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6 O EFEITO DE SENTIDO EM TORNO DA NOÇÃO DE COMPETÊNCIA

6.2 A COMPETÊNCIA COMO HIPÔNIMO DA ABORDAGEM COMUNICATIVA

O documento de 2012, através da Proposta de Trabalho das Disciplinas do Ensino Médio (PTDEM), advoga em sua materialidade uma proposta pedagógica para o ensino de LI no IFRN articulada à indissociabilidade entre ensino, à pesquisa e à extensão. E, para isso, “corrobora com a visão crítica de homem, de mundo, de sociedade, de trabalho, de cultura e de educação, organizadas para promover a construção, a socialização e a difusão do conhecimento numa concepção histórico-crítica, objetivando a formação integral dos educandos” (IFRN/PTDEM, 2012, p. 61). Nessa perspectiva, o documento diz que o ensino de LI no IFRN deve ser:

1) integrante dos cursos técnicos integrados regulares de nível médio, e, sendo assim, planejado de modo a contribuir com uma habilitação profissional técnica de nível médio que possibilitará a continuidade de estudos na educação superior de graduação ou em cursos de especialização técnica;

2) integrante dos cursos técnicos de nível médio na modalidade de educação de jovens e adultos (EJA), ou cursos PROEJA Técnico e, sendo assim, planejado de modo a conduzir o discente a uma habilitação profissional técnica de nível médio que possibilitará a continuidade de estudos na educação superior de graduação ou em cursos de especialização técnica;

3) integrante dos cursos técnicos de nível médio subsequentes, e, sendo assim, planejados com o objetivo de formar para uma habilitação profissional técnica de nível médio, que lhe possibilitará a continuidade de estudos em cursos de especialização técnica.

Por outro lado, embora se diga que essa proposta para o ensino de LI no IFRN “corrobora uma visão crítica de [...] educação”, organizada “numa concepção histórico-crítica, objetivando a formação integral dos educandos”, o documento apresenta o termo competência com um efeito de sentido de competência comunicativa, ou seja, sendo englobado pela assim chamada Abordagem Comunicativa. Funciona, portanto, como hiponímia da AC. Mostraremos esse funcionamento por meio da sequência discursiva 4.4 abaixo:

SD 4.4 – “Articulando as condições apresentadas acima [em relação às modalidades

integrado, EJA e subsequente], a complexidade do fenômeno língua/linguagem e o contexto de ensino-aprendizagem no IFRN, o professor de inglês pode tentar desenvolver uma abordagem

comunicativa para o ensino de língua estrangeira [que] está vinculad[a] ao domínio da mesma

por parte dos sujeitos [...] Abaixo, sintetizamos as características previstas nesta abordagem: - Os objetivos das aulas são focados em componentes da competência comunicativa, a saber: gramatical, discursivo, funcional, sociolinguístico e estratégico.

- As técnicas de linguagem são modeladas para engajar os alunos no uso pragmático, autêntico e funcional da linguagem para propósitos comunicativos significativos.

- A fluência e a correção gramatical são vistas como princípios subjacentes às técnicas

comunicativas”

- Os alunos devem ser capazes de usar a linguagem em contextos para além da sala de aula, sem ensaios prévios.

- São dadas oportunidades aos alunos para que eles reflitam sobre seu processo e estilo de aprendizagem, bem como as estratégias mais apropriadas para o desenvolvimento de uma aprendizagem autônoma (PTDEM, 2012, p. 62, grifos nossos).

O efeito de sentido que a competência toma na sequência 4.4, tal como se percebe, é aquele da competência comunicativa. Ou seja, a competência revela-se como hipônimo da Abordagem Comunicativa. Isso porque seus traços discursivos são abarcados pela AC. Vejamos. Na sequência discursiva acima é possível dizer que “uma abordagem comunicativa para o ensino de língua estrangeira” envolve o “domínio da mesma por parte dos sujeitos”. Ao evocar, por uma relação de sinonímia, um léxico associado à competência (capacidade, técnicas, estratégias, etc.), o termo “domínio”, discursivamente, significa competência. Desenvolver a competência, nesses termos, é dominar (a língua), se comunicar de maneira eficaz e apropriada. Portanto, observa-se o deslizamento de sentido da competência para a competência comunicativa, ou seja, instala-se o funcionamento da hiponímia.

