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Postos**de trabalho (nas fábricas, nos escritórios, nas fazendas etc.), de-

partamentos, divisões, diretoria, empresas, filiais, fornecedores, consumidores, mercado, sociedade... Temos aí diferentes níveis de organização que, no seu todo, formam o sistema histórico capitalista. É tendência do capital expandir-se e se universalizar: acrescentar-se novos níveis de organização, construir novas re- lações e interações entre os inumeráveis subsistemas sociais que o compõem, absorver ou dissolver subsistemas por ventura ainda “fora” do seu ambiente,

* A partir daqui, trata-se de texto elaborado no verão de 1999-2000, para a conclusão deste capítulo. Não consta,

num processo de contínua transformação que faz tudo sólido desmanchar-se no ar, palavras de Marx bem relembradas por Bermann8. Em suma, parafraseando

Marx, o capital é neguentropia em processo.

O capital é relação e realização de trabalho não-espontâneo ou, simples- mente, trabalho na acepção social, humana, do termo. Valoriza-se e cresce pelo trabalho. Porém, em seu estágio avançado, o capital reuniu o trabalho vivo ba- sicamente nas instâncias onde o produto, os meios materiais para produzi-lo e os modos históricos de consumi-los são especificados, programados, projetados, calculados, desenhados, textualizados, “prototipados”, são postos em alguma for- ma codificada adequada à comunicação e interação entre os elos do processo. No interior desse sistema geral, a produção imediata concretiza-se pela e na in- teração entre os subsistemas vivos de trabalho da empresa e os seus subsistemas de trabalho morto. São dois subsistemas de informação, qualitativamente dis- tintos, integrados a qualquer unidade de capital. O subsistema de maquinaria é informação objetivada, código dado, redundância concreta - cibernético, retroa- limentado, homeostático. O subsistema vivo, composto pelo conjunto de homens e mulheres que trabalham na ou para a empresa, distribuídos pelos seus níveis hierárquicos e por suas demais relações sócio-mercantís, é essencial e constituti- vamente pró-ativo, sígnico, aleatório.

Mas incorporado e absorvido na unidade de capital, o subsistema vivo de trabalho não se distribuirá, através de todas as suas instâncias, em graus equili- brados ou equitativos de aleatoriedade e redundância. Uma unidade de capital, enquanto níveis de organização contidos em outros níveis de organização, per- cebe o seu mercado como fonte de incertezas, o mesmo não se podendo dizer do seu núcleo produtivo material imediato, dos seus postos de trabalho na linha de fabricação. Em princípio, estes devem funcionar de modo redundante, condicio- nados pelas formas dadas do trabalho morto e pelos processos de codificação cada vez mais precisos e detalhados que se realizam ao longo das suas instân- cias de trabalho sígnico. A partir das incertezas do chamado mercado e das suas outras interações sociais, as instâncias da unidade de capital passam a gerar de- cisões que são os resultados de informações processadas e imediatamente regis- tradas em relatórios, memorandos, cartas, documentos outros dos mais variados tipos, não raro, hoje em dia, postos em forma digital, binária, nos sistemas infor- matizados de processamento, registro e comunicação da informação. A informa- ção se objetiva ao longo do processo, correspondendo cada fase a incrementos nas taxas de redundância, maior rigor sintático e, se necessário, adoção de novos léxicos ou mesmo códigos inteiros, adequados aos meios físicos nele utilizados. Adotando a sugestão de Valle9, podemos distinguir pelo menos três grandes fa-

ses neste processo de decisão técnica: macrodecisões (aquelas pertinentes à dire- ção da empresa, de natureza estratégicas), mesodecisões (aquelas relativas aos

engenheiros, de natureza técnica) e microdecisões (aquelas próprias do pessoal de produção, nos postos de trabalho). Cada uma dessas fases corresponderá a diferentes graus de processamento e remoção de incertezas, sendo os indiví- duos nelas envolvidos, elos que recebem, processam, codificam (aumentando a redundância) e transmitem informação que se pretende, em princípio, tratada conforme alguma racionalidade científica e tecnológica. Logo, os postos de tra- balho fabril são apenas mais uns desses elos, onde a objetivação da informação se concretiza nas ações mais ou menos redundantes de homens e mulheres so- bre painéis de controle, manivelas, peças, quadros de aviso, modelos e desenhos orientadores, kan-ban, andon e ainda outros meios de comunicação de informa- ção codificada nos demais elos do processo geral.

O processo não é e nunca foi unidirecional, de cima para baixo, da “fonte” para o “receptor”. Como emissão é imediatamente recepção e recepção é ime- diatamente emissão, os níveis englobantes precisam e dispõem de meios para acompanhar os resultados nos níveis englobados. Estes meios, pois, implicam em retorno da informação, e somente este retorno indica a consumação do pro- cesso, em cada uma de suas fases. Efetivar o retorno da informação é um dos mais importantes papéis da hierarquia. O “chefe” não apenas dá uma “ordem”, ele também verifica a sua execução, “cobra” o resultado e, para tanto, conta com instrumentos objetivos e subjetivos de trabalho sígnico: desde o diálogo direto, até mapas e gráficos com suas lógicas formais de captura, tratamento e registro da informação proveniente do nível englobado.

Sendo cada organização capitalista, hoje em dia, um conjunto voltado ba- sicamente para o processamento e objetivação da informação social - um subsis- tema de trabalho sígnico - será pertinente admitir que o baixo nível de desenvol- vimento das tecnologias da informação até passado recente fez daquele conjunto um locus de atividades humano-intensivas. Desde o diretor até o operário redun- dante, o sistema vivo do ser humano seguia sendo necessário para o processa- mento e sintatização do grande conjunto de informação que atravessa a empresa. Foi para tratar essa informação que se desenvolveu e se aprimorou a burocracia weberiana ou, nas palavras de Gerstein, burocracia mecânica10, caracterizada

pela unidade de comando e acentuada hierarquização. Noutras palavras: pelo emprego de trabalho vivo na produção e controle de trabalho vivo, conforme bem assinalado por Moulier Boutang11. O taylor-fordismo se insere aí e somente pode

ser entendido dentro desse plano mais geral, não qualificando o padrão em seu conjunto mas, ao contrário, sendo qualificado por ele. É uma forma de burocracia mecânica, restrita a alguns níveis da organização capitalista (principalmente, o chão de fábrica) e, mesmo, a apenas alguns dos seus segmentos produtivos: qua- se que só pode ser descrito nas indústrias manufatureiras de montagem, como a automobilística ou a eletro-eletrônica, “nas quais não [se] realiza qualquer trans-

formação da matéria em seu segmento final”12. Tal modo específico de organiza-

ção do trabalho surge, nestes ramos industriais, como “única alternativa para a elevação brutal da produtividade do trabalho [...] dado o estágio do conhecimen- to técnico-científico da época” [primeira metade do século] 13. Poderá então ser

superado, na medida em que a digitalização microeletrônica da informação via- biliza a construção de mecanismos (sistemas integrados de manufatura) capazes de tratar a informação de baixo nível que, antes, ainda requeria a intervenção de operadores humanos.