento de novas forças, livres. E, portanto, a luta pelo equilíbrio não se torna apenas o princípio supremo da atividade humana organizativa, mas também a lei de desenvolvimento do mundo e da história; nesse sentido, também a Dialética é, para Bogdânov, uma luta para eliminar desequilíbrios que nascem do contraste entre forças orientadas de modo diverso10.

Teremos oportunidade para discutir, mais adiante, essa relação entre equilíbrio e desequilíbrio numa interpretação dialética. Agora, interessa desta-car que as idéias de Bogdânov se constituíram, confirma-o Willett, numa “notável antecipação das teorias cibernéticas e da Teoria dos Sistemas. E é paradoxal que tal ‘ciência organizativa universal’ tenha-se desenvolvido na sociedade burguesa, ao passo que não só a ‘tectologia’ de Bogdânov foi abandonada na URSS, mas a própria Cibernética foi por muito tempo boicotada”11.

Crítica à homeostase

As idéias pioneiras de Bogdânov desapareceram com ele na União Soviética de Stálin e reapareceram, sem nenhum crédito, na Teoria Geral dos Sistemas, de Ludwig von Bertallanfy. Este define um sistema como um “complexo de elemen-tos em interação, interação essa de natureza ordenada”; ou como “qualquer todo constituído por componentes em interação”12. Também para Rapoport, um

siste-ma é usiste-ma “totalidade de relações entre [as suas] unidades”13.

Seria natural que, sendo o ser vivo o mais evidente conjunto organizado, os conceitos sistêmicos aparecessem inicialmente entre os biólogos, psicólogos

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e cientistas sociais. Os pesquisadores que primeiro o desenvolveram, tenderam a considerar o todo sistêmico como independente de suas partes. O comportamen-to destas se explicaria por uma necessidade de ajustamencomportamen-to ao conjuncomportamen-to, sendo inerente ao conjunto a busca daquele ajustamento. Noutras palavras, qualquer sistema estaria sempre tendendo a alguma posição de equilíbrio entre suas par-tes, sendo o movimento destas entendido como uma reação a algum tipo de in-tervenção desequilibradora, em busca de um novo ponto de equilíbrio (confor-me, vimos, era também o pensamento de Bogdânov).

Bertalanffy ilustra esta afirmação, expondo como as teorias psíquicas de-senvolvidas na primeira metade do século, independentemente de suas diferen-ças, entendiam os desajustes num indivíduo como uma resposta a algum estímu-lo desequilibrador no sistema biológico ou psicológico desse indivíduo. À reação e subseqüente recuperação do equilíbrio deu-se o nome de homeostase14. Este

mesmo conceito preside a noção dos modelos administrativos - weberianos - que se acreditava poderem existir razoavelmente infensos a perturbações imprevis-tas, isto é: de tal forma se descreveriam os papéis de cada um dos elementos de uma organização (empresas, instituições etc.), os seus objetivos, bem como os meios de evitar ações oriundas de fontes não desejadas, que se presumiria ser possível mantê-la funcionando em permanente equilíbrio, ou a este estado retor-nar quando “perturbado”15.

A idéia de homeostase também pode ser percebida por trás do pensamento econômico neo-clássico - e, daí, em quase todo o pensamento econômico do século XX. Os paretianos e seus sucessores, em que pese diferenças outras, entendem o sistema econômico como voltado à busca do equilíbrio, pois se assim não fosse, diz Claudio Napoleoni, “não seria um sistema no sentido próprio da palavra, mas a representação de um conjunto desordenado de atividades, privado de qualquer eficácia para os fins de interpretação da realidade econômica efetiva”. Entretanto, “a situação de equilíbrio geral existe e, portanto, nosso modelo tem sentido”16.

Esta posição, que Rapoport denomina organicista17, corresponde aos

pri-meiros tempos dos estudos sistêmicos. Pretende que um sistema, uma vez iden-tificado ou individualizado, possa ser protegido do meio à sua volta que não deve afetá-lo, nem ser por ele afetado. Mas um sistema assim, reconhece Bertalanffy, deveria ser totalmente fechado a qualquer comunicação com o ambiente à sua volta, algo difícil de se conceber nas esferas biológica e histórica. Os sistemas vivos são abertos, são constituídos internamente por elementos em permanente dinamismo e estão em necessário intercâmbio com o ambiente exterior.