Mas podemos observar ainda outros traços na sequência discursiva que mostra esse funcionamento discursivo: veja-se que o “domínio da mesma por parte dos sujeitos” é predicado por cada uma das características da abordagem, isto é, “componentes da competência comunicativa”, “técnicas” (de linguagem e comunicativas), “ser capaz de usar a língua”, “estratégias apropriadas”76. Há, assim, o domínio (pelos sujeitos):

1. Dos componentes da competência comunicativa 2. Das técnicas (de linguagem e de comunicação) 3. Da capacidade de usar a língua

4. De estratégias apropriadas

Para demonstrarmos essas relações discursivas da competência funcionando como hiponímia da Abordagem Comunicativa, tem-se a seguinte representação:

Observe-se que a abordagem comunicativa (AC) inclui o domínio (D), que por sua vez requisita um conjunto de ações e práticas sobre a língua, como a “competência comunicativa” (CC), as “técnicas” (TLC – linguagem e comunicativas), a “capacidade de usar a língua” (CL) e as “estratégias de aprendizagem” (EA). Na construção desse arranjo, a adoção de uma AC pressupõe a possibilidade de “domínio” de uma língua, a possibilidade de “ser competente” em uma língua, ou seja, a capacidade de se conquistar essa competência dominando técnicas, estratégias, componentes, etc. A partir dessas relações, pode-se dizer que a AC circunscreve os traços discursivos da competência e, ao se expressar no Discurso Pedagógico Curricular de Língua Inglesa, pode ser caracterizada como um prolongamento do discurso da competência, ou seja, como um discurso sobre o ensino de língua estrangeira.

Nesse esforço de tornar-se um sujeito competente, incluindo-se aí o desejo de “dominar” a língua inglesa, a abordagem comunicativa objetiva desenvolver a competência comunicativa “como um meio de viabilizar seu acesso a pessoas pertencentes a outras culturas bem como a obtenção de informações sobre outros povos” (IFRN/PTDEM, 2012, p. 62). Veja-se que a enunciação dos termos remete a algo que se pode “subtrair”, “tirar”77 da língua (domínio,

competência, informações, etc.).

É importante dizer que, embora o PTDEM privilegie o trabalho com a abordagem comunicativa nos cursos técnicos integrados (na modalidade regular e na modalidade EJA)78,

não haveria impedimento de se trabalhar essa abordagem nos cursos técnicos subsequentes. Entretanto, o próprio documento (PTDEM/IFRN, 2012, p. 66, grifo nosso) faz uma ressalva nesse sentido:

Para as turmas de cursos técnicos subsequente, em que se pressupõe que a formação propedêutica já se deu anteriormente, a ênfase fica não num conteúdo propriamente dito, mas na capacitação do aluno para lidar com elementos linguísticos específicos de cada curso, sejam diferentes gêneros textuais, sejam itens lexicais importantes para a compreensão das especificidades profissionais requeridas no curso. É importante ressaltar, a importância de um trabalho interdisciplinar envolvendo as disciplinas da área técnica.

77 Agradeço a professora Fabiele Stockmans De Nardi pela inspiração na formulação deste enunciado.

78 Os cursos técnicos integrados do IFRN possuem três modalidades. Duas delas são integradas ao Ensino Médio:

regular, para jovens que concluíram o Ensino Fundamental e EJA, para estudantes que não concluíram o Ensino Médio e desejam uma formação técnica; existe ainda a modalidade chamada de subsequente, para estudantes que concluíram o Ensino Médio e desejam uma formação técnica.

Ou seja, o efeito de capacitação (pela competência) trabalhado no capítulo anterior surge de modo privilegiado nos cursos subsequentes. O que se percebe pela leitura do PTDEM é, com efeito, um paradoxo: de um lado, na tentativa de dar autonomia e “flexibilidade” ao professor na implementação da proposta curricular do IFRN, não se teria uma identidade na proposta de ensino de Inglês, não se teria uma proposta institucional, o que acaba por dizer (aos professores): sugere-se a Abordagem Comunicativa, mas faculta-se outras abordagens/enfoques. Por outro lado, percebe-se, no fio do discurso, um tom normativo, como se ao professor coubesse a tarefa de “dar conta” do processo de aprendizagem dos estudantes: “para o professor de inglês dar conta do processo de ensino-aprendizagem de um fenômeno tão complexo, que é a língua/linguagem, faz-se pertinente que haja...” (IFRN/PTDEM, 2012, p. 59, grifo nosso). É como se, ao enfatizar a Abordagem Comunicativa, se quisesse “cobrar” dos professores o sucesso dos estudantes.

