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2 ESTADO, DESENVOLVIMENTO, MIGRAÇÕES, POLÍTICAS PÚBLICAS E INDIGENISTAS

2.2 ESTADO BRASILEIRO, DESENVOLVIMENTO E A QUESTÃO INDÍGENA

O Estado brasileiro, historicamente, foi responsável pelas intervenções que culminaram em mudanças no modo de vida das populações indígenas. Estas eram submetidas a determinados contextos sócio-político-religiosos, para atender interesses do poder instituído de forma autoritária, a semelhança do que ocorreu e ocorre com a população indígena brasileira.

Na história do Brasil Colônia, a catequese, aliada à política de integração forçada, desencadeou a reação indígena, o que levou Portugal a reconhecer juridicamente, em alguns períodos, os direitos de soberania indígena, como está implícito na Carta Régia de 9 de março de 1718. Além disso, como se verifica em Coelho (2001, p. 22), nesse momento histórico, ―[...] os principais atores do campo das relações entre povos indígenas e governo colonial foram as missões religiosas e os colonos‖. Em relação às missões, cabia o contato direto com os povos indígenas, por meio da execução de trabalhos voltados à catequese e civilização.

Como assinala Todorov (1993), na relação do colonizador com os índios se constrói a alteridade, o ―nós‖ europeu frente ao ―outro‖6

, o indígena. Segundo Todorov (1993), a constatação da diferença existente entre os dois contingentes humanos é para o europeu sinônimo de superioridade, que se traduz pela língua7 falada, pela religião praticada, pelos seus costumes etc.

Esse autor afirma que o ―outro‖ não é percebido, e os valores do colonizador são impostos, tendo transformado o ―outro‖ em estrangeiro em seu próprio território. O estrangeiro é imaginado como inferior, porque é visto como diferente do ―nós‖, um ser diferente do humano, e, mesmo sendo homem é considerado um bárbaro inferior. Nesse contexto, os índios na condição de inferiores, estariam a meio caminho entre os homens e os animais, conforme registra Daniel (2004) ―[...] muito numerosos os naturais do Amazonas, contudo em pouco se diferençam dos bichos e feras do mato‖ (DANIEL, 2004, p. 268).

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A discussão empreendida neste trabalho sobre ―alteridade, o nós e o outro‖ fundamenta-se na análise de Todorov (1993).

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Assim, com base nessa premissa é efetivada a dominação, visto que em termos evolutivos, tais seres estariam no estágio inferior da humanidade, justificando-se o processo de colonização e catequização para os conduzirem a um estágio superior da humanidade.

Percebe-se a imputação aos indígenas à condição de objeto, negando-se o direito de à condição de sujeito. Desse modo, considerados como objeto, sem alma, sem língua e sem religião, é-lhes imputada a condição da escravidão. Assim, foi construído o arcabouço ideológico da superioridade e da negação do ―outro‖, justificando-se a morte de grande parte da população indígena, considerada por Todorov (1993) como o maior genocídio da história da humanidade. Segundo este autor cerca de 70 milhões de índios morreu nesse período devido a diversos fatores, tais como: condições de trabalho, escravidão, precárias condições de vida, epidemias, entre outras.

Em realidade, as relações de dominação sempre estiveram presentes, seja sob o sistema de escravidão, seja sob o de tutela. Ao colonizador importava, tão somente, a dominação como meio de obtenção de lucro, a despeito do interesse, vontade, condições de vida e de trabalho do ―outro‖. Essa barbárie do colonizador é, conforme Todorov (1993), parte da práxis humana e se constitui como anúncio da modernidade.

Para Daniel (2004), esse momento histórico se constitui em uma nova instância histórica da humanidade, na qual o colonizador empreendeu, mediante sua barbárie, o maior genocídio da humanidade com a extinção de um elevado número de povos8, com suas línguas e culturas próprias e singulares deram origem a macroetnias maiores e mais abrangentes. A busca de riquezas no além-mar, vivida Portugal e Espanha à época do mercantilismo, era omitida no discurso, pois, a razão apresentada para justificar a barbárie colonizadora, considerada ―nobre‖ e civilizatória era baseada na expansão da cristandade católica dos povos colonizados. Assim, a cobiça pela riqueza material é dissimulada pela necessidade de uma pretensa missão salvadora e ao mesmo tempo colonizadora, por meio da religião, da língua e dos costumes.