A realidade demonstrou que, para todos os efeitos práticos, um sistema biológico ou histórico completamente fechado não existe. Sendo assim, em prin-cípio, todo sistema é inerentemente desequilibrado. O seu eventual equilíbrio ho-meostático demonstra-se, nas palavras de Bertalanffy, como um “estado

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passa-geiro”; o desequilíbrio, “um estado constante”. Logo, o conceito de homeostase “cobre apenas parcialmente o comportamento animal e de forma nenhuma uma porção essencial do comportamento humano”. Ele “não é aplicável” às leis dinâ-micas (“baseadas não em mecanismos fixos, mas dentro de um sistema que fun-ciona como um todo”), a processos cuja meta é “não a redução, mas a criação de tensões”, aos processos de “crescimento, desenvolvimento, criação e similares”18.

As leis da termodinâmica

Essa visão sistêmica de mundo nos ensina a alterar certas percepções de nosso senso comum. Podemos, por exemplo, aceitar positivamente o desequilí-brio como fator de movimento, crescimento, progresso; e desconfiar do equilídesequilí-brio como estado que repousa na imobilidade. O equilíbrio trata do resultado final da evolução espontânea de um sistema que consideremos, ou façamos, fechado. O desequilíbrio, ao contrário, é ativo, ou seja, não espontâneo: caracteriza um siste-ma em evolução e crescimento.

A relação entre os conceitos de equilíbrio e desequilíbrio provém das Leis da Termodinâmica, duas leis naturais que determinam inexoravelmente os li-mites da evolução, crescimento e sobrevivência de qualquer sistema dinâmico. Elas foram descobertas e estudadas, ao longo do século passado, por Sadi Carnot, Rudolf Clausius e James C. Maxwell, entre outros. A Primeira Lei estabelece que a energia contida num sistema fechado não cresce, nem decresce; é constante, embora possa estar desigualmente distribuída. Essa distribuição desigual é per-cebida pelo calor liberado nas diferentes partes do sistema.

A Segunda Lei reza que a energia contida num sistema fechado sofre per-manente e espontânea transformação, sempre numa mesma direção: das áreas onde está mais concentrada para aquelas onde está menos concentrada, das áre-as mais quentes para áre-as mais friáre-as. Essáre-as transformações são denominadáre-as tra-balho. Elas ocorrerão sem cessar, no interior de um sistema que façamos fechado, até que a energia dentro dele esteja totalmente equalizada, isto é, não mais coe-xistam áreas relativamente quentes e áreas relativamente frias. Neste ambiente de temperatura uniforme não mais ocorrem mudanças significativas: o sistema está em equilíbrio; ele está “morto”. Ou, dizemos também, ele atingiu a sua entro-pia máxima. Esta palavra “entroentro-pia” foi cunhada por Rudolf Clausius para medir e exprimir a evolução de um sistema numa direção de crescente desorganização até seu “descanso” final.

Ordem e desordem

Para entendermos melhor as implicações conceituais dessas duas leis da Física, façamos uma analogia com um copo d’água no qual pingamos um pouco

