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A regulação no setor rodoviário no Brasil, antes da era das concessões de rodovias, praticamente era percebida apenas no transporte de cargas e passageiros, especialmente nas questões relacionadas à segurança e aos preços das tarifas, no caso de transporte de passageiros. Essa atividade geralmente era executada por autarquias ou órgãos da administração direta, que também eram os executores da política rodoviária, como era o caso do DNER, atualmente Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (DNIT) e o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (DAER), no Rio Grande do Sul.

Esse foi o modelo predominante durante todo o período de maior crescimento do setor rodoviário no Brasil, quando o Estado ainda conseguia financiar os investimentos na manutenção e expansão da malha rodoviária, realidade que foi se exaurindo durante os anos 1970.

A década de 1980 foi marcada por uma tendência mundial de questionamento do modelo de Estado positivo, passando o tema a fazer parte de debates no cenário político internacional, visando buscar alternativas para a solução das crises econômicas da época. Uma conferência realizada no Instituto de Economia de Washington, em novembro de 1989, fez surgir várias convergências que culminaram em dez políticas sugeridas, entre as quais podemos destacar o equilíbrio fiscal, a reforma tributária, as privatizações e a desregulamentação da economia. Essa conferência, cujo resultado acabou conhecido como o Consenso de Washington, foi determinante para que vários países reformulassem seus modelos administrativos, entre os quais o Brasil (SERMAN, 2008, p. 29).

A privatização passou a ser uma alternativa concreta para reduzir o déficit público, graças às receitas geradas na venda das estatais e a eliminação das eventuais inversões de recursos. Além disso, essa política era incentivada por organismos internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), que colocavam essas medidas como condicionante para a concessão de empréstimos (PECI, 2002).

A alternativa de contar com recursos de origem privada no financiamento das rodovias foi ratificada com a Lei 8.987/95, que regulamentou as concessões públicas, definiu a política tarifária e introduziu os conceitos de equilíbrio econômico-financeiro dos contratos e de modicidade das tarifas (CAMPOS NETO e SOARES, 2006).

A transferência de rodovias à iniciativa privada foi impulsionada com a Lei 9.277/96, que autorizou a União a delegar aos estados a administração e a exploração de trechos de estradas federais, ocorrendo delegações para o Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. Dentre os trechos de rodovias estaduais concedidos, destaca-se São Paulo com 3.897 km, o Paraná com 2.495 km e o Rio Grande do Sul com 2.403 km (CAMPOS NETO e SOARES, 2007).

Outra modalidade de financiamento para empreendimentos com a participação da iniciativa privada foi a regulamentação das Parcerias Público-Privadas (PPP) a partir da aprovação da Lei 11.079 de 30/12/2004. Diferentemente das concessões, onde a receita provém exclusivamente das tarifas, nas PPP o poder público transfere recursos ao parceiro privado para complementar a receita, pois são destinadas a projetos de baixa viabilidade econômica, como é o caso de rodovias com pouca densidade de tráfego (LACERDA, 2005).

As PPP que envolvem rodovias se configuram num caso de concessão na modalidade patrocinada, conforme definido na citada lei:

Art. 2o Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa.

§ 1o Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.

O movimento de migração de empreendimentos públicos para o setor privado, como já mencionado, seguia tendências internacionais de privatização e redução da participação do Estado na economia e a desregulamentação, entretanto a formação de monopólios naturais exigia a ação reguladora do poder público.

Majone (1997) mostra que a privatização, a liberalização e a desregulação fazem parte do novo modelo de Estado Regulador, contudo as políticas regulatórias cresceram de forma significativa, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, de modo que o termo desregulação é enganador. Na prática se observa uma regulação em um nível de governança diferente, como por exemplo, na privatização de serviços públicos, que costuma ser seguida de regulação de preços e as empresas privatizadas perdem sua imunidade em relação às leis de concorrência.

As privatizações no Brasil implicaram a criação de agências em setores como energia elétrica, telecomunicações e, em 2001, no setor de transportes terrestres, com a criação da

ANTT, que assumiu as responsabilidades de regular e supervisionar a exploração da infraestrutura de transportes exercida por terceiros.

Assim como as demais agências reguladoras, a ANTT é uma autarquia e como tal tem independência administrativa, autonomia financeira e mandato fixo dos dirigentes, de modo a manter independência do poder público e dos agentes regulados. Essas estruturas legitimam a ação estatal, que ao abrir mão de serviços públicos, necessita de um órgão que assuma o papel de fiscalizador e regulador (PECI, 2002).

Como a agência de regulação brasileira foi criada em 2001, posteriormente, portanto, à maioria das concessões, a sua atuação em relação a esses contratos não teve interferência na formulação inicial das tarifas, pois na época o órgão regulador era o próprio Poder Público. Apesar de ter havido concorrência quando das concessões, possivelmente as concessionárias podem ter exigido maiores retornos face os riscos regulatórios e administrativos, em função de uma suposta falta de independência semelhante às atribuídas às agências de regulação.

Portanto, nos contratos anteriores à criação da ANTT, a agência influencia nas tarifas apenas nos casos de reposição do equilíbrio econômico-financeiro, quando for o caso. A partir das contratações de 2007, entretanto, ela coordenou a licitação das rodovias, inaugurando um novo estágio onde passou a atuar em todas as fases do processo, desde a concepção do edital até a manutenção do contrato.

A partir desse certame a autonomia e independência, tão almejada pelos concorrentes e pelo mercado, aparentemente ficaram mais evidentes, entretanto esses fatores não são absolutos, pois a influência do governo foi decisiva na imposição da taxa de retorno máxima, a despeito dos cálculos e pareceres técnicos desenvolvidos pela ANTT.

De qualquer forma, independente das eventuais necessidades de ajustes, o atual modelo regulatório brasileiro no setor de transportes foi criado a partir das reformas administrativas, com o objetivo de impulsionar o desenvolvimento do setor rodoviário que historicamente foi dependente de recursos do orçamento público.