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Os contratos de concessão são projetos de longo prazo e envolvem investimentos significativos, portanto devem ser revestidos de segurança jurídica e também de segurança econômica. Isso exige que tais empreendimentos sejam analisados levando em consideração o custo de capital, as taxas de retorno e os riscos. Os riscos devem ser particularmente considerados em função das características peculiares com o Poder Público, uma vez que as decisões são afetadas pelo cenário econômico e pela estabilidade institucional.

Os contratos com o governo tratam de uma relação bilateral entre o setor público e o privado, e são regidos por uma legislação que atende a ambos os interesses, portanto sempre reservam alguns privilégios, as chamadas cláusulas exorbitantes, que dão poderes unilaterais à Administração Pública. Nessas condições, a teoria do equilíbrio econômico-financeiro é uma forma de compensar com lucro os poderes estatais de alteração e extinção dos contratos (CAMPOS NETO e SOARES, 2006).

Schumacher (2003) corrobora com essa idéia afirmando que a legislação tem o caráter do interesse público e também do interesse privado, porém os poderes unilaterais do

Poder Público podem se constituir num risco às concessionárias, no caso de medidas que venham a desequilibrar o retorno contratado para o empreendimento.

Ao conceder um serviço público à iniciativa privada, como uma rodovia, o Poder Público tem a missão de oferecer um negócio atrativo e seguro aos investidores, e de garantir um serviço de qualidade aos usuários com tarifas que atendam o conceito de modicidade. A modicidade das tarifas é um princípio que visa inibir o abuso do poder de monopólio natural das concessionárias, todavia é um conceito com elevado grau de subjetividade e vaguidade.

Para os investidores a atratividade e a segurança são garantidas pelos contratos e pelo ambiente institucional, onde estão previstos princípios como o do equilíbrio econômico- financeiro, que assegura o direito a uma taxa de retorno durante a vigência do contrato. Essa taxa de retorno tem, entre outros componentes, prêmios para compensar as concessionárias por riscos políticos e regulatórios.

Segundo Schmitz (2001) o princípio do equilíbrio econômico-financeiro estabelece que o usuário pague pelo serviço que ele recebe a um preço suficiente para cobrir o custo total do serviço prestado e outra parcela que considere o custo econômico e financeiro para providenciar a infraestrutura.

Schumacher (2003) afirma que o equilíbrio econômico-financeiro das concessões rodoviárias está na conservação de uma TIR, permitindo que o investidor possa recuperar seu investimento ao longo do prazo de validade do contrato. Tal conceito está explícito, por exemplo, no contrato entre a ANTT e a concessionária Autopista Régis Bittencourt S/A, referente ao trecho entre São Paulo e Curitiba da BR 116:

6.1 O equilíbrio econômico-financeiro do Contrato de Concessão é definido pelo fluxo de caixa descontado considerado que assegure a Concessionária a Taxa Interna de Retorno não alavancada pactuada quando da assinatura do Contrato de Concessão.

6.5 O equilíbrio econômico-financeiro do Contrato de Concessão será mantido ao longo da sua vigência e mantido nos processos de revisão tarifária, de modo a assegurar a Taxa Interna de Retorno não alavancada assumida no Leilão e especificada segundo as condições do Edital de Licitação.

Nos contratos pactuados nas rodovias gaúchas, a cláusula que prevê o equilíbrio dos contratos é mais subjetiva, não ficando expressa a utilização da TIR como medida de avaliação, como se observa em um dos contratos assinados em 1998 entre o DAER e uma das concessionárias:

8.1.1. A revisão de cada TARIFA BÁSICA dar-se-á sempre que ocorrerem situações supervenientes, técnica e juridicamente justificadas, oportunidade em que as partes buscarão alternativa adequada de tal forma que prevaleça o equilíbrio econômico-financeiro do CONTRATO.

8.2.1. Ajustam as partes, com o objetivo de manter e preservar de forma permanente o equilíbrio econômico-financeiro inicial deste CONTRATO, que os encargos da CONCESSIONÁRIA poderão ser revisados sempre que ocorrerem situações supervenientes vinculadas a variação de receita e ou de custos, sobejamente fundadas em critérios técnico e juridicamente justificados.

No caso das concessões rodoviárias, a TIR indica a capacidade máxima que a concessão da rodovia tem de gerar rentabilidade, a qual é definida na tarifa apresentada na proposta vencedora. É a taxa média anual equivalente que mede o poder de alavancagem que o concessionário pode esperar quando investe na concessão para obter retorno através do fluxo dos resultados operacionais (SCHUMACHER e ALENCAR, 2004).