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de tinta nanquim. Num primeiro momento, a tinta se mostrará bem caracteriza-da, bem definicaracteriza-da, na superfície da água: identificamos claramente os seus limites, pela cor, pela consistência. Aos poucos, sem que precisemos intervir, esponta-neamente, a tinta se espalha pela água, até os limites do copo. A partir de um certo momento, toda a água estará acinzentada. Já não distinguimos o que era nanquim e o que era água pura. A mancha desmanchou-se, a água turvou-se. Se enfiarmos uma pequena colher no copo, tanto faz se junto à superfície ou mais no fundo, obteremos porções idênticas de líquido, na cor e na consistência. Se examinarmos ao microscópio, descobriremos que, em qualquer porção do líqui-do, existem quantidades relativamente iguais de componentes de nanquim e de água. Esses componentes estão equilibradamente espalhados por todo o copo. E, por isto mesmo, não sabemos mais o que é nanquim e o que é água. Esta é uma situação mais desordenada do que a ante rior, quando claramente identificáva-mos os limites da mancha de nanquim dentro da água que, também, percebíaidentificáva-mos mais limpa. O copo com água é um sistema no qual não mais intervimos, a partir do momento em que nele pingamos um pouco de nanquim. A partir deste mo-mento, o consideramos um sistema fechado que evoluiu espontaneamente de um estado mais ordenado para outro desordenado, de um estado no qual podíamos com facilidade identificar os seus componentes para outro em que não o pode-mos mais. Porém, igualmente, o conteúdo do copo evoluiu de uma situação mais desequilibrada para outra mais equilibrada, até atingir a sua máxima entropia, quando se estabilizam os processos em seu interior. Ordem e desequilíbrio podem ser assumidos como conceitos correspondentes, em oposição a desordem, equilí-brio e entropia. Um sistema desequilibrado é um sistema ordenado. Um sistema equilibrado é um sistema desordenado, que atingiu a máxima entropia.

Na vida quotidiana, não será difícil apontar muitos momentos em que o equilíbrio exprime, também, uma situação de maior desordem. Na loteria espor-tiva, por exemplo. Um jogo envolvendo duas equipes consideradas relativamente equilibradas, leva o apostador a uma situação de dúvida, daí preferir o palpite tri-plo que, na verdade, é nenhum palpite, isto é, nenhuma decisão. Um jogo envolven-do uma equipe considerada indubitavelmente superior a outra, leva o apostaenvolven-dor a “cravar” aquela, isto é, a não ter dúvidas, a sentir-se mais seguro, a tomar uma deci-são. Intuitivamente, sabemos que “certeza”, “segurança”, nos exprime uma situação mais ordenada, mais organizada, mais claramente perceptível. Dúvida, exprime de-sordem, ausência de formas bem definidas, confusão. O apostador sentiu-se mais confuso diante de um jogo equilibrado, que de outro desequilibrado.

Tempo e entropia

Em termos mais rigorosos, todo sistema é formado por um conjun-to de microestados: as suas partículas, as suas moléculas, os seus elemenconjun-tos

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constitutivos. Quando podemos quantificar, pelas diversas partes do sistema, as posições ou velocidades de suas diferentes partículas, podemos qualificar o sistema, podemos reconhecer o seu macroestado. Por exemplo: um copo de água está quente porque nele predominam quantitativamente moléculas mo-vendo-se em alta velocidade. Ou percebemos a mancha de nanquim porque, num determinado ponto da superfície da água, está concentrada uma grande quantidade de componentes do nanquim.

Como a tendência natural das partículas será sempre a de se espalharem equitativamente pelo interior do sistema, qualquer distribuição desigual consti-tuir-se-á num evento extraordinário, menos provável, incidental. Água quente ten-de para a temperatura ambiente, não sendo possível o movimento contrário, exce-to se o recipiente contendo a água for, por ação intencional a ele externa, recoloca-do junto a uma fonte renovada de calor. Um pingo de nanquim deve dissolver-se no copo de água, sendo inimaginável que, sem algum tipo de intervenção outra, do líquido turvo a tinta venha novamente a concentrar-se num ponto do copo. A de-sordem entrópica, portanto, é, no Universo, um estado mais natural, mais provável, do que a ordem não entrópica. É conseqüência mesma da Segunda Lei*.*

Havendo possibilidade de medirmos - através de observações e de equa-ções matemáticas apropriadas a tal fim - a distribuição dos elementos no interior de um sistema, poderemos descrever a evolução entrópica de seu macroestado. Poderemos saber se ele encontra-se mais ordenado, logo podendo gerar grande quantidade de trabalho; ou mais desordenado, logo não podendo realizar muito trabalho. Esta será, também, uma medida do envelhecimento do sistema: mais ordenado, estará mais jovem; mais desordenado, estará próximo à “morte”. Será, destarte, uma medida do tempo: o tempo no Universo caminha em direção entró-pica, isto é, ele indica o grau de avanço dos processos espontâneos, num sistema, rumo ao seu estado final de equilíbrio. O tempo nos diz, em suma, das transforma-ções na qualidade de um sistema, na medida em que suas quantidades relativas vão se modificando numa mesma direção final.

