• Nenhum resultado encontrado

A cobrança de pedágio na antiguidade não passava de um pretexto imperialista para arrecadar fundos em troca do direito de passagem em rodovias e pontes, chegando aos dias

atuais como um grande negócio disputado por grandes consórcios internacionais, seja para financiar a manutenção e expansão de rodovias, seja para restringir o tráfego em áreas congestionadas.

Nessa evolução, sempre estiveram envolvidos os usuários, o poder público e quase sempre um agente concessionário, isto porque não podemos desconsiderar os casos em que o próprio governo assume a responsabilidade de administrar rodovias e cobrar pela sua utilização. Considerando as motivações mais atuais desses agentes, interessa-nos, em particular, analisar e comparar a ótica desses grupos de interesse, especialmente como as questões financeiras os afetam.

Quando o poder público opta por cobrar pedágio em uma rodovia, administrando-a diretamente, ele deixa de utilizar recursos do orçamento e transfere aos usuários daquela rodovia especificamente o ônus da sua manutenção, ou seja, é uma troca da socialização pela particularização, que a rigor parece uma alternativa mais justa. Nesse caso, a ótica financeira do governo poderia ser uma conta de soma zero, pois teoricamente o que seria arrecadado em tarifas poderia ser arrecadado em tributos para manter e expandir a malha rodoviária. Entretanto, por uma série de questões, os custos para o setor público tendem a ser mais onerosos. Além disso, o setor público não consegue alcançar a mesma agilidade da iniciativa privada para concretizar os empreendimentos, uma vez que esbarra em limitações burocráticas e legais típicas.

De outra forma, quando o governo opta pela concessão, estará colocando o terceiro agente no processo, que teoricamente deverá arrecadar em tarifas o suficiente para recuperar o investimento realizado, acrescido do lucro exigido pelos acionistas, que a rigor tem uma referência nos custos de oportunidade.

No caso das licitações no Brasil, o governo abre mão da arrecadação dos tributos e se livra do custo de manutenção da rodovia, entretanto passa a arrecadar diversos tributos da concessionária, de forma que o resultado passa a ser positivo se comparado com a situação de administração direta.

Do lado da concessionária a ótica está relacionada à receita arrecadada nos postos de cobrança e ao custo de manutenção, que está na razão da quilometragem total a ser administrada. Assim, quanto maior o trecho concedido, maior deverá ser a receita, que poderá ser alcançada por meio de tarifas mais elevadas ou pela maior quantidade de praças de pedágio, de forma que os preços serão equalizados na razão da receita e do custo por quilômetro.

Na ótica do usuário, que só tem o custo a ser discutido, a questão pode assumir diversos contornos em função das situações que lhe são impostas, entretanto a sua racionalidade buscará a melhor relação entre a qualidade da rodovia e o preço pago pelo trecho percorrido. Considerando o grau de subjetividade da qualidade de uma rodovia, partimos do pressuposto de uma estrada em boas condições, de forma que esse quesito não interferira na aferição do custo/benefício. Assim sendo, resta ao usuário considerar quantos quilômetros de rodovias ele pode rodar pelo desembolso da tarifa que lhe é imposta e das praças de pedágio que estão dispostas no seu caminho.

A rodovia Régis Bittencourt, por exemplo, no trecho entre São Paulo e Curitiba, tem 401,6 km e terá seis praças de pedágio, cuja tarifa básica foi fixada em R$ 1,50 a partir da abertura da primeira praça de pedágio, portanto o usuário terá que desembolsar R$ 9,00 em todo o trajeto, resultando num custo de R$ 0,022/km.

O trajeto exemplificado corresponde a uma rodovia de elevado tráfego, cuja utilização de ponta a ponta é feita em larga escala, de forma que grande parte dos usuários estaria minimizando o custo médio da tarifa em função do trecho disponível, o que não afasta o problema daqueles que utilizam apenas parte da rodovia, pagando pedágio em um ou mais postos.

No caso dos pólos gaúchos, as praças de cobrança estão dispostas no complexo rodoviário de forma a maximizar a receita. A ótica da concessionária, nesse caso, não se altera, porque ela arca com o custo de manter o somatório de trechos que compõem o polo, portanto a relação custo por quilômetro é a mesma. Para o usuário, no entanto, essa configuração muda a sua ótica de custo, não só porque os trechos entre postos de cobrança costumam ser mais curtos, mas principalmente porque ele não terá possibilidade de minimizar o custo médio, uma vez que dificilmente poderá percorrer o trajeto integralmente. Essa situação pode ser mais bem visualizada no mapa a seguir que corresponde ao Polo Rodoviário Lajeado:

Figura 2 - Polo Rodoviário Lajeado Fonte: ABCR

Esse polo tem uma extensão concedida de 317,83 km, contando com seis praças de cobrança e tarifa básica atual de R$ 6,00, o que corresponde a um custo médio de R$ 0,11/km, entretanto, como podemos observar, a utilização de todo o trajeto por um usuário é improvável.