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Segundo João Daniel (2004, p. 351), ―[...] na verdade [...] se esgotaria a aritmética em querer contar tão inumerável multidão; baste saber que sendo o rio Amazonas extenso por 1.800 léguas, todas as suas margens estavam povoadas de inumeráveis índios por uma e outra banda; e da mesma sorte os rios colaterais, ribeiras e lagos, em que os índios eram tantos, como enxames de mosquitos; as povoações eram sem número; e a diversidade de nações e linguagem era sem conto. [...] só no rio Urubu que a respeito dos mais colaterais se pode chamar um regalo, queimou uma tropa de uma assentada 700 populosas aldeias. Do rio Negro tirou a tropa dos resgates perto de três milhões de escravos, fora outros muitos que muitos brancos tiraram às escondidas, outros que mataram, e muitos outros que se desceram para as missões, que sempre hão de passar para cima de 3 milhões: e sendo tantos os rios colaterais, e tão extensos, de 400 léguas uns, e outros mais, bem se pode formar alguma tal e qual ideia de sua inumerável multidão, divididos em povoações e distintas nações pelo seu diverso idioma‖. Assim, se observa pelas informações fornecidas por esse missionário, que na Amazônia se registrou um numero elevado de destruição de povos indígenas, no período colonial.

É nesse contexto que a colonização do Brasil ocorre e em especial a da Amazônia. Os indígenas, os primeiros habitantes dessa Terra-Brasil são vilipendiados em suas condições de vida. Ao mesmo tempo em que são escravizados, são submetidos à catequese como meio de exploração, de modo a reproduzir os mandos do colonizador. Daniel (2004, p. 342), assim se pronuncia: ―[...] Os índios recebiam nas missões religiosas o aprendizado para o exercício de ferreiros, serralheiros, tecelões, sangradores, carpinteiros, e outros [...]‖. Ou seja, ensinamentos de atividades que atendiam aos interesses dos segmentos dominantes da época, introduzindo com isso mudanças nas suas relações de trabalho, bem como inaugurando atividades novas à aprendizagem dos indígenas.

Na transição para o período imperial no Brasil, os povos indígenas foram submetidos a novos processos do poder, que tiveram as mesmas finalidades do período anterior, isto é, de assimilação. Moreira Neto (2005) relata que no Império, do reinado de D. João VI até o início do governo de D. Pedro II, incluindo-se o regencial, houve forte repressão aos indígenas. Conforme assinala o autor, foram registradas nesse período na Amazônia diversas campanhas militares contra grupos indígenas considerados ―incivilizáveis‖.

Moreira Neto (2005), ao analisar a situação do Brasil na primeira metade do século XIX, entende que o país continuou vinculado à mesma estrutura socioeconômica, aos mesmos mecanismos de poder e à mesma visão geral de mundo que o caracterizavam antes da separação de Portugal. Não são percebidas mudanças na estrutura agrária e nos modos tradicionais de relacionamentos entre a classe dominante e a população, constituída fundamentalmente de negros, indígenas e mestiços.

Assim, pode-se afirmar que houve nesse período uma continuidade dos antigos embates, envolvendo brancos e indígenas, embora a preocupação central tenha passado da mão-de-obra para as terras habitadas pelos indígenas. Entretanto, os índios permanecem como seres que apesar de assemelharem-se ao dominador, mantém-se na condição de ―outro‖, como um ser estranho a ―nós‖, como um ―estrangeiro‖.

Todorov (1993), na obra ―A conquista da América: a questão do outro‖ (1993), explicita que mesmo quando a população nativa era considerada como tendo uma cultura superior, buscava-se o pretexto religioso para justificar a violência e dominação sobre a referida população. Nesse contexto, este autor concebe ―os outros‖ como uma abstração, ou

[...] como uma instância da configuração psíquica de todo indivíduo, como o Outro, outro ou outrem em relação a mim. Ou então como um grupo social concreto ao qual nós não pertencemos. Este grupo, por sua vez, pode estar contido numa sociedade: as mulheres para os homens, os ricos para os pobres, os loucos para os ―normais‖, [os índios para os dominadores]. Ou

pode ser exterior a ela, uma outra sociedade que, dependendo do caso, será próxima ou longínqua: seres que em tudo se aproximam de nós, no plano cultural, moral e histórico, ou desconhecidos, estrangeiros cuja língua e costumes não compreendo, tão estrangeiros que chego a hesitar em reconhecer que pertencemos a uma mesma espécie (TODOROV, 1993, p. 3).

