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O capital já acumulado sustenta os investimentos em pesquisa, desenvol- vimento, mercadologia, engenharia, formação de recursos humanos e treina- mento necessários ao desenvolvimento, fabricação, montagem e distribuição de algum novo produto - ou seja de algum suporte físico adequado para a informa- ção processada. Obtido esse produto, as empresas, para recuperar e ampliar a neguentropia social consumida, precisam se entregar ao que os economistas de- nominam “estratégias competitivas”, visando justamente se assegurar da apro- priação do valor da informação, antes que este se degrade pela própria replica-

ção e disseminação dos suportes que o contém, não importando, aqui, se essa replicação e disseminação venha a ser feita pela própria empresa ou pelos seus “piratas”. Insistamos em que a informação não se conserva, embora o linguajar comum possa adotar expressões como “estoque de informação”, “armazenamen- to de informação” e outras metáforas semelhantes que, a rigor, apenas empanam uma correta compreensão do fenômeno informacional. O que se pode guardar ou estocar são os suportes materiais nos quais registram-se os dados mas, não, a ação proporcionada pela percepção deles. Observou Heinz von Foerster, que uma biblioteca não guarda informação, guarda livros; tanto quanto uma garagem guarda carros e, não, locomoção7.Essa lógica oculta do capital-informação trans-

parece nos enunciados de muitos dos “gurus” da competitividade empresarial contemporânea, como, por exemplo, em Michael Porter8. Segundo ele, qualquer

firma pretende ou deve buscar, como condição de sobrevivência, ocupar uma posição de liderança no seu mercado. Para tanto, cria ou sustenta “vantagens competitivas” próprias, que ele classifica em três tipos, conforme permitam à empresa alcançar e manter a sua posição de liderança: i) ofertar produtos a cus- tos mais baixos; ii) ofertar produtos diferentes daqueles dos possíveis compe- tidores; iii) ou ofertar produtos que atendam com exclusividade a um conjunto bem definido de consumidores. Na verdade, essas três estratégias articulam-se ao longo da evolução de uma mesma empresa, ainda que uma delas possa e deva ser privilegiada.

O objetivo da empresa ou empresas líderes será sempre evitar que suas estratégias possam ser “imitadas”9, para que a sua condição de liderança não

possa ser contestada. Para alcançar tal objetivo, a liderança e domínio tecnoló- gicos tornam-se vitais. A empresa, diz Porter, “como uma coleção de atividades, é uma coleção de tecnologias”10. Portanto, “a mudança tecnológica pode ser um

dos principais vetores da competição”, donde “entre todas as coisas que mu- dam as regras da competição, a mudança tecnológica se encontra entre as mais proeminentes”11. O uso ou desenvolvimento de tecnologias podem determinar

a conquista ou manutenção da posição de liderança por um subsistema empre- sarial, quaisquer que sejam as suas estratégias competitivas, dentre aquelas três definidas acima. Assim, as empresas líderes são líderes tecnológicas: iden- tificam antes das demais as alternativas tecnológicas disponíveis; e mobilizam recursos materiais e humanos para lhes desenvolver as tecnologias necessá- rias. Uma vez ocupem essa posição de liderança tecnológica, podem mantê- la “se os competidores não logram duplicar a tecnologia; ou se a firma pode seguir inovando mais rapidamente do que a capacidade de seus competidores para absorver sua tecnologia”12. Como a difusão tecnológica é um fato da vida

- é da natureza da informação – as empresas, ao contrário do que se costuma pregar, empenham-se em retardar tal difusão, ao máximo. Para tanto, lançam mão das seguintes ações:

- patenteamento da tecnologia e tecnologias relacionadas; - desenvolvimento endógeno de protótipos e equipamentos de produção;

- integração vertical das atividades chaves;

- políticas de pessoal que retenham os empregados13.

Evidentemente, Porter está descrevendo aqui diferentes modos de apro- priação da informação social. Somente essa apropriação garante o poder de bar- ganha numa relação econômica neguentrópica. Por isso, “os líderes tecnológicos de sucesso são agressivos nesses esforços para retardar a difusão”14, insiste:

A mudança tecnológica pode mudar as relações de barga-

nha entre a indústria e os seus clientes. O efeito da mudan-

ça tecnológica na diferenciação ou na mudança dos custos serve de instrumento determinante para o poder do cliente [...] A mudança tecnológica pode mudar as relações de bar- ganha entre a indústria e os seus fornecedores. Ela pode eli- minar a necessidade de comprar a um poderoso fornecedor ou, ao contrário, pode obrigar uma indústria a comprar de um novo e poderoso fornecedor15.