Nas concessões executadas diretamente pelo DNER, entre 1995 e 1997, as taxas anuais se situaram entre a mínima de 16,48%, para a rodovia Rio – Juiz de Fora, concedida em 30/10/95 e a máxima de 23,99%, na BR 290, Osório – Porto Alegre – Acesso Guaíba, concedida em 26/10/97 (PIRES e GIAMBIAGI, 2000, p.22). Se incluirmos as concessões administradas pelos Estados, contratadas até o final dos anos 1990, a menor TIR passará a ser a da rodovia Ecocataratas, trecho da BR 277 no Paraná, cuja taxa estabelecida foi de 16,43% e a mais alta permanecerá a da BR 290, trecho Porto Alegre – Osório, sendo que a média em 30 concessões analisadas nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro, foi de 18,87%, conforme demonstra-se na tabela a seguir:

Tabela 6 - TIR das concessões contratadas até 1998 Continua

Rodovia/Polo Extensão TIR Concedente

Metropolitano 535,77 20,43 RS

Caxias 191,07 20,07 RS

Vacaria 141,84 18,52 RS

Gramado 144,07 17,60 RS

Carazinho 250,40 21,77 RS

Santa Cruz do Sul 207,87 18,30 RS

Lajeado 328,78 18,70 RS

BR 290 – Osório 121,00 24,00 Governo Federal

Pelotas 623,80 17,55 Governo Federal

Caminhos 405,90 18,65 PR

Cataratas 508,64 16,43 PR

Econorte 337,80 16,95 PR

Ecovia 175,10 18,69 PR

Rodovia/Polo Extensão TIR Concedente Viapar 547,05 19,05 PR Autoban 316,75 19,78 SP Autovias 316,50 17,33 SP Centrovias 218,16 19,62 SP Colinas 299,01 18,43 SP Ecovias 176,44 20,60 SP Intervias 380,37 18,17 SP Renovias 345,67 18,71 SP SP Vias 515,68 19,85 SP Tebe 155,98 20,23 SP Triângulo do Sol 442,20 21,03 SP Via Norte 236,57 17,74 SP Via Oeste 162,08 19,33 SP

Nova Dutra 402,00 17,90 Governo Federal

Ponte Rio- Niterói 23,34 16,60 Governo Federal

Concer 180,60 16,50 Governo Federal

CRT 142,50 18,00 Governo Federal

Fonte: ANTT e ABCR Continuação

Nas concessões federais de 2007 a TIR fixada como teto foi de 8,95% para todos os sete trechos leiloados, o que corresponde a quase a metade da menor taxa das antigas concessões, o que acabou acirrando ainda mais a polêmica em relação aos pedágios em virtude das expressivas diferenças nas tarifas.

Ao definir os parâmetros para os projetos de concessão de rodovia, o Poder Público estabelece uma taxa de retorno que carrega na sua composição a taxa livre de risco e mais os prêmios para os riscos inerentes ao negócio, sendo que o investidor, por sua vez, analisa a proposta avaliando os riscos assumidos e retorno comparado com custos de oportunidade equivalentes. No Brasil, uma taxa livre de risco seria considerada nos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional, que são classificados como de risco zero, isto porque dificilmente o Governo não honraria os pagamentos no vencimento. As negociações desses títulos são controladas pelo Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC), que publica diariamente as taxas de juros das negociações (ASSAF NETO, 2008).

Para a determinação da TIR das concessões rodoviárias da segunda etapa a ANTT adotou a metodologia CAPM para apuração do custo do capital próprio e o WACC para obtenção do custo médio ponderado de capital, já estudados neste trabalho, conforme Nota Técnica nº 030/SUREF/2006. No referido documento, a agência reguladora esclarece que a

taxa livre de risco adotada foi o T-Bonds 30 Years20, e que as taxas de risco incluídas foram para compensar o risco do negócio, risco Brasil, risco do tamanho da empresa e risco regulatório (ANTT, 2006).

Ao optar por uma concessão de rodovia o investidor estará assumindo os riscos típicos de contratos que são regidos pelo princípio do interesse público, porém, em contrapartida, estará livre de um dos riscos mais implacáveis do mercado que é o da concorrência e da inadimplência, pois estará assumindo um monopólio natural com garantia de uma tarifa imposta pelo poder coercitivo da lei.

A proteção legal que os usuários dispõem em relação ao preço das tarifas está limitada ao conceito de modicidade, previsto no artigo sexto, parágrafo primeiro da Lei 8.987/95, que estabelece os requisitos para satisfazer a adequação dos serviços concedidos. A questão se reveste de subjetividade, entretanto é considerada módica a tarifa que não impede que as classes que mais necessitem do serviço tenham condições de acessá-lo (VASCONCELOS, 2004).

O risco de tráfego é expressamente considerado risco do negócio, portanto o fluxo de veículos e por consequência as receitas das concessionárias não são fiscalizados. Essa regra, aparentemente colocada como um risco a ser enfrentado pelas empresas, na realidade pode ser um benefício, pois os alegados desequilíbrios são tratados isoladamente, sem cogitar a possibilidade de compensação com acréscimos de receitas pelo aumento do fluxo de veículos. Trata-se de uma assimetria de informações instituída pela própria agência de regulação, corroborando com a idéia que a regulação é adquirida, concebida e operada em benefício das próprias empresas reguladas (STIGLER, 1971).

Posner (1974) acredita que a regulação é uma tentativa honesta, porém mal sucedida de promover o interesse público em virtude da inviabilidade de muitas tarefas atribuídas às agências reguladoras, como por exemplo, o controle do nível de preços nos serviços públicos de infraestrutura e transporte público, isto porque os instrumentos necessários para a mensuração dos custos não existem.

As concessões rodoviárias trazem consigo, portanto, um problema complexo para o Poder Público equalizar: incentivar investimentos para manter e ampliar a malha rodoviária, garantindo rentabilidade adequada aos investidores e a recomposição do equilíbrio, quando for o caso, e ao mesmo tempo proteger os interesses dos usuários por meio de tarifas módicas.

20 Títulos do Tesouro Americano com vencimento para 30 anos, considerados referência de investimento de risco zero.