Depreende-se disso que o indígena, embora estando em seu lugar de origem, sua humanidade foi negada, considerado como ―estrangeiro‖ dentro de seu próprio território.

O Estado brasileiro cria em 1910 o primeiro órgão indigenista do país, o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN), o qual tinha como objetivo atender a população indígena e os outros segmentos subalternos, como negros, mestiços e lavradores sem terra, sob a direção de Cândido Mariano da Silva Rondon9. Posteriormente, em 1918, conforme assinala Lima (1992), este órgão foi transformado no Serviço de Proteção aos Índios (SPI), que foi criado com a finalidade ―civilizar‖ os indígenas, transformando-os em trabalhadores nacionais. Com a promulgação da Lei Orçamentária, Lei n. 3.454, de 06 de janeiro de 1918, o SPI perdeu a verba e a responsabilidade pelas tarefas de localização de trabalhadores nacionais, transferidos ao Serviço de Povoamento.

Apesar da mudança supracitada, transformação do SPILTN em SPI, os indígenas, transitoriamente transformados em trabalhadores nacionais, segundo a ótica do Estado, objetivou-se, mediante ideologia hegemônica, transformá-los em pequenos produtores rurais capazes de se auto-sustentarem, à semelhança daquilo que se pleiteou ideologicamente para eles no decorrer de toda a existência da proteção oficial.

Segundo Leite e Lima (1985); Lima (1989), a ideia de transitoriedade do indígena estava profundamente arraigada na prática do SPI. Assim, mesmo com a criação de um órgão indigenista oficial o paradigma assimilacionista continuou a existir com a busca da integração dos indígenas à sociedade nacional.

No período do governo militar (1964-1985), especialmente à época do ―milagre econômico‖, quando foram implantados planos para a Amazônia, como ―Operação Amazônia‖ (1966) e depois o Plano de Integração Nacional (PIN) de 1970, a população indígena foi considerada como obstáculo ao desenvolvimento econômico da Região (DAVIS, 1978).

As relações entre o Estado brasileiro e a Região Amazônica foram marcadas por relações de alteridades (PONTE, 2003). Percebeu-se a Região como ―o outro‖, o inferior, o bárbaro, lembrando a relação entre as sociedades coloniais (mundo novo) e os países europeus

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Um militar positivista e evolucionista que ganhou projeção na instalação de redes telegráficas no interior do país, com uma proposta de não agressão às comunidades indígenas contatadas, isto é, fazer com que os indígenas fossem integrados gradativamente à sociedade brasileira (STAUFFER, 1955).

(mundo velho), sendo tomada a população nativa como o ―outro‖ e o europeu como ―nós‖ (PONTE, 2003).

O projeto desenvolvimentista empreendido com a ―Operação Amazônia‖ de 1966 vinculou a região ao projeto capitalista nacional e internacional. O conceito de ―vazio demográfico‖, utilizado pelo Estado, constitui uma forma de exclusão dos grupos subalternos ao mencionado projeto (PONTE, 2003; ASSIS, 2006). Assim, essa ação culminou com o processo de exclusão de algumas populações, dentre elas as indígenas.

Durante os governos militares a questão indígena passou a ser tratada como de segurança nacional, visto que aumentou o controle do Conselho de Segurança Nacional sobre as áreas indígenas. É o Ministério de Assuntos Fundiários (MEAF) que passa a responsabilizar-se pela demarcação das terras dos indígenas. Com isso, esse processo se tornou mais lento e consequentemente permitiu as mais diversas pressões regionais.

