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No final do século XIX e início do século XX, uma variada gama de novos inventos e evoluções assinala a eclosão de uma verdadeira revolução nas tecno- logias da informação. Num mesmo período de tempo e, não raro, por obra das mesmas pessoas, são introduzidas a telefonia, a radiotelegrafia, a radiotelefonia, a radiodifusão, a fonografia, a fotografia, a cinematografia e, também, máquinas mecânicas de escrever e de calcular.

Em países como os Estados Unidos, França, Inglaterra, Alemanha, Rússia e alguns outros, dezenas, até centenas, de cientistas, técnicos, engenheiros, ar- tesãos ou curiosos, lançaram-se no desenvolvimento dessas novas tecnologias, estimulados e apoiados pelos prêmios oferecidos por governos ou empresários interessados e, principalmente, pelas possibilidades de enriquecer através do depósito de alguma patente. Embora a invenção fosse “plural, porque ela era qua- se sempre a soma de uma série de micro-invenções”21, alguns desses inventores,

a exemplo de Edison ou Marconi, lograram extraordinário êxito em transformar * Diz-se que há um monopólio natural quando, por contingências técnicas e econô-micas, a exploração de um servi- ço ou produção de um bem tendem inevitavelmente a concentrar-se nas mãos de uma única organização. É o caso óbvio das redes de infra-estrutura. É inimaginável, por exemplo, dotar-se um edifício de apartamen-tos com duas ou mais caixas de água e duas ou mais tubulações independentes, para que os seus moradores possam escolher entre dois ou mais fornecedores con-correntes de água potável. Um rede dupla ou múltipla dessa natureza não cabe nem no prédio, nem na rua, nem mesmo em toda uma cidade. Por isso, aquele que pri-meiro instalar o sistema passará a gozar de um natural controle monopolista do mercado. A mesma idéia vale, também, para redes de transporte (rodoviários ou ferroviários) e, até recentemente, para redes físicas de telecomunicações. A Economia reconhece e até formaliza matematicamente o conceito de monopólio natu-ral (ver Almeida20).

os seus aparatos em produtos de sucesso no mercado, fazendo também parecer que haviam realizado sozinhos o que era um produto social. Eles e alguns outros gran jearam essa maior reputação porque tiveram mais competência para trans- formar as suas patentes em fontes de acumulação, naquele processo de apropria- ção que já comentamos no capítulo anterior, para isto recorrendo, inclusive, a duras ações nos tribunais. Eles tornaram-se uma espécie de patenteadores pro- fissionais. Nenhum deles levou mais longe e com mais consciência este novo ofí- cio que Edison. Sua maior invenção, anotou Norbert Wiener, não foi a lâmpada, ou o gramofone: foi o laboratório de pesquisa22. As patentes nascidas em labo-

ratórios seriam a base para a expansão e crescimento, não somente da General Electric, de Edison, mas também da AT&T (a partir das patentes de Graham Bell), da Westinghouse, da Ericsson sueca, da IBM etc.

Para que a patente pudesse transformar-se num produto material útil, bem como para que o laboratório pudesse ser construído e os seus qualificados trabalhadores contratados, havia que adiantar capital. Este papel foi exercido pelo capital financeiro. Edison não teria construído o seu império, sem os em- préstimos e a sociedade com o Grupo Morgan. A AT&T foi fundada por um grupo de financistas da cidade norte-americana de Boston que comprou as patentes de Bell. Posteriormente, esse grupo repassaria o controle da AT&T também para Morgan. Marconi viabilizou a telegrafia sem fio através de um contrato para ins- talar o sistema em todos os navios segurados pela Lloyd’s, então o maior grupo segurador do mundo23, 24.

Assim começa a crescer, sem aparentemente despertar muita atenção teórica, a indústria da informação. O cinema ou o rádio, por exemplo, não se- riam apenas promotores ou divulgadores de cultura, mas indústrias capitalistas, dedicadas obviamente à acumulação, promovedoras da expansão de todo um novo parque tecnológico-industrial voltado para atender às suas necessidades; de todo um novo sistema de “circulação” dedicado a colocar suas “mercadorias” junto aos seus consumidores; de todo um novo mercado de trabalho especializa- do, formado por diretores, artistas, técnicos dos mais variados tipos, gerentes e administradores, burocratas etc. Toda uma frente de acumulação abriu-se sem que - forçoso será dizê-lo - as suas novas e complexas articulações sociais e eco- nômicas viessem a ser estudadas, em sua totalidade. Geralmente, a análise destes segmentos e de outros similares, foi remetida para o campo formal da “cultura”, ou da “superestrutura”. Ignorando o papel da informação e das tecnologias da informação como forças produtivas, os marxistas tenderam a menosprezar o tra- balho aí realizado, não raro rebaixando-o à categoria de “trabalho improdutivo”.

Entretanto, este era um desenvolvimento próprio e necessário ao processo de deslocamento da fonte de valor, da produção imediata para a produção social geral, produção esta que, começamos a perceber aqui, está fundada nas premên-

cias temporais da circulação. Na medida em que a informação tornava-se o objeto imediato de trabalho da maior parte dos indivíduos sociais, os sistemas de pro- dução precisariam também se transformar para atender a esta nova instância. Foi para articular a produção social geral que o capital passou a investir cada vez mais na indústria da informação. Como, relembrando, a produção é imediata- mente consumo e o consumo é imediatamente produção25, tratava-se de organi-

zar a so ciedade, tanto para produzir, quanto para consumir bens materiais cada vez mais distanciados das necessidades humanas básicas (comer, dormir, vestir- se) e cada vez mais carregados de valores sígnicos, transformados em necessida- des indispensáveis à vida so cial dita moderna. O processo de produção deixou de ser apenas aquilo que se realiza dentro das fábricas, seja no “escritório”, seja na “oficina”, e passou a abarcar também os lares, as ruas, os espaços de entre- tenimento públicos, as escolas, todo lugar onde o indivíduo social é adestrado para se incorporar a uma rotina produtiva qualquer e, ao mesmo tempo, dialeti- camente, é construído para usar e desejar usar o produto que, socialmente, aju- dou a produzir. Esta construção, numa palavra, é cultural. Razão porque, nestes tempos contemporâneos, cultura é economia: “em seu desenvolvimento recente, o capitalismo transformou o processo da produção cultural. A produção cultural tornou-se crescentemente indistinguível da produção industrial e as indústrias culturais tornaram-se locus de grande expansão e alta lucratividade”26.