Essa configuração também pode afetar o custo médio para o usuário quando do deslocamento entre cidades de polos rodoviários diferentes, em virtude da disposição das praças de cobrança, que em alguns casos acabam ficando mais próximas. É o caso de Lajeado e Santa Cruz do Sul, que são as principais cidades em cada uma das regiões, distantes 70 km uma da outra, em cujo trajeto existem dois postos de cobrança, sendo um de cada concessionária, de forma que o custo por quilômetro para o usuário atinge R$ 0,17, bem superior à média de cada um dos polos isoladamente.

O princípio da modicidade das tarifas está previsto na legislação brasileira, contudo é um conceito subjetivo, possivelmente baseado no valor nominal das tarifas, sem considerar a ótica do custo-benefício do usuário, diferindo do equilíbrio econômico-financeiro, também previsto no mesmo dispositivo legal, porém com um grau de objetividade mais perceptível.

3 REGULAÇÃO DO EQUILÍBRIO DAS CONCESSÕES DE RODOVIAS

A idéia de equilíbrio em questões financeiras está relacionada a um estágio onde, no mínimo, não ocorra déficit, significando para uma empresa a cobertura das despesas pelas receitas e para o Estado a arrecadação de impostos suficiente para fazer frente às despesas correntes e aos investimentos. Segundo Oliveira (2001) o sistema econômico está em equilíbrio quando, para cada um dos seus agentes os benefícios gerados por suas decisões não sejam inferiores aos custos causados, incluindo também avaliações subjetivas e não somente valores monetários.

Temos ainda o ponto de vista da contabilidade, onde o equilíbrio pode ser analisado sob o enfoque contábil, financeiro e econômico, todos com ótica semelhante à já mencionada, porém cada um deles agregando estágios diferentes de cobertura de gastos. Para o nosso estudo, interessa o equilíbrio do ponto de vista econômico, que corresponde àquele onde as receitas são suficientes para recuperar os gastos e mais a parcela de lucro esperada pelos investidores.

A partir do momento em que o governo passou a transferir para a iniciativa privada a exploração de determinados serviços públicos, colocou à disposição dos investidores uma nova relação negocial entre o público e o privado. Por um lado, o longo prazo dos contratos naturalmente envolve mais riscos, mas por outro o investidor tem uma tarifa imposta por força de lei, livrando-o da concorrência e garantindo-lhe um retorno fixado em contrato.

Essa nova relação exige garantias de ambas as partes, pois o governo precisa ter segurança de que as empresas cumprirão os contratos, executando ou mantendo as obras previstas, e as concessionárias, por sua vez, necessitam de garantias de retorno dos investimentos, de forma a recuperar e remunerar adequadamente o capital investido. Portanto, a manutenção das condições contratuais ao longo da vigência dos contratos, para ambas as partes, deve ser garantida por mecanismos que permitam repor tais condições em caso de ocorrência de alguma superveniência que prejudique o cumprimento do pacto firmado no contrato.

Esse conjunto de condições estabelecidas para o empreendimento, que permite ao investidor prever o retorno dos recursos investidos, é o chamado equilíbrio econômico- financeiro. Tal conceito foi desenvolvido no direito francês, como norma a orientar as relações nos contratos de concessão de serviço público, considerando a mutabilidade dos contratos. A jurisprudência francesa acabou desenvolvendo várias teorias a respeito da

mutabilidade dos contratos administrativos, as quais foram seguidas por diversos países, inclusive o Brasil. Esse entendimento jurídico fez surgir as teorias do fato do príncipe13 e o fato da administração14, pelas quais é reconhecido o poder unilateral do Estado de alterar os contratos firmados no âmbito da administração pública, visando permitir a continuidade dos serviços concedidos, cuja contrapartida é o direito do concessionário à reposição do equilíbrio econômico-financeiro (DI PIETRO, 1996, p. 63).

Para o investidor, a viabilidade do projeto está relacionada ao retorno financeiro que contemple uma remuneração adequada e compensações pelos riscos inerentes às contratações com o setor público, bem como garantias da manutenção do equilíbrio dos contratos, portanto, é indispensável analisar o plano de investimentos por meio de métodos de avaliação reconhecidos que permitam comparar empreendimentos equivalentes.