Na opinião de Vidal (1991), desde 1970, o cerco sobre as sociedades indígenas começa a se fechar. O discurso oficial corrente estava imbuído da visão de que os indígenas eram possuidores de muita terra para poucos habitantes e era usado para legitimar as práticas autoritárias do governo brasileiro. Essas práticas foram denunciadas por Pinto (1982) e se manifestaram com a implantação dos grandes projetos na Amazônia, como a Hidrelétrica de Tucuruí, estradas e a Ferrovia de Carajás, em total desrespeito aos habitantes da Amazônia, em particular os povos indígenas.

Nesse contexto, as populações subalternas de um modo geral (negros, indígenas, pescadores, agricultores) estão ausentes nos diversos discursos oficiais e nos projetos de desenvolvimento para a Amazônia. As reivindicações indígenas são atendidas quando não estão em discussão os interesses dos grupos hegemônicos.

No final da década de 1970 e no início dos anos 1980, há no Brasil um processo de reorganização da sociedade civil brasileira, com a participação de diversos setores sociais, que expressam publicamente sua indignação e passam a exigir cidadania em todas as dimensões (ROUQUIÉ; LAMOUNIER; SCHVAZER, 1985). Com a chegada dos anos 1980, iniciava-se a abertura política brasileira, momento em que se faziam sentir os efeitos do primeiro ―choque do petróleo‖ e sua continuação até a primeira metade dessa mesma década, advindo daí o agravamento sem precedentes da crise econômica, com a elevação das taxas de inflação, que no período eram superiores a 200% anuais10.

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Fernandes (1989), ao analisar esse período, afirmava que a sociedade brasileira estava passando por uma transformação gradativa, principalmente no nível político, com reorganização partidária, anistia de presos políticos e retorno dos exilados. É observado que, após anos de autoritarismo, a população brasileira é convocada

Quanto à população indígena, notou-se nos 1970 um processo de reafirmação de sua identidade, mediante a mobilização dos movimentos indígenas com o Estado, ainda na ditadura militar. Vale salientar que a relação entre indígenas e o Estado, historicamente, mantinha-se tensa, embora, nesta década o embate com o Estado tenha sido o momento fundante para o processo de organização indígena11

. Essa consciência política e a tentativa de adaptar-se à sociedade levaram à mobilização indígena, frequentemente com apoio de instituições indigenistas não oficiais, fazendo com que o Congresso Nacional Constituinte, no final dos anos de 1980, atendesse várias de suas reivindicações.

O Projeto da Nova República do Governo Sarney (1985-1990), ao analisar a ―Operação Amazônia‖ (1966-1970) considerou o projeto inadequado no que concerne à vocação regional, visto que foi implantado por tecnocratas que desconsideraram as condições econômicas, políticas e sociais da Amazônia, fato este que agravou os problemas sociais existentes nesta. Na Nova República, Antonio Brant (2002) comenta que talvez tenha sido a primeira vez que o governo quis discutir pautas relativas à política indigenista, contudo, nesse momento inicial, houve participação insignificante dos indígenas.

Apesar da abertura política no país e da atuação das organizações indígenas, constata- se a manutenção da defesa do Estado aos interesses da burguesia agroindustrial, mediante implantação de projetos de desenvolvimento que são contrários aos interesses das populações indígenas. Como exemplo disso, aponta-se a prevalência dos interesses de grandes grupos econômicos ligados às mineradoras em detrimento dos interesses indígenas Yanomami, quando da demarcação do seu território (DAVIS, 1978). Nesse contexto de disputas, muitos indígenas optaram pela migração para as cidades e ao migrarem perderam grande parte da assistência que recebiam das instituições públicas (FUNAI, FUNASA, entre outras) enquanto índios aldeados.

A pressão dos grupos dominantes provoca a redução de recursos para o etnodesenvolvimento e o encaminhamento de propostas que fomentariam as atividades produtivas às populações indígenas. Lima, Iglesias e Barroso-Hoffmann (2003, p. 5) argumentam que

[...] a FUNAI é uma instância muito pouco eficaz para a discussão, canalização e mediação das demandas e propostas dos grupos, lideranças e

às urnas para votar em governadores, vereadores e deputados. Vale ressaltar que a situação socioeconômica do país continuava crítica, o ―milagre econômico‖ em crise, mas algumas práticas políticas repressivas ainda vigorando.

