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A regulação tem entre seus objetivos mais nobres e tradicionais a tarefa salvaguardar a concorrência, protegendo o mercado das ações monopolísticas, e para tanto utiliza de instrumentos para intervir no sistema com a finalidade de corrigir as falhas de mercado, a fim de manter ou restabelecer o equilíbrio e assim cumprir com sua missão de atender o interesse público. Assim era vista a regulação até meados da década de 1960 na visão da teoria do interesse público, até que a teoria econômica da regulação, formulada na Escola de Chicago, passasse a contestar essa fundamentação, argumentando que as falhas de governo coexistem com as falhas de mercado e que a regulação protege os interesses do regulado. Os

questionamentos que deram origem a essa teoria, basicamente nas formulações de Stigler, Posner e Peltzman, deixaram um legado assentado na idéia de que o regulador age de acordo com o poder de pressão dos grupos de interesse, sejam eles usuários ou empresas.

Foi visando proteger o poder público da ação dos grupos de interesse que a regulação caminhou rumo ao modelo das agências regulatórias, as quais, dotadas de independência, poderiam manter-se blindadas das influências que pudessem desviar o objetivo primordial de manter o mercado equilibrado e regulado. Para garantir que esses requisitos sejam alcançados, as agências foram dotadas de autonomia administrativa, com diretores nomeados por mandato fixo sem possibilidade de demissão ad nutum, escalonamento dos mandatos não coincidente com os períodos eleitorais e quarentena para os dirigentes afastados.

Todavia, mesmo com essa estrutura, a independência por vezes é questionada e a presunção da influência de grupos surge em função de alguns sinais. Além disso, os grupos podem agir diretamente no nível político que formula a legislação, antecipando-se, portanto, à ação das agências independentes, sendo que essa perspectiva também se aplica aos usuários, que por meio de entidades organizadas ou não, exercem seu poder de pressão junto ao nível político. Assim, segundo Peltzman (1976), o regulador procura conquistar o máximo de apoio político nos dois grupos, isto é, junto aos consumidores e junto à indústria regulada.

No caso específico das concessões rodoviárias no Brasil, alguns casos percebidos podem ser relacionados a essa teoria, pois demonstram interferências nas regras regulatórias visando beneficiar um ou outro grupo, inclusive, em alguns casos, colocando à prova a independência das agências reguladoras.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, possivelmente haja a maior incidência de desequilíbrios nas concessões de rodovias, muitos deles oriundos de decisões governamentais que são questionadas judicialmente como quebra de contratos. Os pedágios foram instituídos no RS a partir de 1998, e desde o primeiro ano, segundo a AGERGS, já ocorreram desequilíbrios em virtude de descumprimentos unilaterais dos contratos. Em virtude dessa situação foi firmado um termo aditivo em dezembro de 2000, com significativas mudanças no programa, como a implantação da bidirecionalidade no regime de cobrança, a prestação de serviços adicionais aos usuários de ambulância, guincho, socorro médico e mecânico, redução dos parâmetros de qualidade exigidos e elevação tarifária. Em 17/04/2000 foi promulgada a 11.460/2000, que estabeleceu isenção de pagamento de pedágio em rodovias do Estado, ou sob jurisdição estadual, para veículos de transporte escolar e para os veículos emplacados nos municípios onde estão instalados os respectivos postos de cobrança das tarifas, a qual foi revogada em 13/07/2000, após a Assembléia Legislativa perceber a ilegalidade da medida.

Outras medidas unilaterais não previstas em contrato, como a isenção de tarifa para o terceiro eixo de caminhões, também estão na pauta das discussões judiciais por causarem desequilíbrio às concessionárias.

No Paraná, atendendo manifestações dos usuários, o governo promoveu alteração unilateral dos contratos no período de vigência, aplicando redutores nas tarifas em paralelo à redução no programa de investimentos, justamente no início da campanha eleitoral, sendo que uma das plataformas do governo era a redução das tarifas de pedágio ou até mesmo a sua extinção (KARAM, 2005).

Além da previsão de ajustes no caso de desequilíbrio econômico-financeiro, os contratos de concessão de rodovias têm previsto um reajuste anual ordinário das tarifas de pedágio. Nas concessões da primeira etapa tal reajuste tinha por base a variação ponderada dos índices dos principais componentes de custos da tarifa básica, calculados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) conforme relacionamos:

índice de Terraplenagem para Obras Rodoviárias – Peso 10% índice de Pavimentação para Obras Rodoviárias – Peso 20%

índice de Obras-de-Arte Especiais para Obras Rodoviárias – Peso 20% índice Nacional do Custo da Construção (INCC) – Peso 10%

índice de Serviços de Consultoria para Obras Rodoviárias – Peso 30% índice Geral de Preços de Mercado (IGPM) – Peso 10%

A evolução comparativa da variação acumulada dessa cesta de índices com o IGPM e o índice de pavimentação está demonstrada no gráfico a seguir:

Figura 10 - Variação do índice de reajuste dos pedágios

Essa composição de índices vem reajustando os pedágios das concessões federais da primeira etapa e de muitas concessões estaduais desde 1996, porém, a partir dos contratos da segunda etapa, licitados em 2007, o índice de reajuste passou a ser o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), cuja variação no mesmo período foi de 119,54%. Assim, se o novo índice foi considerado o mais apropriado pelo concessor, e aceito pelas concessionárias para reajustar as tarifas a partir de 2007, é de se considerar que também o seria quando da contratação das antigas concessões, portanto, o ganho correspondente à diferença dos índices pode ser considerado uma vantagem auferida pelas concessionárias no período.

