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3 EM TORNO DO DISCURSO DA COMPETÊNCIA

3.3 O DISCURSO DA COMPETÊNCIA: INSPIRAÇÕES E ABORDAGENS

3.3.3 A abordagem construtivista

Bertrand Schwartz é frequentemente considerado o principal representante da metodologia construtivista de investigação das competências (RAMOS 2006; ARAÚJO, 2001; OEI, 2000). Para o pedagogo da Escola de Nancy, o conceito de construtivismo vai além das relações mútuas e as ações existentes entre os grupos e seu entorno mencionadas anteriormente, fazendo alusão também às “situações de trabalho e situações de capacitação” (RAMOS, 2006, p. 94). Para Ramos (2006), o que ocorre de fato é que, ao rechaçar a norma e uma construção defasada da competência, por um lado, e a estratégia de capacitação, por outro, a metodologia de Schwartz aparenta realizar, simultaneamente, a investigação de novas competências requeridas e a formação em serviço que proporcione sua construção.

Advogando uma educação promotora da conformação e adaptação dos sujeitos aos ambientes profissionais e sociais, o construtivismo de Schwartz tem como princípio metodológico a capacitação individual em relação direta com a capacitação coletiva. A definição das competências e da capacitação deve considerar uma investigação participativa das disfunções próprias dos trabalhadores, com vistas ao alcance dos objetivos do trabalho. Portanto, no modelo construtivista, o desenvolvimento das competências é realizado buscando- se a correção de carências funcionais nos processos de trabalho, que agora é visto como espaço de interação social capaz de promover “aprendizagem para o fazer, no interior do qual se transforma o ser” (OEI, 2000, p. 70). Para Ramos (2006, p. 95):

A definição de competências requeridas e a perspectiva de capacitação, permitem gerar um ambiente de motivação fundamental para a aprendizagem. De certa maneira, essa metodologia engendra uma relação dinâmica entre capacitação coletiva dos empregados e sua participação progressiva e coordenada, nas modificações de suas tarefas, de seus postos de trabalho e de suas intervenções.

Como veremos mais adiante em nossa análise, que tem conciliação com a reflexão apresentada por Zarifian (1999), a retomada frequente da noção de competência ainda está muito assentada nos instrumentos e abordagens elaborados no âmbito da qualificação e do emprego característicos dos anos 70, ou seja, o sentido de competência está aqui ainda muito vinculado ao discurso empresarial centrado no paradigma taylorista-fordista, em que se busca

certa neutralidade dos trabalhadores em termos de seus atributos individuais, como autonomia e responsabilidade, por exemplo. Trata-se de um discurso de ampla circulação e que concebe a competência em termos de conhecimentos, experiências e comportamentos, uma espécie know how para ser utilizado em contextos específicos.

Competência, portanto, está ligada às dinâmicas individuais em dar respostas eficientes e correções imediatas aos problemas do ambiente de trabalho, resultando em uma justaposição das capacidades subjetivas às situações que ditam o conteúdo do emprego. As competências são identificáveis, aqui, prioritariamente, a partir da investigação dos trabalhadores menos qualificados. Trata-se de uma investigação que procura repercutir o envolvimento participativo dos trabalhadores, de forma que compreendam a evolução dos seus próprios comportamentos por meio de um ambiente motivacional propício à aprendizagem (RAMOS, 2006).

A partir da leitura da dimensão pedagógica do construtivismo refletida por Ramos (2006), observa-se que Bernstein, em sua estruturação do discurso pedagógico, vai propor dois tipos de pedagogias: as visíveis e as invisíveis. Enquanto as visíveis caracterizam-se por acentuarem a transmissão dos conteúdos para o desenvolvimento de competências específicas e um desempenho eficiente determinado pelo mercado de trabalho, as invisíveis configuram-se pelas ações do professor em propiciar um contexto adequado ao desenvolvimento da autonomia do aluno na aquisição da aprendizagem e de competências genéricas. É no interior destas últimas que, segundo a autora, consta as chamadas pedagogias renovadoras, críticas (ou progressistas), e até mesmo as piagetianas e aquelas de base Freirianas.

A Educação Profissional aqui é vista muito mais como promotora do “ser capaz de”35 em vez de um ensino pautado em conteúdo: há uma forte preocupação com os conhecimentos e habilidades do sujeito em saber resolver e reagir a problemas do que com a aquisição do saber propriamente dito. Na abordagem construtivista, este saber é importante e útil, mas apenas para situações em que seja requerido, sendo assim mobilizado. Os cursos são, assim, desenvolvidos com base em análise das necessidades formativas dos alunos. Isto quer dizer que a percepção dos saberes científicos configurados em saberes escolares convoca um discurso pedagógico dividido em dois outros discursos, que Bernstein vai chamar de instrucional e regulativo. O primeiro é configurado em torno do que deve ser transmitido e o segundo em torno da forma de constituição e manutenção das relações sociais de transmissão e aquisição. Para Ramos (2006), enquanto o discurso regulativo é aquele que predomina na perspectiva do currículo

35 Aqui, “ser capaz de” refere-se à posse de referenciais profissionais calcados nas categorias saber, saber-fazer e

científico e nas pedagogias ditas visíveis, é o discurso instrucional que importa na perspectiva do currículo integrado e das pedagogias invisíveis.

Depreende-se daí, portanto, que o modelo das competências em sua dimensão pedagógica é fundado no aporte psicológico do construtivismo, acentuando-se os aspectos subjetivos dos alunos em detrimento da evolução histórica e social do processo educativo. Mesmo tendo sido confrontada, ao longo do tempo, com outros elementos de diversas teorias, como a da aprendizagem sociocultural, por exemplo, a teoria construtivista da competência parece ainda manter-se renovada naquele núcleo fundamental piagetiano, cuja validade da interação do sujeito só teria eficácia consigo mesmo, impossibilitando uma “explicação do real” (RAMOS, 2006, p. 277).

Ao assentar-se no elo de ligação entre esses construtos piagetianos e aqueles relativos à formação profissional propostos por Schwartz, o discurso da competência é pautado, no construtivismo, pelo atendimento das necessidades concretas do mercado pelo processo formativo. Este, agora flexível, já que torna “situações trabalho em situações de aprendizagem” (OEI, 2000), parte da capacidade (consciente) de aprendizagem dos trabalhadores. Isto porque, ao se reconstruírem constantemente, sempre a partir das necessidades imediatas, os trabalhadores pressupõem que a partir da prática (e não de conceitos) é que se pode chegar ao desenvolvimento eficiente das competências. Portanto, é principalmente no construtivismo que esse caráter pragmático é ainda mais valorizado como referência para o desenvolvimento do comportamento competente, comportamento este que, defendemos, ainda é muito evocado e presente no ensino de língua inglesa no seio da formação técnico-profissional: é para o trato dessa questão que voltaremos nossa atenção neste momento.