O que fica para nós, assim, é que esse sentido dominante da competência comunicativa ainda parece estar fundado numa discussão em que a noção de adquirir (a competência) vai sendo deslocada para a de aprender, ganhando força nesse espaço discursivo. Nele, a língua permanece com um sentido instrumental, mantendo aquela já exaustiva ideia do pensamento sobre a expressão. Aprender seria, neste caso, um processo criador, consciente e controlável, em que o sujeito é iludido pelo domínio da língua e suas condições de produção, mantendo-se assim a fixidez e a eficiência da língua como instrumento de comunicação, sem fissuras e sem ruídos (DE NARDI, 2007).

Dessa forma, a Abordagem Comunicativa é enfatizada na materialidade do DPC – LI, mostrando que, embora a função da Língua Inglesa no ensino técnico tem sido tradicionalmente pautado por um enfoque instrumental (como o PTDEM sugere para os cursos na modalidade subsequente), a competência comunicativa aparece de forma dominante, reafirmando o caráter paradoxal e sintomático de uma prática pedagógica sustentada numa visão de capacitar e não de formar pessoas, e de um ensino pautado pela busca incessante do domínio de um “veículo de comunicação para utilização em contextos reais nos quais a língua estrangeira seja necessária, fora da sala de aula” (GRIGOLETTO, 2003, p. 227).

Segundo Grigoletto (2003), enquanto um discurso sobre o ensino de língua estrangeira que é, a Abordagem Comunicativa também se expressa nos discursos da propaganda e do poder econômico, que por sua vez se fundam na globalização e na “necessidade de se encontrarem fórmulas” para a comunicação entre diferentes povos e para a circulação de bens materiais e culturais. A autora considera a Abordagem Comunicativa como extremamente reducionista, já que a concepção de língua que está em sua base (instrumento de comunicação) apaga a

dimensão discursiva da língua, e “implica escamotear toda uma gama de funções inerentes à existência das línguas e de relações entre a língua e o sujeito falante” (GRIGOLETTO, 2003, p. 228).

De fato, a concepção de língua como instrumento de comunicação é problemática e tem sido apontada também por Revuz (1998), para quem a língua é um objeto complexo, tanto no sentido de objeto de conhecimento intelectual como no sentido de objeto de uma prática. Prática que também é, ela mesma, complexa, já que envolve três dimensões da pessoa: a dimensão do eu (mobilização dos modos de relacionar-se com os outros), a dimensão corporal (mobiliza o aparelho fonador), e a dimensão cognitiva (mobiliza conhecimentos da estrutura da língua). Uma não conexão entre essas três dimensões, segundo a autora, pode afetar o sucesso da aprendizagem de línguas estrangeiras.

Entretanto, para além de uma desconexão entre essas dimensões, o que explicaria o insucesso na aprendizagem, afirma Revuz (1998), seria uma hipótese mais fundamental e que desautoriza uma concepção de língua como um simples instrumento de comunicação: é que no processo de aprendizagem de uma língua estrangeira solicita-se as bases mesmas de estruturação psíquica do aprendiz por meio de sua língua materna, que é, a um só tempo, instrumento e matéria dessa estruturação. Ou seja, o contato com outra língua inevitavelmente traz perturbações, questionamentos, deslocamentos daquilo que já estava previamente inscrito na estrutura da língua materna do aprendiz.

A língua, nesses termos, não seria um objeto do saber, mas “o material fundador de nosso psiquismo e de nossa vida relacional” (REVUZ, 1998, p. 217) e a interferência de qualquer outra língua nesse material fundador causa transtornos. É por isso que não se deve falar em experiência numa língua a partir de uma concepção que a considere somente como um instrumento de comunicação. Sendo assim, consideramos que a ênfase nesse caráter comunicativo, que se vincula a uma concepção de língua como instrumento de comunicação, se reveste ainda de um efeito ideológico que desconsidera a ligação entre a prática política e o discurso.

A competência trabalhada a partir da Abordagem Comunicativa vai ganhando, portanto, um efeito de sentido de competência comunicativa no DPC – LI, ou seja, pela AC a competência é prolongada enquanto um discurso sobre o ensino de língua estrangeira e sendo comumente relacionada ao ensino da língua falada. Isso porque, ao expressar sua dominância no espaço discursivo da formação em língua estrangeira, a Abordagem Comunicativa vai reclamar o domínio, o desenvolvimento da competência dos estudantes em saber falar a língua. O modo que isso aparece materializado nos objetivos, conteúdos e métodos formativos é uma tarefa

sobre a qual nos deteremos, mas não sem antes apresentarmos algumas abordagens (aqui entendidas como discursos) vinculadas ao ensino de inglês.