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6 O EFEITO DE SENTIDO EM TORNO DA NOÇÃO DE COMPETÊNCIA

6.5 O COMPONENTE CURRICULAR LÍNGUA INGLESA NA

6.5.1 A competência nos objetivos de formação

O efeito dominante da competência no Discurso Pedagógico Curricular – Língua Inglesa é aquele relacionado ao “domínio” da língua pelos estudantes da Educação Profissional. Isso porque, ao se dizer que “os objetivos das aulas são focados nos componentes da competência comunicativa” (SD 4.4), traz-se toda uma gama de traços que a competência carrega. Ou seja, o ensino de Inglês, pautado por essa discursividade, procura desenvolver a competência comunicativa. É que a competência, conforme aparece na materialidade do DPC – LI, tem um efeito sinonímico de competência comunicativa, se equivalem. Nesses termos, dizer a competência no DPC – LI é dizer a competência comunicativa. Esta constitui-se do domínio da Língua Inglesa, a capacidade de falar a língua. Portanto, um dos objetivos do ensino é promover o desenvolvimento da competência comunicativa dos estudantes.

Além desse efeito da competência relacionado ao domínio, é possível perceber também, na materialidade dos PTDEM, o efeito de flexibilidade apontado no capítulo V, ou seja, a busca em se dar uma resposta compatível com as demandas do mercado de trabalho, especialmente aquelas relacionadas à produção local87. Ou seja, embora haja dominância da competência comunicativa no DPC – LI, percebe-se as relações complexas e atravessadas entre os discursos (DFP x DFE): efeitos estão entrecruzados, dizeres estão perpassados por outro(s), enfim, a discursivização da competência toma a aparência de uma espécie de litígio entre formação profissional e formação específica.

Ao examinarmos a sequência discursiva 4.6 abaixo, que é o enunciado da ementa da disciplina de Inglês I dos cursos técnicos integrados ao ensino médio (PTDEM/IFRN, 2012, p. 69), vemos que, embora não se fale em “competência”, é possível percebê-la na discursividade. Para nós, isso se explica porque o encaixe que se faz dos enunciados da sequência carrega consigo os traços do olhar da competência.

SD 4.6 – “Introdução à produção de sentido a partir de textos orais e escritos por meio de funções sociocomunicativas, estruturas básicas da língua-alvo e gêneros textuais de diversos domínios, considerando também as demandas da formação profissional; reflexão acerca da influência da língua-alvo na construção identitária do aluno e de sua comunidade” (PTDEM/IFRN, 2012, p. 69).

87 É importante deixar claro que não se advoga aqui uma desconexão com contexto local em que se está inserido.

O que queremos mostrar são os efeitos que a competência produz ao se tomá-la na materialidade do arquivo do Discurso Político-Educacional.

Em uma primeira aproximação, pela linearidade segmental da sequência 4.6, vemos que a “produção de sentido deve ser [...] por meio de funções [sociocomunicativas]”. Ora, se uma das principais características do desenvolvimento da competência comunicativa não é senão aquela fundada nas funções da língua (comunicativas, sociais, culturais, etc.). Isso por si só já tem uma conotação ligada à utilização de habilidades orais.

Mas o que chama ainda mais nossa atenção na sequência 4.6 é a relação que se estabelece entre os enunciados. Para nós, essa relação, no fio do discurso, é reveladora dos efeitos da competência no DPC – LI. Vejamos o que essa relação nos diz quando se observa os enunciados abaixo:

4.6A – Introdução à produção de sentido a partir de textos orais e escritos por meio de funções sociocomunicativas, estruturas básicas da língua-alvo e gêneros textuais de diversos domínios, considerando também as demandas da formação profissional;

4.6B – Reflexão acerca da influência da língua-alvo na construção identitária do aluno e de sua comunidade.

Veja-se que, aparentemente imperceptível na linearidade segmental do texto, mas identificável pelo rearranjo discursivo, há uma certa tensão entre os enunciados 4.6A e 4.6B. Tensão que pode inclusive remeter à entendimentos opostos se os enunciados forem tomados separadamente. Queremos dizer, antes de tudo, que há um processo de nominalização deverbal que ocorre em cada um dos termos iniciais dos enunciados, ou seja, a transformação dos verbos (“introduzir” e “refletir”) em substantivos (“introdução” e “reflexão”). Decorre daí que, nesse processo, ao tomarmos a nominalização na ordem em que aparece na sequência 4.6 (“introduzir [...] a língua-alvo”, depois “refletir acerca da [...] língua-alvo”), ligando os enunciados um ao outro, diríamos que toda essa construção, em referência direta ao espaço escolar, demonstra um modo particular de compreensão da língua: deve-se estudar (primeiro) a língua, para (depois) se estudar sobre88 a língua. De maneira resumida: ao se estudar a, estuda-se sobre a língua,

nessa ordem.

