2.5 Ações de grupos e espaços quocientes
2.5.2 Ações contínuas
No contexto topológico deve-se considerar ações contínuas no seguinte sen- tido.
De…nição 2.19 Seja G um grupo topológico e X um espaço topológico. Uma ação de G em X é contínua se a aplicação : G X ! X, (g; x) = gx, é contínua.
Se H G é um subgrupo, a restrição a H da ação de G em X é uma ação de H. Tomando em H a topologia induzida, a restrição de uma ação contínua é contínua.
36 CAPÍTULO 2. GRUPOS TOPOLÓGICOS No caso de uma ação contínua, os objetos introduzidos anteriormente admitem boas propriedades topológicas.
De fato, se é contínua então as aplicações parciais x : G ! X, x 2
X, e g : X ! X, g 2 G, são também contínuas. Além do mais, como a (g) = g e a (g) 1 = a (g 1) segue que para cada g 2 G, a (g) : X ! X é homeomor…smo de X.
A proposição a seguir aborda os grupos de isotropia das ações contínuas. Proposição 2.20 Suponha que a ação de G em X seja contínua e que X seja espaço de Hausdor¤. Então, qualquer subgrupo de isotropia Gx, x 2 X,
é fechado.
Demonstração: Em termos da aplicação , o subgrupo de isotropia é dado por
Gx =fg 2 G : (g; x) = xg = x1fxg:
Como X é Hausdor¤, segue que Gx é fechado. 2
O objetivo agora é olhar a bijeção da proposição 2.17 no caso de ações contínuas. Para isso é necessário introduzir uma topologia em G=H. Essa deve ser a topologia quociente, que é de…nida em geral para relações de equivalência em espaços topológicos da seguinte maneira:
De…nição 2.21 Seja Y um espaço topológico e uma relação de equivalên- cia em Y . Denote por Y = o conjunto das classes de equivalência de e por : Y ! Y= a aplicação sobrejetora canônica, que a cada y 2 Y associa sua classe de equivalência. A topologia quociente em Y = é aquela em que um subconjunto A Y = aberto se, e só se, 1(A) é aberto em
Y. De forma equivalente, F Y = é fechado se, e só se, 1(F ) é fechado em Y .
A topologia quociente é a mais …na (que contém a maior quantidade de abertos possível) que torna a projeção canônica : Y ! Y= uma aplicação contínua. A continuidade, em relação à topologia quociente, de funções de…nidas em Y = é veri…cada através da seguinte propriedade. Proposição 2.22 Sejam Y e Z espaços topológicos em que Y é munido da relação de equivalência . Então, uma aplicação f : Y = ! Z é contínua
2.5. AÇÕES DE GRUPOS E ESPAÇOS QUOCIENTES 37 se, e somente se, f : Y ! Z é contínua:
Y
# & Y = ! Z
Demonstração: Se f é contínua então f é contínua, pois é contínua. Reciprocamente, suponha que f é contínua e seja A Z um aberto. En- tão (f ) 1(A) = 1(f 1(A))é aberto em Y . Pela de…nição da topologia
quociente, segue que f 1(A)é aberto em Y = , concluindo a demonstração.
2
No caso em que G é um grupo e H G um subgrupo, o quociente G=H é o conjunto das classes de equivalência da relação de equivalência em G em que x y se, e só se, xH = yH. Portanto, G=H pode ser munido da topologia quociente por essa relação de equivalência, quando G é um grupo topológico.
No caso particular de um conjunto de classes laterais G=H a aplicação canônica : G ! G=H é uma aplicação aberta. De fato, para um subcon- junto A G vale
1( (A)) = AH:
Se A é aberto então AH =Sh2HAh é aberto em G e daí que (A) é aberto na topologia quociente. Deve-se observar também que, em geral a projeção não é uma aplicação fechada (por exemplo, tome G = R2
, H = f0g R e F G o grá…co f(x; y) 2 R2 : < x <
e y = tgxg. O conjunto (F ) não é fechado).