Como, transportada pela tecnologia - conhecimento objetivado* - a infor-

mação acaba se revelando, as empresas, para sustentar seu poder barganha, não importa se diante dos clientes ou dos fornecedores, precisam reivindicar o di- reito jurídico à propriedade intelectual. O patenteamento (e, também, o copyri- ght) é o primeiro item, dentre os relacionado por Porter, das ações defensivas da firma que se pretenda líder e, por certo, é o mais importante e determinante. Mas, ao apropriar-se por esta via, da informação - ao impedir ou coibir a sua difusão - o sistema capitalista conduz exatamente à negação da concorrência, que ele tanto idolatra. O discurso da “competitividade” prega não tanto a vitória de algum “jogador” sobre outros, numa partida em que os recursos e regras são mais ou menos iguais para todos, mas a destruição e eliminação dos adversários. A linguagem do marketing, não por acaso, é uma linguagem de guerra. Ilustra * O Export Administration Act norte-americano define tecnologia como “a informação e o conhecimento (seja em forma tangível, tal como modelos, protótipos, desenhos, esquemas, diagramas, cartões ou manuais, ou em forma intangível, tal como serviços técnicos ou de treinamento) que podem ser usados para o desenho, produção, manufa- tura, utilização ou reconstrução de bens, incluindo programa de computação e dados técnicos, mas não os bens eles mesmos”16. Assim, distingue a informação da sua objetivação numa descrição material simbólica, e entende esta

por tecnologia. A literatura costuma a fazer alguma confusão no trato desses conceitos, percebendo as distinções mas não sabendo como bem categorizá-las. Sábato classifica a tecnologia em “incorporada, embutida ou implícita” materializada nas máquinas e materiais utilizados na produção, e “não-incorporada ou explícita”, reunindo tanto o conhecimento que se encontra nas pessoas, quanto os documentos (desenhos, patentes, manuais etc) resultantes desse conhecimento. Pirro y Longo reconhece que os documentos e máquinas são “expressões materiais e incom- pletas da tecnologia” que, a rigor, “está presente nos atributos humanos”17.

muito bem esse ilusionismo contemporâneo sobre o “mercado”, as lições dadas por Willian Davidow - que vem a ser nada menos que o vice-presidente mer- cadológico da Intel à época do definitivo sucesso dos microprocessadores 8080 e 8086 -, em seu Marketing de alta tecnologia. Depois de citar, corroborando, a empresa consultora BCG, para quem “a estratégia competitiva de maior sucesso é obter e conservar uma posição dominante no mercado [...] pela obtenção de um segmento do mercado suficientemente isolado para que possa ser dominado”, Davidow pontifica:

[...] uma empresa não tem que ser grande [...] ela só tem que

ser grande em seu próprio segmento protegido de mercado.

O segmento de mercado que ela atende pode ser isolado da competição por barreiras, para repelir os ataques da com- petição, ou ela pode sobreviver por causa da atitude pacífica da competição [...] A meta nunca deve ser conquistar apenas uma parte muito pequena de um grande mercado. Em vez disso, deve-se desenvolver idéias e identificar recursos para conseguir uma participação substancialmente maior que 15% do mercado num segmento bem protegido [...] A Intel agora está praticamente sozinha nesse segmento de merca- do em amadurecimento, protegida por barreiras difíceis de ultrapassar18.

Quer dizer, o sucesso da competição está em não competir: está em con- quistar “mercados” à volta do qual um subsistema empresarial possa erigir barreiras que pretenderá intransponíveis, como fortalezas medievais. Trata-se, na verdade, de feudalizar os “mercados” e, por extensão, a própria sociedade, indo ao encontro das percepções de Umberto Eco, em seu ensaio “A nova Idade Média”19, no qual faz uma inquietante leitura sócio-semiológica da feudalização

dos espaços sociais. Mas essas barreiras em torno dos feudos informacionais (ou- tros diriam, “segmentos de mercado”), não podendo ser garantidas por grossas muralhas de pedra, pesadas armaduras de ferro e as bênçãos legitimadoras da Igreja, são agora asseguradas pela proteção do Estado - se esse Estado é suficien- temente forte para assegurá-lo*. Para conquistar e defender um feudo informa-

cional, os subsistemas empresariais capitalistas envolvem-se, não raro, em duras e longas batalhas judiciais. Essas batalhas remontam aos primórdios da revolu- ção científico-técnica, quando envolviam inventores como Edison, Westinghouse, Lee de Forest etc., e são travadas basicamente em torno da mesma questão: qual * Assim como os feudos medievais, mesmo ungidos por Deus, não estavam a salvo dos ataques cobiçosos de vizi- nhos, os feudos informacionais contemporâneos também podem sofrer e efetivamente sofrem ataques, até porque, existem sempre, digamos, irmãos mais jovens com inveja dos primogênitos, disputas dinásticas, cavaleiros reconhe- cidos por atos de bravura etc...

empresa deve merecer um monopólio patenteado que lhe assegura virtual con- trole sobre um feudo informacional, quando duas ou mais tenham logrado de- senvolver, com recursos financeiros e intelectuais pró prios, produtos que reali- zam funções similares – suportes físicos contendo valores similares de uso?