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Mapa 7 Área de abrangência do programa “Amazonas Indígena”

3.2.3 Ação do governo municipal e os indígenas

Nos últimos anos da década passada, na gestão do prefeito Serafim Côrrea, foi criada a Secretaria Municipal de Direitos Humanos (SEMDIH), por ocasião da reforma administrativa da prefeitura de Manaus. Regulamentada pelo decreto municipal nº 8.395/2006, essa secretaria objetivava promover os direitos das minorias políticas da população, entre os quais o da população indígena (MANAUS, 2007, p. 1).

Da estrutura organizacional da SEMDIH faziam parte cinco coordenadorias e um conselho tutelar, que articulados promoviam ações dirigidas às minorias políticas, compreendendo: Coordenadoria de Promoção dos Direitos Indígenas, Coordenadoria de Proteção dos Direitos do Consumidor, Coordenadoria de Políticas de Gênero, Raça e

Inclusão, Coordenadoria da Infância e Juventude e Coordenadoria Jurídica.

Segundo Luiz Maciel39, coordenador da Coordenadoria de Promoção dos Direitos Indígenas na gestão de Serafim Corrêa, esta coordenadoria da SEMDIH é um órgão de articulação, o qual não dispunha de orçamento próprio. Para Maciel, a referida coordenadoria deveria ser ocupada por um indígena, entretanto não havia, segundo ele, formação técnica dos indígenas para isso.

A Coordenadoria de Promoção dos Direitos Indígenas desenvolveu diversas ações, durante esse período, dentre elas: ―1º Encontro Municipal das Comunidades Indígenas de Manaus‖, ocorrido em dezembro de 2006; e o ―1º Seminário Construindo Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial: perspectivas e desafios‖, realizado em maio de 2007.

O 1º Seminário teve como objetivo ―[...] debater as diretrizes e políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade racial em nível federal, visando elaborar propostas de políticas locais‖ (MANAUS, 2007, p. 7). O referido seminário foi organizado pelas coordenadorias de Promoção dos Direitos Indígenas e de Políticas de Gênero, Raça e Inclusão e contou com a presença de representantes de órgãos do Governo Federal, tais como: Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Secretaria Nacional de Articulação Social e Universidade Federal do Amazonas.

O destaque da programação desse evento foi a palestra denominada ―Indígenas na cidade e indígenas da cidade: direitos, diversidade e cidadania‖, ministrada pelo professor Raimundo Nonato da Silva, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), o qual realizou pesquisas no mestrado sobre essa temática. Nessa palestra, esteve também presente a representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Ocidental (COIAB), Miquelina Barreto.

Também em 2006, conforme o Relatório de 1 ano de atividades, da Secretaria Municipal de Direitos Humanos (MANAUS, 2007, p. 6), foi realizada em Manaus, no mês de agosto, uma audiência pública, com o objetivo de discutir com a sociedade propostas para a elaboração de políticas públicas e promoção de direitos de diversos segmentos sociais, entre os quais os indígenas.

Em abril de 2008, a Coordenadoria de Promoção dos Direitos Indígenas realizou no período de 13 a 19 a ―Semana dos povos indígenas‖. Nesse período, de 01 a 19 de abril, em

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Obtiveram-se esses dados a partir de entrevista realizada com o referido coordenador em junho de 2008, em Manaus.

alusão ao ―Dia do Índio‖, também foi executada uma campanha institucional midiática denominada ―Valorização da diversidade étnica‖.

Durante o mês de maio de 2008, nos dias 21 e 22, realizou-se uma programação visando à promoção dos ―direitos dos povos indígenas‖, por meio de uma oficina para lideranças indígenas, atendendo 60 pessoas. No período de 01 a 10 de setembro foi realizado exame preventivo para mulheres indígenas, contando ainda com palestras ministradas por técnicos da Secretaria Municipal de Saúde (SEMSA) e da Secretaria Municipal de Educação (SEMED).

Em 2008 a SEMDIH promoveu o projeto ―Balcão da cidadania: direitos indígenas e caravana dos direitos‖, cujas metas consistiram em promover à população indígena, residente em Manaus e no seu entorno, assistência jurídica, ações de sensibilização a garantias e direitos do indígena e formação de lideranças comunitárias. A ação pretendeu atender os indígenas que residiam em bairros distantes da sede dessa secretaria.