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A troca de experiências com indígenas de outros países como Argentina, Chile, Colômbia e Bolívia tem fortalecido o movimento político dos indígenas do Brasil.

associações indígenas. Isto fica ainda mais aguçado se levado em conta que, pela via dos cargos, à falta de outros recursos ao etnodesenvolvimento e fomento de atividades produtivas, os povos indígenas acabam recebendo recursos que deveriam ser disponibilizados em bases transparentes e controladas.

Desse modo, a mesma observação quanto à distribuição de recursos e às relações de poder impostas aos indígenas é ressaltada por esses autores ao comentarem sobre a relação entre indivíduos integrantes da administração indigenista e os indígenas. Assim se expressam:

A articulação diádicas entre um indivíduo integrante da administração indigenista, com inserção local/regional e funções homólogas as de um patrão (mas portador de uma auto-representação próxima à do missionário tradicional), e certas redes ou facções de povos indígenas específicos, operando sob a lógica da troca personalizada, intercambiando apoio político e recursos sob a forma de cargos, bens, ou moeda, os quais deveriam ser usados para o desenvolvimento dos indígenas. Este tipo de padrão, às vezes temperado por um certo populismo amedrontado, dá suporte ao jogo faccional que, articulando funcionários e não-funcionários da Funai, sejam eles índios ou não, coloca em disputa o controle da presidência do aparelho, num mundo paralelo que tem sido estimulado pela falta de direção política dos escalões superiores do governo (LIMA; IGLESIAS; BARROSO- HOFFMANN, 2003, p. 5).

Percebem-se, nessa passagem, dois movimentos imputados ideologicamente aos grupos indigenistas e indígenas. O primeiro refere-se à distribuição desvantajosa de recursos entre os povos indígenas o que conduz a uma situação de permanente vulnerabilidade quando comparado aos disponíveis a outros grupos. Além disso, esses indígenas ao disputarem entre si os escassos recursos, esquecem-se dos seus interesses coletivos, da população indígena em sua totalidade. O outro movimento refere-se à disputa do poder paralelo, delegada pelo poder hegemônico (o Estado) aos representantes indigenistas e indígenas. Nessa direção, os representantes da população indígena passam a disputar entre si o poder e os precários recursos disponíveis, esquecendo-se, alienando-se, das finalidades últimas da população indígena. Vale ressaltar que tanto um quanto o outro movimento, justificados pela existência de um Estado mínimo, neoliberal, reproduzem os interesses e ideologias deste, isto é, acatam e aceitam as deliberações do Estado e os minguados recursos.

Embora em 2000 o Ministério da Saúde (MS) tenha dispensado mais recursos às populações indígenas a maneira como os mesmos vêm sendo administrados por meio da terceirização sua administração, por conta de processos relacionados à terceirização, descentralização, assim como a alocação segue a lógica do desperdício e da precarização do uso, ou da inadequação do uso. O mau aproveitamento dos recursos, associado à precarização da administração da comunidade indígena, acrescida dos mecanismos

ideologizantes/alienantes, considerados como ―falta de visibilidade e de conhecimento‖ para aplicação dos referidos recursos, são justificativas para a não concretização dos projetos e seus resultados parciais ou inexistes. Entretanto, a falta de visibilidade e esclarecimento sobre os mecanismos de aplicação dos mencionados recursos tem sido contestada pelas populações indígenas.

Os convênios com os municípios são criticados por não permitirem o controle social sobre a utilização dos recursos e por induzirem as relações clientelistas, que

[...] limitam as possibilidades de ação das organizações indígenas por introduzir e por induzir, numa tendência mais geral da administração pública, às formas de relação clientelistas típicas do mundo rural brasileiro. Em decorrência disto, tem sido frequente a demanda de representantes indígenas pela suspensão imediata dos acordos com as prefeituras, em favor da execução direta das ações pela própria FUNASA (LIMA; IGLESIAS; BARROSO-HOFFMANN, 2003, p. 6).

Assim, observam-se muitas barreiras à execução de ações públicas destinadas à população indígena do Brasil, que por sua vez, pressionam por mudanças, diante da ineficiência do Estado.