Os estudos para a determinação da TIR que serviria de referência para os leilões de 2007 tiveram início em 2005 pela ANTT e culminaram na emissão na Nota Técnica nº 003/SUINF/SUREF/2005 que definiu a taxa em 14,72%. Em função de novos parâmetros levados em consideração, como por exemplo, a adoção da taxa livre de risco em 8,25% tendo o risco Brasil e o risco cambial já embutidos, uma nova taxa foi calculada e definida em 14,28%, conforme Nota Técnica nº 005/SUINF/SUREF/2005.

Ainda em 2005 o TCU apontou algumas incorreções no referido cálculo, conforme demonstra-se:

9.2.9. incorreção nos procedimentos adotados para o estabelecimento da Taxa Interna de Retorno quanto aos seguintes aspectos:

- adoção da taxa de juros nominal do título considerado livre de risco, quando o correto seria considerar a taxa de desconto real praticada no lançamento do mesmo título (yield);

- adoção de risco regulatório calculado a partir de metodologia inconsistente e de dados do setor elétrico;

Apesar de procedidas as alterações pela agência de regulação, o TCU apresentou novas contestações sobre a utilização do risco regulatório e do risco tamanho da empresa, o que gerou uma nova revisão em todo o estudo e a emissão da Nota Técnica nº 030/SUREF/2006, de 30/05/2006, que apontou a taxa de 12,88% como Custo Médio Ponderado de Capital (WACC), o qual foi sugerido para ser adotado como referência para a TIR da segunda etapa das concessões de rodovias federais.

Não obstante os sucessivos estudos técnicos da ANTT, inclusive atendendo às recomendações do TCU, a Casa Civil da Presidência de República decidiu organizar uma força-tarefa em 2007, formada por técnicos dos Ministérios da Fazenda, do Planejamento e dos Transportes, com apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

(BNDES) e participação22 da ANTT. Desse estudo resultou a Nota Técnica nº 64 STN/SEAE/MF, de 17 de maio de 2007, emitida pela Secretaria de Acompanhamento Econômico da Secretaria do Tesouro Nacional, onde são propostas alteração no cálculo do WACC, revendo o risco regulatório, o beta do setor, o prêmio pelo Risco Brasil, a estrutura de capital e o spread associado ao custo do financiamento.

Em função do resultado desse estudo foi recomendado à ANTT que reduzisse a TIR de referência para 8,95%, que foi efetivamente a taxa adotada para os leilões da segunda etapa das concessões rodoviárias federais.

A interferência de órgãos estranhos à área de regulação, com características essencialmente políticas, como é o caso da Casa Civil da Presidência de República, denotam a fragilidade da independência das agências, especialmente nesse caso em que os cálculos tecnicamente elaborados foram revisados e substituídos por uma TIR politicamente encomendada.

A influência dos grupos de interesse também ocorre de forma explícita como é o caso dos financiamentos de campanha política, onde o setor de infraestrutura contribui substancialmente, segundo pesquisa da Transparência Brasil. O mapa do financiamento político das eleições de 2004 aponta, por exemplo, que um grupo de empresas do setor de construção civil foi o principal financiador do governador eleito de São Paulo, contribuindo com 6,8% da campanha. Coincidentemente ou não, o grupo controla um conglomerado de concessionárias de rodovias que em 2007 detinha 41% do mercado de concessões no Brasil.

Esses exemplos demonstram como poder público cede às pressões dos regulados e dos usuários, alternando benefícios em busca dos votos de uns e das contribuições de outros, confirmando aparentemente o que as teorias preconizam, inclusive em relação às formas de organização dos grupos visando aumentar o seu poder de barganha.

22 Texto extraído da introdução da Nota Técnica nº 64 STN/SEAE/MF, em que estranhamente a ANTT é citada como mera participante.

4 REGULAÇÃO PELA TIR REAL E APARENTE

A essência do modelo de regulação das concessões rodoviárias no Brasil converge para o equilíbrio econômico-financeiro, que tem como elemento de referência a taxa de retorno proposta num leilão. Mantidas as condições pactuadas inicialmente, essa taxa permanecerá inalterada durante o prazo da concessão, o que é justamente uma das atribuições do órgão regulador enquanto responsável por zelar pelo equilíbrio dos contratos. Na realidade, a taxa será considerada inalterada se as obras previstas forem executadas e a manutenção da rodovia for cumprida conforme o PER, independente das receitas auferidas, uma vez que elas não são fiscalizadas.

Assim sendo, podemos deduzir que a TIR pactuada é uma taxa aparente, que pode estar distante da realidade, seja pela variação das receitas, seja pela redução dos custos, que podem estar sob o efeito da assimetria das informações entre regulador e regulado. Dessa forma, eventuais ganhos extraordinários que se refletissem no fluxo de caixa poderiam ser compartilhados com os usuários, atendendo os anseios de divisão de ganhos de produtividade, tornando mais concreto o conceito de modicidade das tarifas.

Uma taxa mais realista, considerando o longo prazo dos contratos, também não deveria permanecer fixa por um prazo tão longo, como ocorre no modelo atual, isto porque os cenários econômicos são dinâmicos e as variáveis afetam os resultados dos projetos. Vasconcelos (2004) ressalta que o equilíbrio econômico-financeiro é o ponto mais complexo dos contratos celebrados entre as concessionárias e o poder público, isto porque as condições pactuadas entre as partes persistirão por longo prazo, geralmente mais de 20 anos, sendo que nesse período a economia pode se alterar profundamente.

Muitos dos componentes do custo de capital, que serve de parâmetro para a definição da TIR, são incontestavelmente afetados pelo dinamismo da economia, o que por si só poderia sustentar a justificativa para que a regulação considerasse essa realidade e as taxas de retorno fossem reavaliadas periodicamente.