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4 EDUCAÇÃO ESCOLAR E SAÚDE INDÍGENA NO AMAZONAS E NO PARÁ

4.1 EDUCAÇÃO ESCOLAR E SAÚDE INDÍGENA NO AMAZONAS

4.1.2 Saúde indígena no Amazonas

O Decreto nº 3.156/1999 e a Lei 9.836/1999 representam o ordenamento legal sob o qual se assentou nos últimos doze anos o modelo de atendimento à saúde indígena no estado do Amazonas. A FUNASA, baseada nesse modelo, estruturou o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) com o objetivo de oferecer condições básicas de assistência à saúde dos povos indígenas. Para atingir esse objetivo, o referido subsistema, vinculado à Coordenação Regional da FUNASA, foi organizado em sete Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI): Manaus, Alto Rio Negro, Alto Rio Solimões, Médio Purus, Médio Rio Solimões e Afluentes, Vale do Rio Javari e Parintins, este último abrangendo também uma área do estado do Pará.

Em relação ao DSEI Manaus, era constituído de polos-base56, postos de saúde indígena e a Casa de Saúde do Índio (CASAI), que segundo avaliação do Ministério Público Federal, sediado em Manaus, apresentava condições de funcionamento insatisfatórias, com vários problemas na estrutura física do prédio onde funcionava.

Durante a pesquisa de campo constataram-se deficiências em relação à saúde odontológica da população indígena pesquisada. Apesar de haver um consultório dentário equipado, não havia atendimento, visto o desprovimento de profissional especializado para esse fim. Essa situação decorria do cancelamento de repasse de recursos da FUNASA do Amazonas à conveniada Associação Saúde Sem Fronteiras, ONG responsável por ações direcionadas à saúde dos indígenas na CASAI de Manaus e em algumas aldeias do estado do Amazonas57. Em decorrência, a conveniada deixou de executar as ações previstas no convênio, entre as quais os pagamentos aos funcionários da CASAI de Manaus, bem como aos que atuavam nos polos-base, ocasionando impactos negativos na atenção à saúde indígena.

A FUNASA do Estado do Amazonas coordenava os programas direcionados à população indígena, segundo os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), cuja finalidade consistia em atender as especificidades sociais, étnicas, culturais e geográficas dessa população. Para assegurar o desenvolvimento desses programas, a FUNASA apontava algumas ações, tais como: garantir a atenção à saúde dos povos indígenas nos DSEI;

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Na pesquisa de campo realizada em Manaus, constatou-se que esses polos não estavam localizados na capital do Amazonas, mas estavam subordinados ao DSEI Manaus, conforme o estabelecido pela estrutura organizacional e administrativa da FUNASA.

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As razões para esse cancelamento desde 2007, segundo noticiário da época, estavam ligadas a problemas de fiscalizações sobre as ONGs conveniadas que eram terceirizadas para atendimento à saúde indígena.

implantar melhorias nos sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário em área indígena; e construir, ampliar, reformar ou adaptar os estabelecimentos assistenciais de saúde indígena e as CASAI58.

A atenção à saúde indígena nas aldeias era desenvolvida por Equipes Multiprofissionais de Saúde Indígena (EMSI), compostas por médicos, enfermeiras, agentes indígenas de saúde, agentes indígenas de saneamento, entre outros. Mediante informações coletadas na pesquisa de campo, verificaram-se descompassos entre o estabelecido pela estrutura formal e a realidade nas aldeias, haja vista as constantes ausências de profissionais responsáveis. A explicação para isso, conforme um dos entrevistados foi atribuído à rejeição dos baixos salários oferecidos aos profissionais da saúde.

O Relatório de Auditoria do Tribunal de Contas da União59, datado de 2007, referente aos exercícios de 2000 a 2006, apontou irregularidades quanto ao modelo adotado pela FUNASA de descentralização de recursos para a saúde indígena, o que permitiu, segundo o Relatório, desvios de recursos. A partir da leitura do referido Relatório, observou-se que o problema estava relacionado ao modelo de terceirização que passou a ser adotado pela FUNASA durante o período investigado e que não se restringia ao Estado do Amazonas, haja vista que em outros Estados da federação houve registros dessa ordem. Segundo o referido relatório, um terço das despesas da FUNASA, por intermédio de convênios, foi destinado à terceirização de recursos.