Dessa forma, pela construção discursiva da sequência 4.6, é possível se enxergar um “efeito de coincidência” (PFEIFFER, 2005, p. 30) tal que “tangencia-se aí a diferença entre saber a e saber sobre a língua” (PFEIFFER, 2005, p. 30, grifos da autora). Para nós, é nesse “efeito de coincidência” que se pode perceber os traços da competência incidindo no DPC – LI. É que a forma de disposição dos enunciados (segundo uma ordem: “introduzir...”, depois

88 No que digo, parafraseio o trabalho de Pfeiffer (2005, p. 30) ao discutir o “efeito de coincidência entre a língua

materna e a língua nacional”. Aqui, com as devidas adequações, consideramos ser possível observar, enunciativamente, esse efeito na sequência analisada.

“refletir...”) mostra que “a língua fica no limiar entre um saber pedagógico e um saber científico, em que, no primeiro, transmitem-se blocos fechados e adquiridos, e, no segundo, a certeza incide sobre qual seja o objeto e não sobre o que se dizer sobre o objeto” (PFEIFFER, 2005, p. 30, grifos da autora). Segundo a autora, é este limiar entre o pedagógico e o científico que faz surgir o conflito histórico entre o que se produz na ciência e sua consequente forma de circulação/apropriação pela escola.

Sublinha-se aqui, dessa forma, que uma das finalidades da competência no DPC – LI é procurar associar aprendizagem e contexto, mostrando resquícios da ideia behaviorista de objetivos referenciais. Segundo Araújo (2001), os objetivos referenciais vão dar ênfase justamente às tarefas e funções requeridas para atividades profissionais tendo em vista um ensino pautado por aquilo que a realidade mostra como necessário. Ou seja, para o autor, “essa é uma retórica de aprendizagem útil, de vinculação da formação com a realidade imediata, presente no ideário de Dewey ao defender que é o procedimento de aproximação da formação com as situações específicas que confere sentido às aprendizagens” (ARAÚJO, 2001, p. 47). Portanto, mesmo diante da compreensão de que a Educação Profissional permite esse vínculo com as questões ligadas ao trabalho, muitas vezes o modo que se enuncia uma “consideração [...] as demandas da formação profissional”, deixa entrever uma abertura aos efeitos do discurso da competência no Discurso Pedagógico Curricular – Língua Inglesa.

Segundo o que enxergamos, mesmo não estando explícito na linearidade segmental da sequência 4.6, os objetivos do ensino de Inglês, pelo discurso, estão perpassados pelos efeitos da competência. E aí pode-se perceber também a ideia dos saberes a serem avaliados. Ou seja, para a consecução de seus objetivos formativos, estabelece-se a verificação da performance dos sujeitos em tarefas de conversação em Inglês e em atividades que requerem a utilização de estratégias cognitivas de aprendizagem. O sujeito-aprendiz deve demonstrar o “produto” de sua aprendizagem: a manifestação de conhecimentos da língua, mas também sobre a língua, deve demonstrar atitudes de quem domina a língua, mas também deve demonstrar comportamentos apropriados. Em outras palavras, pode-se falar na competência funcionando também enquanto saberes: um saber que deve ser colocado em prática, enquanto conhecimentos e atitudes demonstráveis, o que pode se traduzir em um “argumento utilitarista que os pragmatistas apresentam quando defendem que uma ideia só tem valor quando produz resultados práticos” (ARAÚJO, 2001, p. 47).

Esse viés “pragmático” da competência, que parece teimar em permanecer na relação que se estabelece entre formação em Língua Estrangeira (DFE) e Trabalho (DFP), é o que se pode perceber a partir da leitura da ementa do componente curricular Inglês nos cursos técnicos

de nível médio. Isso torna-se visível quando se estabelece a ampliação de vocabulário “a partir de estratégias de aprendizagem e compreensão” (PTDEM/IFRN, 2012, p. 69) como um objetivo formativo. Ou seja, a aprendizagem de Língua Inglesa se pautaria nos traços de um olhar cognitivo da competência, cujo fundamento é a aquisição e a ampliação de vocabulário: uma visão da língua, portanto, como um instrumento de comunicação.