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A regulação do equilíbrio econômico-financeiro adotado no Brasil é baseada num plano de investimentos elaborado para a rodovia, que é base para o leilão e que terá a execução acompanhada pelo órgão regulador. O fluxo de caixa desse plano traz implícito uma TIR que deverá ser garantida durante o prazo da concessão e faz parte de uma completa e detalhada proposta que integra os editais, chamada normalmente de Plano de Exploração da Rodovia (PER) ou Programa Básico de Exploração (PBE). Conhecido o projeto para a rodovia, os concorrentes elaboram suas propostas, respeitando as exigências e o cronograma de obras físicas, na qual propõem uma tarifa de pedágio básica e demonstram analiticamente suas expectativas de receitas e desembolsos, e por consequência a respectiva TIR da proposta comercial.

A partir da homologação do resultado do leilão e posterior contratação da concessionária vencedora, cabe à agência de regulação acompanhar e fiscalizar o cumprimento do programa de investimentos, agindo sempre que algum fator afete o equilíbrio econômico-financeiro e altere a TIR prevista no PER.

As ações do órgão regulador visando à manutenção da TIR estável têm por objetivo garantir o retorno financeiro da concessionária nos patamares contratados, bem como assegurar o fluxo de investimentos e a qualidade da rodovia concedida. De modo geral, o acompanhamento regular resume-se ao cumprimento dos cronogramas de obras e manutenção das rodovias, porém, em relação ao equilíbrio, a ação do regulador é provocada pelas concessionárias, uma vez que as receitas e despesas fazem parte dos riscos do negócio, portanto não são acompanhados ou medidos, tornando vulnerável o modelo de regulação da forma como vem sendo aplicado.

Essas e outras vulnerabilidades estão implícitas no próprio modelo de regulação, porém a desconsideração das receitas pode significar taxas de retorno reais completamente descompassadas das contratadas. Por outro lado, algumas ações das concessionárias afetam as demonstrações contábeis, de forma que os resultados apresentados podem conter distorções significativas em relação aos ganhos reais ou mais precisamente em relação à remuneração do capital dos investidores.

Uma dessas possíveis distorções diz respeito às estratégias adotadas pelos investidores nas composições societárias e nas transações com partes relacionadas. Um negócio onde os controladores se confundem com seus principais fornecedores permite que parcelas significativas do resultado sejam transferidas para esses por meio da

supervalorização dos serviços prestados, reduzindo o lucro da empresa controlada, sem sacrificar o ganho dos investidores, que são os próprios fornecedores. Assim, a TIR real da concessionária seria reduzida em virtude dos elevados custos, porém os ganhos reais chegariam aos investidores através da complexa rede de holding encadeada que controla o setor.

Cardoso (2007) comenta que o gerenciamento da informação contábil é uma prática adotada pelos entes regulados para atender os seus interesses em função dos incentivos da regulação econômica, e o gerenciamento de resultados visa reduzir custos políticos para atender parâmetros exigidos pelos órgãos reguladores. No caso das concessionárias de rodovias, a transferência de resultados para as partes relacionadas pode significar a sustentação de argumentos visando demonstrar desequilíbrios em função de investimentos superiores aos previstos nos programas de exploração das rodovias.

Outra forma que pode ser utilizada para transferir lucros indiretamente é a busca de recursos externos para financiamento do projeto por meio do lançamento de debêntures no mercado. Para que esses investimentos sejam atraentes, é indispensável que tenham uma remuneração competitiva e ofereçam garantias que minimizem os riscos comparativamente às alternativas do mercado financeiro e de capitais. Algumas concessionárias de rodovias, no entanto, têm emitido debêntures com remunerações privilegiadas que superam tanto as taxas mais comuns das aplicações financeiras quanto à própria TIR do seu projeto, conforme –e demonstrado no gráfico a seguir:

Figura 7 - Comparativo de taxas de investimentos 21

21 As debêntures emitidas pela C 1 (1998) e pela C 2 (2002) prevêem remuneração de 3% da Receita Operacional Bruta, além da atualização monetária e da taxa de juros. Os índices demonstrados no gráfico não consideraram a remuneração adicional que tornaria ainda maior a diferença em relação à TIR e ao CDI.

Considerando que as debêntures são lançadas no mercado em oferta pública, o acionista controlador pode adquirir esses papéis que ele mesmo decidiu emitir, e assim conseguir uma remuneração superior à TIR da concessão. Nessas condições, o resultado da concessionária poderia ser comprometido em função dos elevados custos de financiamento, ao passo que o investidor estaria recebendo uma remuneração superior a do projeto, logo, se a TIR é a taxa que remunera o capital dos investidores, esses estariam recebendo uma taxa superior à pactuada.

Nas demonstrações contábeis da C 1, por exemplo, as despesas financeiras representaram 25,79% e 34,08% da receita bruta dos anos de 2005 e 2006, respectivamente, o que foi suficiente para reverter os lucros operacionais em ambos os exercícios conforme se verifica nas Demonstrações do Resultado do Exercício (DRE) a seguir:

A parcela mais representativa das despesas financeiras corresponde à remuneração das debêntures, conforme comprovam as notas explicativas apresentadas a seguir, onde podemos constatar que somente essas rubricas representaram 19,31% e 17,33% da receita operacional, respectivamente nos exercícios de 2005 e 2006. Esse caso poderia ser um exemplo concreto de transferência de resultados para uma empresa do grupo, caso uma delas tenha sido adquirente dos títulos em questão.

Figura 9 - Notas explicativas – C 1

Essas e outras questões poderiam ser passíveis de análise para aperfeiçoamento da regulação, desde que a independência e a isenção dos agentes reguladores possam ser exercidas sem influências de grupos de interesse.