A topologia quociente tem um bom comportamento em relação ao pro- duto cartesiano de grupos. Sejam G1 e G2 grupos topológicos e H1 G1,
H2 G2 subgrupos. O produto H1 H2 é um subgrupo de G1 G2 e o quo-
ciente (G1 G2) = (H1 H2) se identi…ca com (G1=H1) (G2=H2) através
da bijeção
: (g1; g2) (H1 H2)7 ! (g1H1; g2H2) :
Essa bijeção é um homeomor…smo em relação às topologias quocientes nos es- paços homogêneos. Isso pode ser visto facilmente pela de…nição de topologia quociente e o seguinte diagrama comutativo:
G1 G2
id
! G1 G2
# #
38 CAPÍTULO 2. GRUPOS TOPOLÓGICOS Proposição 2.23 A topologia quociente em G=H é de Hausdor¤ se, e so- mente se, H é fechado.
Demonstração: A aplicação : G! G=H é contínua e H = 1
fxg se x denota a origem de G=H. Portanto, se G=H é Hausdor¤, H é fechado.
Reciprocamente, suponha que H é fechado. A propriedade de Hausdor¤ é equivalente à diagonal
=f(x; x) 2 G=H G=H : x 2 G=Hg
ser um conjunto fechado em relação à topologia produto em G=H G=H, que coincide com a topologia quociente em (G G) = (H H). Deve-se mostrar que 21( )é um conjunto fechado em G G onde 2 : G G! G=H G=H
é a projeção canônica. Mas, 2(g; h) 2 se e só se gH = hH, isto é, se
h 1g 2 H. Em outras palavras,
1
2 ( ) = q
1(H)
onde q é a aplicação contínua q (x; y) = x 1y. Portanto, se H é fechado, 1
2 ( ) é fechado. 2
Proposição 2.24 A ação de G em G=H é contínua em relação à topologia quociente.
Demonstração: A aplicação : G G=H ! G=H que de…ne a ação faz parte do seguinte diagrama comutativo
G G !p G id## # G G=H ! G=H
Seja A G=H um aberto. Então, p 1 1(A)é aberto e daí que (id ) 1(A) é um aberto em G G. Mas, isso signi…ca que 1(A)é aberto em G G=H, pela de…nição da topologia quociente. 2 Voltando agora a uma ação geral G X ! X cada órbita G x está em bijeção com o quociente G=Gx. Por intermédio dessa bijeção pode-se colocar
2.5. AÇÕES DE GRUPOS E ESPAÇOS QUOCIENTES 39 aberto se o conjunto correspondente em G=Gx for um aberto da topologia
quociente.
No entanto, se a ação G X ! X for contínua, então a órbita G x X admite também a topologia induzida de X. A discussão a seguir tem por objetivo comparar essas topologias, analisando a propriedade de homeomor…smo da aplicação x. Para isso é su…ciente considerar o caso de ações transitivas pois se uma ação é contínua G X ! X é contínua então sua restrição à uma órbita G x também é contínua em relação à topologia induzida.
Proposição 2.25 Seja G X ! X uma a ação contínua e transitiva de G em X. Fixe x 2 X e considere a bijeção x : G=Gx ! X dada por x(gGx) = gx. Então, x é contínua em relação à topologia quociente em
G=Gx.
Demonstração: Pela proposição 2.22 basta mostrar que x é contínua. Agora, x (g) = x(gH) = gx, isto é, x = x que é contínua se a ação
é contínua. 2
A situação ideal seria poder identi…car, como espaços topológicos, o es- paço X onde se dá uma ação transitiva com o quociente G=Gx. Em geral
isso não é possível, pois a aplicação x não é homeomor…smo por não ser aplicação aberta. Um exemplo disso é apresentado a seguir.
Exemplo: Se G é um grupo a aplicação g 2 G 7! Eg de…ne uma ação
(à esquerda) de G em si mesmo por translações à esquerda. Essa ação é claramente transitiva em que o subgrupo de isotropia Gg = f1g para todo
g 2 G. Portanto, para cada g 2 G existe um diagrama G ! Gg
# %
g
G=f1g = G
onde g(h) = hg. Em particular, 1(h) = h é a aplicação identidade. Dessa
forma, para exibir um exemplo de uma ação contínua em que x não é uma aplicação aberta basta mostrar a existência de um grupo munido de duas topologias T1 e T2 com T2
6= T1. Nesse caso
40 CAPÍTULO 2. GRUPOS TOPOLÓGICOS é contínua, mas não aberta. Se ambas topologias tornam G um grupo topológico então a ação à esquerda de G em G é contínua.
