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A crescente e cada vez mais extensiva apropriação e acumulação da in- formação social, sob a forma de conhecimento formalizado e materializado no interior das corporações capitalistas, é a redundância inicial que orienta novas pesquisas e desenvolvimentos tecnológicos que conduzem à oferta de novos pro- dutos materiais e sígnicos, determinando a dinâmica do crescimento do capital, os padrões de distribuição das riquezas e as possibilidades de controle social. Tão logo identifica um valor esperado - que tanto pode ser um material mineral ou biológico, tanto pode ser uma “idéia” (projeto, desenho, texto, marca, modo de fazer ou de servir etc.), valor potencial que ainda precisará passar por todo um trabalho de pesquisa e de desenvolvimento científico e tecnológico para vir a ser um produto socialmente útil - tão logo identifica esse valor, uma empresa precisa afirmar a sua posse sobre ele: a posse, não sobre a coisa material externa, mas sobre a própria possibilidade dessa coisa vir a ser materializada como algo socialmente útil. O direito de propriedade quer se estender à incerteza que deverá ser removida no tempo.

Para se apropriarem de todas as fontes possíveis de informação social, as grandes corporações lançam mão de todos os recursos informacionais com os quais possam contar: os cérebros dos cientistas e demais trabalhadores sígnicos, a base documental (geralmente confidencial) que acumulam, os subsistemas de trabalho morto que desenvolvem para processar dados e comunicá-los, etc. A sociedade em seu conjunto e a Natureza, em sua totalidade, tornam-se alvo de detalhados esquadrinhamentos, passam a ser vistas, como fontes primárias de informação. A Natureza - y compris as populações “primitivas” que nela permane- cem - tornou-se basicamente um objeto de leitura, leitura esta somente possível se o objeto permanece preservado. É difícil, ou incômodo, lermos um velho livro comido pelas traças... Daí se entende o inegável e simpático apoio que o gran- de capital, no geral, dá às ingenuidades ecologistas. Não cabendo discutí-lo aqui, deixemos apenas registrado ser o “movimento ambiental”, enquanto movimento social, tão característico desta nova etapa informacional do capital - e está tão a seu serviço - quanto é inerente a este apropriar-se da informação extraída do meio-ambiente “sustentado”*.

A pesquisa da Natureza tende a fundir-se à pesquisa social:

Grandes empresas transnacionais do setor de fármacos e de sementes estão enviando para os países tropicais equi- pes compostas por antropólogos e biólogos. Nesses grupos, encarregados de identificar espé cies com potencial de uso para as indústrias, os profissionais de ciências humanas têm a função de facilitar o acesso aos conhecimento tradicional das populações locais, identificando o uso que elas fazem das plantas nativas. Agindo assim, as transnacionais iden- tificam e patenteiam, com baixo custo, as espécies com po- tencial para gerar novos produtos e lucros milionários45**. O objetivo dessas transnacionais é identificar e conhecer, pela interação semântico-sintática imediata entre populações nativas e trabalhadores-cientistas subsumidos ao capital, os usos dados a diferentes plantas (coerção inicial da bus- ca) para depois estudá-las, já então à luz da codificação científica, e transformá-las em medicamentos na forma de drágeas, líquidos e pastas que serão consumidos, * Mais de 15 anos depois de escritas essas linhas, não retiro uma só palavra. Elas estão confirmadas pela posição de liderança assumida por Al Gore nesse movimento, pela riqueza de recursos postos a disposição do Greenpeace e outras ONGs ambientalistas, pelo aberto apoio que lhes dão Hollywood (vide o filme “Avatar”, de James Cameron), a brasileira Rede Globo, grandes bancos etc (N2011).

**Um exemplo dessa apropriação de plantas com potencial de gerar novos produtos é o patenteamento, pela Fox Chase Cancer Center, norte-americana, da popular planta brasileira conhecida vulgarmente por “quebra-pedra”, largamente utilizada em nosso País para tratar problemas renais . Um ato deste significa muito concretamente que, apesar de encontrar-se em nossas florestas e matas, esta planta deixou de pertencer aos brasileiros e, principalmen- te, aos caboclos que dela fazem largo uso.

não pelos nativos, mas por aquela parcela da sociedade humana já historicamente incorporada, em todas as suas dimensões econômicas e culturais, ao modo de pro- dução capitalista. Os nativos pouco ou nada ganham com isso. Deu no jornal:

Países em desenvolvimento são fraudados pelas compa- nhias multinacionais de alimentação e remédios em cerca de US$ 5,4 bilhões por ano, em uma espécie de biopirata- ria. A constatação foi apresentada em um estudo publicado ontem pela Organização das Nações Unidas. A pesquisa [...] afirma que países em desenvolvimento e povos indígenas não são recompensados adequadamente por suas varieda- des vegetais e seu conhecimento técnico.

Só o valor das espécies vegetais do Terceiro Mundo para a indústria farmacêutica é estimado em mais de US$ 30 bi- lhões por ano [...]

O estudo diz que se os países em desenvolvimento recebes- sem apenas 2% em royalties sobre a venda global de semen- tes e 20% pelas drogas derivadas dos vegetais, receberiam aproximadamente US$ 5,4 bilhões46.

Por que 2%? Por que 20%? Por que não 10%, 30%, 50%, qualquer outro percentual? Como arbitrar este valor? Somente a intervenção política dos agentes interessados, pela força de barganha na qual se possam sustentar, permitiria fixar algum valor. Em princípio, as informações dos nativos ou obtidas diretamente da Natureza, sendo incerteza removida na “fonte”, têm valor zero ou próximo a zero, para o capital – o sistema que ignora a informação. Serão valor ao longo de seu pro- cessamento (supressão de ignorância) e objetivação – isto é, ao longo do trabalho informacional realizado sobre elas. Daí que a informação espontaneamente extraí- da dos ín dios – informação cuja obtenção, sendo tradicional, não representou qual- quer trabalho direto para esses índios - não deva custar nada ao capital, nem 2% de royalties. Há lógica nisto. E nenhum roubo... exceto aquele há muito denun ciado por Proudhon: o roubo intrínseco a qualquer apropriação privada.