Os dados indicados pelo relatório supracitado apontam que no período de 2000 a 2006 a FUNASA repassou cerca de R$ 7 bilhões a entidades conveniadas para desempenharem atividades de saneamento e saúde indígena. A análise do relatório permite inferir que nesse período de sete anos foram iniciados 16.253 convênios com um número maior de recursos aplicados em 2001, ano que antecedeu a eleição presidencial de 2002, o qual a FUNASA celebrou a maior quantidade de convênios do período supracitado.

A FUNASA, ao celebrar os convênios para a prestação de assistência à saúde dos indígenas, ação governamental de caráter contínuo, ia de encontro ao disposto no art. 1º da IN/STN nº1/1997, o qual estabelecia que a celebração de convênios se restringisse à realização de atividades com prazo determinado. Entretanto, detectaram-se renovações sucessivas desses convênios com as mesmas entidades, para a execução de iguais atividades, fatos estes que reforçam o entendimento de que o objeto desses instrumentos referia-se a

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Informações extraídas do site www.funasa.gov.br/internet/conv_saudeInd.asp. Acesso em: jun. 2008. 59

Conforme dados apresentados no Relatório de Auditoria de Natureza Operacional, nos exercícios de 2000 a 2006.

atividades de caráter contínuo, o que exigiria processos licitatórios os quais não ocorreram. A Tabela 7 demonstra alguns desses convênios celebrados em 2004:

Tabela 7 – Relação dos convênios analisados nos relatórios de auditoria

Fonte: Relatórios de Auditoria do TCU (2007)

Segundo o Relatório do TCU as notas técnicas da auditoria interna da FUNASA registraram ausência de articulação entre alguns DSEI com as entidades convenentes. Apontavam também fragilidades quanto à fiscalização sobre as ONG e classificaram como insatisfatória a gestão administrativa e operacional das atividades desenvolvidas por esses distritos. Somam-se aos problemas relatados as deficiências observadas nos recursos humanos da FUNASA para melhorar o controle e o acompanhamento dos convênios.

Os problemas detectados no Relatório do TCU apontavam riscos para a qualidade dos serviços prestados e o alcance das metas estabelecidas no termo pactuado, como a baixa capacidade de coibir e combater casos de fraude e corrupção. Segundo o Relatório do TCU, a despeito do orçamento significativo e do alto custo administrativo da FUNASA, o alcance das metas dos indicadores propostos pelo órgão tornava-se insatisfatório. Em 2005, por exemplo, os indicadores de desempenho utilizados pela Fundação para medir os resultados alcançados por suas ações finalísticas indicavam que os resultados estavam abaixo das metas previstas.

Os convênios celebrados com as ONG aumentaram consideravelmente o custo administrativo da FUNASA em 58% dos gastos com a saúde indígena, conforme indicou o Relatório do TCU, haja vista que entre 2000 e 2006 foram repassados mais de R$ 7,2 bilhões por meio desses convênios. Essa prática revelava mecanismos de potencializações de desperdícios de recursos públicos em situações de indícios de irregularidades. Os sobrestamentos verificados nos relatórios de auditoria da FUNASA referiam-se a despesas

Instituição Nº do convênio

União das Nações Indígenas de Tefé (UNITEFÉ)

1.327/2004

Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN)

1.336/2004

Conselho Geral da Tribo Tikuna (CGTT) 1.423/2004 Associação dos Moradores Indígenas de

Atalaia do Norte (AMIA-TAN)

1.427/2004

Serviço e Cooperação com o Povo Yanomami (SECOYA)

7/2005

Associação do Grupo Indígena Tembé do Alto Rio Guamá (AGIRTAGMA)

sem o devido processo licitatório, anteriores à vigência do convênio e pagamento de multas e juros, em afronta aos artigos 8º (incisos V e VI) e 27 da IN/STN nº 01/1997, conforme destaca a Tabela 8.