Um exemplo de um grupo desses é dado pela reta real (R; +). Tome T1
como sendo a topologia usual. Quanto a T2, considere um ‡uxo irracional no
toro T2, isto é, a imagem em R2=Z2 de uma reta r R2, com inclinação irra- cional. Esse conjunto é um subgrupo de T2
isomorfo a R, porém a topologia induzida sobre a imagem é uma topologia T2 em R estritamente contida na
topologia a usual. Em ambas topologias R é um grupo topológico, pois a topologia T2 é a que torna R um subgrupo topológico de T2. 2
A seguir será apresentado um resultado de caráter geral garantindo que
x é uma aplicação aberta, dentro do contexto do teorema das categorias de
Baire. Antes disso é conveniente reduzir o problema a um único ponto. Lema 2.26 Suponha que exista x0 2 X tal que para toda vizinhança aberta
U 2 V (1), o conjunto U x0 = x0(U ) contém x0 em seu interior. Então, x
é uma aplicação aberta para todo x 2 X e, portanto, é um homeomor…smo. Demonstração: Considere em primeiro lugar x0. Neste caso, dado um
aberto V G deve-se mostrar que V x0 é um aberto, isto é, se g 2 V então
gx0é ponto interior de V x0. Por hipótese, se g 2 V então U = g 1V 2 V (1)
é tal que U x0 é uma vizinhança de x0. Isso implica que V x0 = (gU ) x0 =
g (U x0) é uma vizinhança de gx0, já que g é um homeomor…smo. Isso
mostra que x0 é aplicação aberta.
Agora, se x = hx0 então x = x0 Dh. Portanto, se x0 é aplicação
aberta, o mesmo ocorre com x. 2 O resultado geral a seguir sobre o homeomor…smo G=Gx ! X vale
quando X é um espaço de Baire, isto é, a união enumerável de conjuntos de interior vazio ainda tem interior vazio. Exemplos de espaços de Baire são os espaços métricos completos ou os espaços topológicos que são de Hausdor¤ e localmente compactos.
Lema 2.27 Sejam G um grupo topológico, D G um subconjunto denso e U 2 V (1) uma vizinhança da identidade. Então,
G = [
g2D
2.5. AÇÕES DE GRUPOS E ESPAÇOS QUOCIENTES 41 Demonstração: Tome uma vizinhança simétrica W U. Então, dado x 2 G existe g 2 D tal que g 2 xW , isto é, x 1g
2 W . A simetria de W garante que g 1x
2 W , o que signi…ca que x 2 gW gU, concluíndo a
demonstração. 2
Proposição 2.28 Seja G X ! X uma ação contínua e transitiva. Supo- nha que G seja separável (isto é, admite um conjunto enumerável denso) e que X seja um espaço de Baire. Então, as aplicações x : G=Gx ! X são
homeomor…smos.
Demonstração: Tome x0 2 X, U 2 V (1) uma vizinhança aberta e W uma
vizinhança simétrica tal que W2 U. Pelo lema 2.26 é su…ciente mostrar
que U x0 é vizinhança de x0. Seja gnuma sequência densa em G. Pelo lema
anterior, os conjuntos gnW cobrem G e, portanto, os conjuntos gnW x0
cobrem X. No entanto, X é um espaço de Baire, o que garante que para algum n0, gn0W x0 tem interior não vazio, isto é, contém gn0g x0 em seu
interior para algum g 2 W . Como gn0g é homeomor…smo, segue que x0 é
ponto interior de g 1g 1 n0 (gn0W x0). Mas, g 1gn1 0 (gn0W x0) = g 1W x 0 U x0; concluindo a demonstração. 2 Por …m deve-se observar que no caso de ações diferenciáveis grupos de Lie será mostrado posteriormente, com o auxílio do cálculo diferencial, que as aplicações x são homeomor…smos (na verdade difeomor…smos).