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Campos invariantes

No documento Grupos de Lie (páginas 57-63)

3.2 Álgebra de Lie de um grupo de Lie

3.2.1 Campos invariantes

De…nição 3.2 Seja G um grupo de Lie. Um campo de vetores X em G é dito

invariante à direita se para todo g 2 G, (Dg) X = X (ou de forma

mais detalhada, d (Dg)h(X (h)) = X (hg) para todo g; h2 G.

O campo de vetores X é invariante à esquerda se para todo g 2 G, (Eg) X = X.

Os campos invariantes à direita ou à esquerda são completamente de- terminados por seus valores no elemento neutro 1 2 G, pois para todo g 2 G a condição de invariança à direita, por exemplo, implica que X (g) = d (Dg)1(X (1)). Portanto, cada elemento do espaço tangente T1Gdetermina

58 CAPÍTULO 3. GRUPOS DE LIE E SUAS ÁLGEBRAS DE LIE Dado A 2 T1G a notação Ad indica o campo invariante à direita tal que

Ad(1) = A. Já Ae denota o campo invariante à esquerda correspondente.

Explicitamente,

Ad(g) = d (Dg)1(A) Ae(g) = d (Eg)1(A) :

Denote por Invd o conjunto dos campos invariantes à direita. Este con- junto é um subespaço vetorial (sobre R) do espaço de todos os campos de vetores em G, já que (Dg) é uma aplicação linear sobre os campos de vetores.

Analogamente, o conjunto Inve dos campos invariantes à esquerda também é um subespaço vetorial (em geral, diferente do subespaço dos campos invari- antes à direita). As aplicações A 2 T1G7! Ad2 Invde A 2 T1G7! Ae 2 Inve

são isomor…smos entre os espaços vetoriais correspondentes. Exemplos:

1. Seja G = Gl (n; R) o grupo linear geral, que é um conjunto aberto do espaço vetorial das matrizes Mn(R). Fixando g 2 G, as translações à

esquerda e à direita Eg(h) = ghe Dg(h) = hg são restrições a Gl (n; R)

de transformações lineares de Mn(R) = Rn

2

. O …brado tangente a G se identi…ca com G Mn(R). Daí que um campo de vetores X em G

é nada mais nada menos que uma aplicação X : G ! Mn(R). Além

do mais, por essa identi…cação, as transformações lineares Eg e Dg

satisfazem d (Eg)h = Eg e d (Dg)h = Dg para quaisquer g; h 2 G.

A partir dessas observações é possível descrever os campos invariantes em Gl (n; R). Suponha que X : G ! Mn(R) é invariante à direita.

Então, para todo g 2 G,

X (g) = d (Dg)1(X (1)) = Dg(X (1)) = X (1) g:

Portanto, os campos invariantes à direita são da forma X (g) = Ag com A uma matriz em T1G. A equação diferencial de…nida por X é o

sistema linear

dg dt = Ag

no espaço das matrizes. O ‡uxo de X é dado por Xt(g) = etAg, onde

eA=Pk 0 k!1Ak é a exponencial de matrizes.

De forma análoga, os campos invariantes à esquerda são da forma X (g) = gA que estão associados aos sistemas lineares dg

dt = gA. Os seus ‡uxos têm a forma Xt(g) = getA.

3.2. ÁLGEBRA DE LIE DE UM GRUPO DE LIE 59 Em Gl (n; R) existem campos invariantes à esquerda que não são invari- antes à direita e vice-versa. De fato, suponha que o campo X (g) = Ag coincide com o campo Y (g) = gB, isto é, Ag = gB para todo g 2 G. Em particular, para g = 1, deve-se ter A = B. Daí que Ag = gA e, portanto, A comuta com todas as matrizes em Gl (n; R). Mas, isso ocorre se, e somente se, A = a 1, a 2 R, isto é, A é uma matriz escalar. Portanto, o campo invariante à esquerda X (g) = Ag não é invariante à direita se A não é uma matriz escalar.