Tabela 8 – Razões e valores sobrestados no convênio n° 1336/04

Motivo Dispositivo da IN/STN nº

01/97 descumprido Valor (R$)

Despesas sem licitação Artigo 27 2.542.410,44

Despesas anteriores à vigência do convênio

Artigo 8º/inciso V 478.950,06

Pagamento de taxas/juros Bancários

Artigo 8º/inciso VI 78.114,48

Total 3.099.474,98

Fonte: Coordenação Geral de Auditoria Interna da Funasa (CGAUD)

Conforme o Relatório do TCU, a FUNASA possuía o segundo maior orçamento da Função Saúde com cerca de R$ 4 bilhões orçados em 2006. O orçamento da FUNASA era menor apenas que o Fundo Nacional de Saúde (FNS), considerando-se que o referido Fundo era responsável por todas as ações do SUS de competência da União e pelo repasse para estados e municípios. Apesar disso, a FUNASA não tinha alcançado resultados satisfatórios na execução das ações que estavam sob sua responsabilidade, em especial, na área da saúde indígena.

Na estrutura organizacional da FUNASA, os DSEI chamavam a atenção pelo modo como se encontravam organizados na instituição. Em seu organograma, os DSEI estão ligados às Coordenações Regionais (CORE), porém o regimento interno atribuía ao Departamento de Saúde Indígena (DESAI) a responsabilidade de planejar, coordenar e supervisionar as ações e serviços desenvolvidos pelos DSEI.

Em reação às irregularidades existentes na FUNASA/AM, cita-se o caso do processo TC nº 004.578/2004-1 que trata de representação solicitada pelo Procurador da República do Amazonas sobre tomada de contas especial referente à possível contratação irregular de médico para trabalhar no Programa de Saúde da Família Indígena do Alto Solimões. O contrato foi realizado por meio do Convênio nº 95/2002, celebrado com o Conselho Geral da Tribo Tikuna – Amazonas, pelo qual foram transferidos mais de R$ 12 milhões. Além disso,

foram detectadas falhas na atuação da FUNASA no que concerne à análise e à supervisão do convênio60.

A Fundação Oswaldo Cruz do Amazonas (FIOCRUZ/AM) foi outra instituição pesquisada que também atendia a saúde da população indígena no estado. Essa fundação desenvolveu durante o período de 1988 a 2008 os seguintes projetos61: Análise de Situações de Saúde, Doenças e Condições de Vida de Populações Indígenas; Ambiente, Saúde e Cidadania das Mulheres do Alto Rio Negro; Consumo Abusivo de Álcool por Populações Indígenas do Alto Rio Negro; Estudo de Alternativas para Implantação de Melhorias Sanitárias e de Hábitos no Distrito de Iauaretê – SGC - AM; Tuberculose e Hanseníase em Áreas Indígenas: pesquisa avaliativa de ações programáticas; Transição Nutricional do Povo Suruí, Terra Indígena Sete de Setembro – Rondônia; Tuberculose em Populações Indígenas da Amazônia: uma abordagem transdisciplinar entre os povos Suruí de Rondônia; Saúde Ambiental no Distrito de Iauaretê do Município de São Gabriel da Cachoeira (AM); Estudo de Perfil Nutricional das Populações Indígenas do Leste de Roraima; População Indígena de Manaus: condição de vida e de saúde; Atenção Primária e Equipe Multiprofissional de saúde indígena: uma abordagem antropológica; Política de Saúde Indígena: processo de gestão, práticas sanitárias e atenção programática; Alimentação, Nutrição, Saúde e Condições de Vida do Grupo Indígena Baniwa; Análise Situacional da Saúde Sexual do Alto Solimões; Implementação de um sistema de monitoramento nutricional para menores de cinco anos no DSEI Leste – RR; Curso de Atualização para Capacitação de Conselheiros Indígenas; Curso de Especialização em Saúde Indígena; Curso Técnico de Agentes Comunitários Indígenas em São Gabriel da Cachoeira(AM).

Esses projetos abrangiam ampla área que comportava o Amazonas e outros estados da região Norte. Quanto às etnias contempladas havia uma grande variedade, atingindo inclusive povos multiétnicos de diversas áreas indígenas do Amazonas, como os Tukano, Tariano e Dessano do Alto Rio Negro (AM). Esses povos eram atendidos pelo projeto ―Ambiente, Saúde e Cidadania das Mulheres do Alto Rio Negro‖, que beneficiou diretamente 158 mulheres. Em relação às etnias atendidas pelos citados projetos foram as seguintes: Tukano, Tariano, Dessano, Mura, Kanamari, Kulina, Baniwa, Yanomami, Suruí, Macuxi e Tikuna. Quanto ao número total de pessoas beneficiadas havia 7.995 entre índios e não índios.