Nesse mesmo período, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico Local (SEMDEL) de Manaus desenvolveu projetos para atender os indígenas residentes nesta capital por meio da ―Gerência de Terceirização e Quarteirização‖, com a realização mensal da ―Exposição indígena Pú Kaa – mãos da mata‖, no espaço da ―Praça da Saudade‖, uma das mais antigas de Manaus, fundada em 186540. Oliveira (2003) faz referência à construção de alguns sobrados para os funcionários municipais na década de trinta do século XX. Na década de cinquenta do século XX foi construído um prédio na parte fronteiriça a oeste, pretendendo abrigar a casa da cultura e depois a Secretaria de Educação, provocando também uma modificação na sua arborização (OLIVEIRA, 2003). Em período mais recente, em evento ocorrido no mês de junho de 2008, observou-se o estado de deterioração da referida praça, motivo pelo qual a Exposição Pú Kaa foi transferida para outro local.

Esta exposição foi idealizada pela Prefeitura Municipal de Manaus por meio da SEMDEL, a partir de fevereiro de 2006, como resultado de diálogos entre o poder público municipal e as organizações indígenas, que moram na capital do estado do Amazonas e no seu entorno. Foi concebida para oferecer à população indígena citadina condições de sobrevivência, por meio de um projeto de empreendedorismo indígena a partir de: comercialização de produtos indígenas artesanais, gastronomia típica e expressão cultural

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Essa praça era inicialmente conhecida como Largo da Saudade. Seus limites eram o Instituto de Educação do Amazonas (IEA) e o Cemitério São José, onde hoje se encontra a sede do Atlético Rio Negro Clube. Passou à denominação de praça em 1897, mas só em 1932 foram construídos os jardins e os passeios. Fonte: <http: //www.manaus.am.gov.br/secretarias/implurb/praca-da-saudade-historia/?searchterm=Praça%20da%20Saudade>. Acesso em: 31 jul. 2008.

(grupos de danças e músicos indígenas), divulgação e conhecimento dos aspectos culturais dessa população, conforme ilustra a Fotografia 3.

Fotografia 3 – Exposição Pú Kaa, Manaus, 2008

Fonte: Laura Arlene Saré Ximenes Ponte (2008)

A Prefeitura de Manaus é a mantenedora dessa exposição por meio de suas secretarias, sendo a Pú Kaa de competência da SEMDEL, como assinalado acima, embora a cada edição sejam estabelecidas parcerias com outros órgãos governamentais e não governamentais, a exemplo da FEPI e da COIAB.

Essa exposição é composta de: artesanato, com 17 barracas, culinária, com 12 barracas de gastronomia típica; e outras, com uma barraca de arco e flecha e ainda um barraca de pintura corporal/grafismo indígena. Há também manifestações culturais realizadas via apresentações de grupos de danças e de músicos. Os grupos e respectivas etnias que vêm se apresentando são em número de 13: Inhaã-Bé Curi – Sateré-Mawé; Aicunã – Tikuna; Bayaroá – Tukano, Tariano e Dessano; Mipynancuri - Sateré-Mawé; Wotchmaücu – Tikuna; Munduruku – Munduruku; Mira Igara – Baniwa, Sateré-Mawé, Munduruku, Arapaso, Apurinã; Waranã Mepy‘t – Sateré-Mawé; Kokama – Kokama; Protetores da Floresta – Sateré-Mawé; Magüta – Tikuna; Mirehu – Sateré-Mawé e por último, Waikihu – Sateré- Mawé.

Conforme Margareth Cerqueira, técnica da SEMDEL, entrevistada em junho de 2008, responsável diretamente pela Exposição Pú Kaa, essa exposição é totalmente indígena, apenas o apoio da equipe técnica é externo com funcionários da SEMDEL, porém, o restante das atividades são de criação artística e cultural das organizações indígenas, por meio de seus

respectivos líderes, envolvendo a participação de aproximadamente 90 indígenas, pertencentes a 16 etnias: Apurinã, Arapaso, Baniwa, Baré, Dessano, Kambeba, Tuiuka, Munduruku, Kokama, Pira-Tapuya, Sateré-Mawé, Tariano, Tikuna, Tukano, Wanano e Wai- Wai41.