2. O grupo G (A) dos elementos inversíveis de uma álgebra associativa A é um grupo de Lie (veja o exemplo 4 na seção anterior). Da mesma forma que no caso Gl (n; R) as translações à esquerda e à direita são lineares e dessa forma os campos invariantes também são lineares e seus ‡uxos são determinados pela exponencial eA =P

k 0 1 k!A

k, em que as

potências são dadas pelo produto em A. 3. Seja G = (Rn; +)

. Fixando v 2 Rn, as translações à esquerda e à direita

coincidem e são dadas por

Ev(x) = Dv(x) = x + v:

Portanto, d (Ev)y = d (Dv)y = id para todo y 2 Rn. Isso signi…ca que

os campos invariantes são constantes, isto é, X (x) = v, com v 2 Rn …xado. A equação diferencial correspondente é _x = v cujo ‡uxo é a translação Xt(x) = x + t.

2 A álgebra de Lie de um grupo de Lie é de…nida em qualquer um dos espaços de campos invariantes Invd ou Inve munido com o colchete de Lie. O lema a seguir coloca isso em termos precisos.

Lema 3.3 Sejam X e Y campos invariantes à direita num grupo de Lie G. Então, o colchete de Lie [X; Y ] é invariante à direita. A mesma a…rmação vale para campos invariantes à esquerda.

Demonstração: É consequência da seguinte fórmula geral: sejam M uma variedade, X, Y campos de vetores em M e um difeomor…smo de M . En- tão [X; Y ] = [ X; Y ] (veja seção A.1, no apêndice). Aplicando esta fórmula a = Dg (ou Eg) e X, Y , campos invariantes, chega-se à invariança

60 CAPÍTULO 3. GRUPOS DE LIE E SUAS ÁLGEBRAS DE LIE

do colchete. 2

Dito de outra maneira, os espaços Invd e Inve são subálgebras de Lie da álgebra de Lie de todos os campos de vetores em G. Em particular, ambos os espaços vetoriais admitem estruturas de álgebra de Lie. A álgebra de Lie do grupo G é qualquer uma das álgebras de Lie Invd ou Inve.

Os argumentos a seguir mostram que essas álgebras de Lie são, em es- sência, as mesmas, isto é, são isomorfas, não existindo, portanto, nenhuma ambiguidade na terminologia.

O espaço tangente T1Gé isomorfo tanto a Invdquanto a Inve. Através dos

isomor…smos o colchete de Lie restrito aos subespaços de campos invariantes induz colchetes [ ; ]d e [ ; ]e em T1G. Esses colchetes são dados por [A; B]d=

[Ad; Bd] (1) e [A; B]

e = [Ae; Be] (1), A; B 2 T1G. O seguinte lema permite

relacioná-los.

Lema 3.4 Sejam A 2 T1Ge (g) = g 1 a inversa em G. Então, ( ) Ad =

( A)e (em detalhes: (d )g 1 Ad(g 1) = Ae(g)) e ( ) (Ae) = ( A)

d

Demonstração: Escreva Y = ( ) Ad . Então,

(Eg) (Y ) = (Eg) ( ) Ad :

Usando a regra da cadeia e a igualdade Eg = Dg 1, segue que (Eg) (Y ) =

( Dg 1) Ad . Este segundo membro é igual a ( ) Ad = Y, pela a regra

da cadeia e pelo fato que Ad é invariante à direita. Portanto, (E

g) (Y ) = Y

e daí que Y é invariante à esquerda. Agora, Y (1) = (d )1 Ad(1) . Mas Ad(1) = A e (d )

1 = id, daí que Y (1) = A, mostrando que Y = ( A) e

. A outra igualdade é provada da mesma maneira, ou então aplicando d na

igualdade já demonstrada. 2

Proposição 3.5 Sejam A; B 2 T1G. Então, [A; B]d = [A; B]e.