* Aqui, cabe um esclarecimento. Sempre lembrando que este estudo foi elaborado ao longo dos primeiros anos da

década 1990 e seu texto concluído no verão 1993-1994, neste capítulo, suas principais referências metodológi-cas foram Caio Prado Júnior e o primeiro Lukács, os quais me iluminaram duras leituras em Léon Brillouin, Henri Atlan, Jean-Pierre Dupuy e outros. Por estes dois últimos, fui apresentado à categoria da “complexidade” e elaborei as idéias sobre “desequilíbrio” aqui apresentadas. Só posteriormente, já no doutorado concluído em 2001, viria a ser apresentado ao pensamento de Prigogine e Stenghers e ao da Escola de Palo Alto. Embora, como sabemos, os trabalhos de Bateson e seus colegas datem da década 1950, nos primórdios da Cibernética, só começaram a ser melhor divulgados entre nós na última década do século passado, junto com toda a ruptura paradigmática que então ocorria depois da débâcle do campo socialista. Essas obras, assim como também as de Humberto Maturana, Humberto Varela e Edgar Morin estavam começando a ganhar o mundo na década de 1980 e, tudo indica, não tinham ainda chegado ao Brasil, ao menos não às instituições e professores pelos quais passei no Mestrado (IBICT, IE-UFRJ, COPPE-UFRJ). Foi muito por esforço próprio, daí um tanto vacilantemente, que, sem clara consciência do terreno onde pisava, eu me aproximava delas. Por isto, o meu texto parecerá ora manter-se fiel à termodinâmica do equilíbrio, ora avançar para a do não-equilíbrio, conceito este que pode ser obviamente associado ao que eu então entendia por “desequilíbrio”(N2011).

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Conceito de neguentropia

Para compreendermos a relação entre equilíbrio e desequilíbrio, exami-namo-la, em primeiro lugar, à luz do conceito de entropia. Agora, a examinare-mos pelo outro pólo: pela negação (dialética) da entropia.

Vimos que todo sistema tende espontaneamente ao equilíbrio, ou desor-dem. Esta é uma lei universal da Natureza. Deixamos entendido, porém, que os chamados sistemas abertos ou dinâmicos são inerentemente desequilibrados. São como, se em nosso exemplo anterior da mancha de nanquim num copo d’água, a mancha se mantivesse durante um bom tempo na sua forma original, distinta da água. Sabemos que isto não ocorre, que espontaneamente a mancha se dissol-verá na água. Mas sabemos também que, sendo impossível um movimento em sentido contrário, se havia no início mancha de nanquim no copo, alguém, de fora do sistema, pingou-a lá. Porque sofreu esta intervenção não espontânea e como conseqüência dela, o estado inicial do sistema era ordenado ou desequilibrado. Porque, a partir daí, foi abandonado aos seus processos espontâneos, o seu esta-do final será desordenaesta-do, equilibraesta-do.

Um sistema em seu estado equilibrado máximo final, é um sistema que não mais fornece trabalho. Porém, um sistema em seu estado desequilibrado inicial, é um sistema capaz de fornecer trabalho. Se a impossibilidade de realizar trabalho mede a entropia máxima de um sistema, a possibilidade de fazê-lo mede a sua neguentropia, termo cunhado nos anos 50, por Léon Brillouin19. Portanto, aos

significados de “ordem” e “desequilíbrio”, conforme os discutimos mais acima, devemos associar, também, o de “neguentropia”. Um sistema, espontaneamente, evoluirá de um grau máximo dado de neguentropia para um grau máximo de entropia; da ordem máxima num instante considerado para a desordem máxima; do desequilíbrio máximo para o equilíbrio... eterno.