Nesse mesmo evento, realizou-se entrevista com uma indígena participante dessa exposição, obtendo-se o seguinte depoimento: ―[...] hoje a gente ainda tem, tem esses serviços. É o único local que a gente tem para mostrar o nosso trabalho‖42. Percebe-se na fala da referida índia uma crítica à inexistência de locais para a exposição e comercialização exclusiva da produção artística indígena, constituindo-se a Pú Kaa como um dos poucos locais remanescentes para esse fim, haja vista que os demais realizam exposições em conjunto com outros segmentos sociais.

A SEMDEL, em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura (SEMC), disponibiliza aportes financeiros para remuneração dos grupos artísticos que se apresentam na exposição. Os casais de apresentadores indígenas, contratados como locutores da exposição, também recebem essa remuneração. Os resultados financeiros arrecadados durante a Pú Kaa são destinados exclusivamente aos expositores indígenas e suas organizações.

Mediante entrevistas realizadas com indígenas participantes da Pú Kaa, em junho de 2008, obtiveram-se registros de insatisfação sobre diversas questões, entre as quais se pode citar: pagamentos atrasados da prefeitura (SEMDEL e SEMC) aos participantes; entraves burocráticos para o repasse dos pagamentos; problemas relacionados a transportes dos grupos indígenas e de seus produtos para comercialização na ―Praça da Saudade‖; problemas com o pessoal de apoio da Prefeitura, que se negaram à prestação de serviços aos indígenas; ausência de banheiros públicos na ―Praça da Saudade‖ para atendimentos aos indígenas; ausência de apoio da assessoria de comunicação da SEMDEL na divulgação do evento; condições de deterioração da ―Praça da Saudade‖ para a realização do evento, entre outras.

Um ponto polêmico na relação entre a Prefeitura de Manaus e os indígenas, nessa exposição, diz respeito à caracterização exótica dos expositores. Em reunião da Prefeitura com os indígenas acerca do evento em junho de 2008, o gerente da Exposição Pú Kaa (Abel de França Pedraça Filho) pronunciou-se sobre a importância da caracterização dos expositores indígenas, pois, segundo ele ―[...] os que vão visitar a exposição desejam ver índios‖,

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Dados obtidos em entrevista com Margareth Cerqueira, Manaus, junho de 2008. 42

Entrevista de uma índia da etnia Dessano durante a Oficina ―Nova Cartografia Social da Amazônia‖ em 17/06/2008. Publicação do Projeto ―Nova Cartografia Social da Amazônia‖, Manaus, em 2008.

evidenciando-se em sua fala o caráter comercial e exótico da exposição com o objetivo de chamar a atenção dos ―turistas‖ para esse aspecto peculiar de Manaus.

Esse pronunciamento provocou manifestações favoráveis e desfavoráveis por parte dos indígenas, cuja divisão de opiniões possibilitou na referida reunião, debates sobre as tradições culturais dos grupos étnicos ali presentes. Um dos manifestantes pertencente à etnia Tuiuka destacou sua preocupação em se caracterizar como indígena, pois, segundo ele, se o fizer desrespeitaria uma tradição cultural de seu grupo étnico ao ter que usar o cocar, haja vista que os costumes tradicionais de sua etnia condenam o uso deste, uma vez que se constitui em prerrogativa exclusiva dos chefes tribais. Com isso, observa-se o desrespeito à diversidade indígena, ao se homogeneizar as diversas etnias, como se todas elas possuíssem os mesmos hábitos e costumes, ou ainda, como se houvesse uma cultura indígena genérica.

Apesar de a maioria discordar do enquadramento cultural, mediante uma caracterização exótica, esdrúxula, uma indígena Sateré-Mawé pronunciou-se a favor do uso da caracterização, considerando que a mesma fazia parte da essência da exposição. Além disso, observou aos partícipes que a referida exigência constava no Regimento da Exposição Pú Kaa, criado pelos próprios indígenas. O gerente da exposição informou ainda sobre a confecção de camiseta patrocinada por funcionários da SEMDEL para ser usada no decorrer da Pú Kaa.

Essas práticas evidenciam o interesse do executivo municipal em transformar a Exposição Pú Kaa em mais um evento do calendário turístico de Manaus, embora sem receber o estímulo financeiro. Observa-se com isso o distanciamento entre a proposta inicial da Pú Kaa e o novo caráter que lhe foi empreendido, isto é, seu direcionamento aos interesses político-ideológicos, partidários, como meio estratégico de promoção do grupo representante do poder político municipal e estadual, especialmente no decorrer de momentos eleitorais.