Demonstração: Por de…nição [A; B]d = [Ad; Bd] (1). Aplicando d 1 = id

a essa igualdade obtém-se

3.2. ÁLGEBRA DE LIE DE UM GRUPO DE LIE 61 Mas, pelo lema anterior (e pela propriedade de homomor…smos de ), [Ad; Bd] =

[ Ad; Bd] = [Ae; Be]. Daí que

[A; B]d= [Ae; Be] (1) = [A; B]e;

concluindo a demonstração. 2 Alterando um pouco o ponto de vista, esta proposição, mostra que as estruturas de álgebra de Lie em T1Ginduzidas por Invde Inve são isomorfas,

no sentido em que existe uma aplicação linear inversível L : T1G ! T1G

tal que L[A; B]d = [LA; LB]e. De fato, tome L = id. Então, L[A; B]d =

[A; B]d enquanto que [LA; LB]e = [A; B]e, portanto idé um isomor…smo.

Visto ainda de outra maneira, a proposição anterior mostra que a aplicação de…ne um isomor…smo entre Invd e Inve munidos do colchete de Lie de campos de vetores.

De…nição 3.6 A álgebra de Lie de G, denotada por g ou Lie (G), é qual- quer uma das álgebras de Lie isomorfas Invd, Inve, (T1G; [ ; ]d) ou ainda

(T1G; [ ; ]e).

Para o desenvolvimento da teoria pode-se escolher qualquer uma dessas álgebras de Lie para representar g. A diferença principal está, é claro, na escolha entre invariança à direita e à esquerda. Dependendo da realização que for tomada, algumas fórmulas são alteradas, mudando a ordem em que aparecem os elementos que a constituem. No entanto, escolhendo de antemão o tipo de campo invariante, todas as fórmulas são desenvolvidas de forma co- erente. Um critério para a escolha entre os campos invariantes à esquerda ou à direita surge no momento de estudar ações de grupos. Se forem considera- das ações à esquerda (o que ocorre quando se escreve o valor de uma função f como f (x)) então os campos que interessam são os invariantes à direita. Já em ações à direita (quando se escreve uma função f como (x) f ), o que conta são os campos invariantes esquerda.

Exemplos:

1. Conforme foi calculado nos exemplos da seção anterior, os campos in- variantes à direita em Gl (n; R) são da forma XA(g) = Ag, com A uma

matriz n n, enquanto que os invariantes à esquerda são da forma YA(g) = gA.

62 CAPÍTULO 3. GRUPOS DE LIE E SUAS ÁLGEBRAS DE LIE Em coordenadas locais o colchete de Lie de dois campos é dado por

[X; Y ] = dY (X) dX (Y ) :

Para uma matriz A o campo XA se estende uma aplicação linear no

espaço das matrizes. Portanto, dXA = XA. Assim, aplicando essa

fórmula do colchete a XA e XB, obtém-se

[XA; XB] (g) = B (Ag) A (Bg) ;

isto é, [XA; XB] = XBA AB. Por outro lado, o colchete de Lie de

campos invariantes à esquerda é dado por [YA; YB] = XAB BA. Dessa

forma, as álgebras de Lie Invd e Inve se identi…cam com o espaço das matrizes n n. Em Invd o colchete é dado por [A; B] = BA AB, enquanto que em Inve o colchete é dado por [A; B] = AB BA. 2. Se A é uma álgebra associativa, então a álgebra de Lie do grupo de

Lie G (A) é dada por comutadores em A, da mesma forma que em Gl (n; R).

3. Os campos invariantes em (Rn; +) são os campos constantes. Como o

colchete de Lie de campos constantes se anula (como segue da fórmula do colchete em coordenadas, veja a proposição A.4), a álgebra de Lie do grupo abeliano (Rn; +) é abeliana, isto é, satisfaz [ ; ] 0.

4. Se G e H são grupos de Lie com álgebras de Lieg e h, respectivamente então a álgebra de Lie de G H ég h, onde o colchete é dado por

[(X1; Y1) ; (X2; Y2)] = ([X1; X2]; [Y1; Y2]) :

De maneira, mais geral, a álgebra de Lie de um produto direto G1

Gk é o produto direto g1 gk de suas álgebras de Lie, em

que o colchete é dado coordenada a coordenada.

5. Se G é um grupo de Lie discreto, dim G = 0 e, portanto, g = f0g. 2 Outros exemplos de álgebras de Lie de grupos de Lie serão dados no próximo capítulo, sobre subgrupos de Lie de grupos de Lie.

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