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A leitura do Relatório do TCU foi imprescindível para essa pesquisa, especialmente no que se refere ao parecer técnico do DSEI, para a análise dos dados financeiros do convênio, a despeito da resistência por parte do DSEI/CORE/AM em fornecer essas informações.

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Os dados que seguem foram obtidos por meio de pesquisa de campo, mediante a aplicação de formulário em Manaus (AM), 2009.

Em relação às metas alcançadas no período de 1988 a 2008, a FIOCRUZ/AM apresentou as seguintes: 26 publicações em revista indexada; 02 publicações em revista não indexada; 05 publicações em capítulo de livro; 33 apresentações em eventos científicos; 05 projetos de ação comunitária desenvolvidos; 01 curso técnico de agentes comunitários indígenas em São Gabriel da Cachoeira (AM); 05 Cursos de Atualização para Capacitação de Conselheiros Indígenas; 01 Curso de Especialização em Saúde Indígena; 275 alunos matriculados no Curso Técnico de Agentes Comunitários Indígenas em São Gabriel da Cachoeira/AM; 420 alunos (conselheiros) egressos do Curso de Atualização para Capacitação de Conselheiros Indígenas; 45 alunos (conselheiros) egressos do Curso de Especialização em Saúde Indígena e 05 (cinco) dissertações, concluídas na temática da saúde indígena.

Essas ações proporcionaram alguns resultados, refletidos na melhoria da informação e no monitoramento das condições de saúde das populações envolvidas; ampliação da força de trabalho em saúde indígena qualificada; incremento da participação social indígena nas instâncias de gestão das políticas públicas e valorização de iniciativas comunitárias para o aprimoramento da gestão da política de saúde indígena.

Um estudo desenvolvido por Garnelo (2009) sobre o processo de construção das políticas públicas voltadas à saúde indígena demonstra que o avanço dessas políticas depende do grau de participação da população indígena nas instâncias representativas desse setor. Para esta autora, a participação indígena, mediante a atuação das lideranças desses povos, estabelece-se por meio dos conselhos de saúde nos planejamentos institucionais e nas reuniões comunitárias. Além desses canais de representação a realização de eventos relacionados às questões da saúde indígena constitui-se como fórum de debates e de mobilização das associações que representam a população indígena, tais como encontros, conferências, exposições e seminários temáticos.

Ainda em relação a esse estudo, Garnelo (2009) chama a atenção para a carência nutricional das crianças indígenas no estado do Amazonas. Segundo essa autora, o índice de crescimento demográfico dos indígenas alcança a taxa de 5% a exemplo do que ocorria na TI Andirá, em comparação à realidade nacional cujo índice demográfico atinge aproximadamente 2%. Esse fato decorria de vários fatores, tais como: território limitado em relação às condições de sustentabilidade na pesca, na agricultura, enfim, nos recursos naturais. Assim, a área limitada e o crescimento humano elevado levaram a desnutrição, fome e migração.

A questão da desnutrição infantil aliada ao modelo de terceirização patrocinado pela FUNASA, abordado nesta seção, permite inferir a existência de graves dificuldades quanto ao

atendimento da saúde indígena no estado do Amazonas por parte do poder público. No intuito de minorar esse quadro, o movimento indígena, a partir de 2007, passou a reivindicar a criação de outro órgão governamental para tratar da saúde indígena em substituição à FUNASA.

A mobilização das organizações indígenas resultou na edição do Decreto presidencial nº 7.335/2010 que retirou da FUNASA a responsabilidade sobre os cuidados da saúde indígena62. Outro decreto, o de nº 7.336/2010, criou a Secretaria Especial de Saúde Indígena do Governo Federal à qual foi atribuída a responsabilidade específica de atendimento à saúde indígena.

4.2 EDUCAÇÃO ESCOLAR E SAÚDE INDÍGENA NO PARÁ