O “demônio de Maxwell”

Brillouin introduziu o conceito de neguentropia ao resolver, definitiva-mente, uma antiga polêmica científica: o paradoxo do “demônio de Maxwell”. James C. Maxwell, na sua Teoria do Calor, de 1871, sugeriu que, dado dois va-silhames em equilíbrio térmico, havendo um microscópico orifício entre eles controlado por uma igualmente microscópica válvula, poderia um “homúnculo molecular” operar a válvula de sorte a provocar a passagem, para um dos vasi-lhames, apenas das partículas rápidas, cuidando para que no outro vasilhame ficassem, ou viessem a se concentrar, apenas as partículas lentas. Ao cabo de um certo tempo, esta molécula super-inteligente teria introduzido ordem nos dois vasilhames - em cada um, estariam reunidas partículas de um mesmo estado - contrariando por completo a Segunda Lei da Termodinâmica, já que o teria feito,

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ao que tudo indicaria, sem qualquer concurso de alguma fonte externa de ener-gia. Se o “demônio de Maxwell” fosse possível, estavam lançadas as bases para o tão sonhado moto-perpétuo...

Brillouin, secundando estudos anteriormente realizados por L. Szilard, exorcizou o “demônio” ao demonstrar que, para identificar as partículas e sepa-rá-las, a molécula deveria, necessariamente, situar-se em algum nível diferente de radiação, relativamente a essas partículas. Somente essa diferença forneceria ao “demônio” um sinal sobre a passagem da partícula e de qual tipo de partícula se tratava. Em função desse sinal, a molécula, então, agiria. Logo, o sistema tér-mico da molécula já não podia ser considerado o mesmo do das demais partí-culas. Essa diferença a faria agir. Mas, enquanto reduzia a entropia circundante, a molécula não só prosseguiria aumentando a sua própria, como agora, devido ao esforço extra, o deveria estar fazendo num ritmo ainda mais acelerado que o natural. Cedo ou tarde, precisaria “recarregar-se”. Se estava mesmo encerrada nos vasilhames e nem destes podia socorrer-se, mantendo-se eles, também, com-pletamente fechados em relação ao mundo exterior, como pretendia Maxwell, chegaria um momento em que a molécula não mais conteria energia livre própria para continuar a sua atividade e, atingida a sua entropia máxima, isto é, uma vez morta, seria questão de tempo o mesmo acontecer ao conjunto dos dois vasi-lhames interconectados que, portanto, retornariam ao estado desorganizado e equilibrado inicial.

Em suma, o “demônio” não passava de um subsistema que não estava em equilíbrio térmico relativamente ao sistema maior de vasilhames e, por isto, natu-ralmente, nele podia realizar trabalho. Porém, neste caso, o trabalho realizado nos vasilhames gerou um movimento em sentido inverso ao da entropia espontânea; e, no “demônio”, acelerou a própria entropia deste, isto é, acrescentou à sua entro-pia espontânea, outro processo também não-espontâneo. No conjunto, o trabalho realizado resultou num aumento de desequilíbrio na relação entre os dois subsis-temas. Nesse diferencial energético capaz de gerar trabalho não-espontâneo que introduz ou incrementa desequilíbrio num sistema, vamos localizar a informação.

Informação depende de uma fonte de energia, por isto, ao fim e ao cabo, não estará imune aos efeitos da Segunda Lei: se o sistema que fornece energia alcança o seu equilíbrio, a informação cessa. Porém, o efeito imediato da informação ela mesma é exatamente oposto ao da entropia: embora por um tempo limitado, possi-bilitou ao sistema de vasilhames - nele incluído o “demônio” enquanto teve “forças” - passar de um estado menos ordenado para outro mais ordenado. Daqui podemos derivar a nossa primeira e mais basilar compreensão da informação:

Trata-se de um fenômeno material natural que, dadas certas condições energéticas, provoca trabalho físico não-espontâneo no interior de um sistema, fazendo-o ou mantendo-o ordenado.

Referências

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