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5 OS EFEITOS DE SENTIDO EM TORNO DA NOÇÃO DE

5.2 O FUNCIONAMENTO DA HIPERONÍMIA E DA HIPONÍMIA: OS

5.2.2 A competência como hiperônimo de gestão empresarial, eficiente

Segundo Nogueira (2015), o discurso da gestão empresarial está presente também em universidades e escolas. Em nossa análise, isso pode ser observado pela proliferação de um léxico de gestão empresarial (e aqui se inclui termos como gestão eficiente e participativa) que funciona, ao nosso ver, englobado pela noção de competência, por meio de uma relação de

hiperonímia. É precisamente esse discurso que tem circulado no espaço enunciativo do IFRN:

gestão eficiente e participativa.

A partir da circulação desse discurso, como vimos na sequência 5.1 acima (“Coordenação de desenvolvimento de pessoal investirá em capacitação e otimização de recursos”) e como veremos nas SDs abaixo, observa-se a circulação de expressões derivadas desse discurso: “gestão por projetos”, “gestão por objetivos”, “gestão para resultados”, “gestão de riscos”, etc., expressões amplamente utilizadas no espaço institucional e que remetem a uma literatura empresarial. Ou seja, são reescriturações do discurso de gestão empresarial que se tornaram formulaicas também no Discurso da Formação Profissional, sobretudo funcionando com “um certo estatuto de cientificidade, pois esse discurso é vinculado às instituições de ensino obtendo assim essa legitimidade do saber cientifico-escolar” (NOGUEIRA, 2015, p. 33). Tomemos, para mostrar esse léxico empresarial, a sequência discursiva 5.3 abaixo:

SD. 5.3

As expressões sublinhadas – “gestão de riscos”, “capacidade preditiva”, “gestão para resultados”, e “eficiência em tudo que fazemos” – pelo discurso, remetem a uma gestão dita empresarial, isto é, voltada para a aferição de resultados, controle, avaliação por índices de produtividade, competitividade e a racionalidade do mundo econômico” (ARRUDA, 2011, p. 119) sobre a qual está baseada a gestão pública.

“Como é que eu consigo fazer mais com menos?”, “Eficiência em tudo que fazemos” são enunciados que estão constantemente eclodindo na discursividade do arquivo e que, para nós, vincula-se de modo particular ao discurso da competência. Ou seja, há aí fortes laços entre uma dita gestão empresarial e a discursividade da competência. A questão central, do nosso ponto de vista, é a repetição quase que exaustiva desse léxico no espaço enunciativo do IFRN. Ou seja, toda essa literatura faz trabalhar a ideia, na discursividade do arquivo, de que a

formação humana e integral advogada nos documentos institucionais, vincula-se, a partir da noção de competência, à processos de gestão, traduzindo-se em um apagamento do lugar próprio do político.

Para mostrar esse apagamento, consideramos necessário tomar esses dizeres na materialidade documental do nosso arquivo para trazermos um recorte mais específico desta análise: veja-se que a sequência abaixo (SD 1.2), retirada do documento de 1997, na altura das páginas 41/42, ao fazer uma alusão aos obstáculos com os quais se defronta a então ETFRN, enuncia:

SD 1.2 – “Por essa razão [obstáculos com os quais se defronta a ETFRN], impõe-se, nesse

aspecto, um conjunto de prioridades tais como: reordenamento e racionalização do espaço físico e da estrutura organizacional, diante da necessidade de redimensionamento da função social e dos objetivos da Escola, e de uma concepção universalista de ciência; definição de padrões de qualidade que norteiem o funcionamento da Instituição; criação de mecanismos que

garantam a clareza, rapidez, eficiência e socialização das informações; recomposição dos

diversos órgãos, revisão das competências e reaglutinação de processos e ações administrativas e pedagógicas. Enfim, a concretização dessas prioridades implica a adoção de

novas formas de gerenciamento, embasadas em padrões de qualidade e em uma filosofia participativa” (p. 41 - 42, grifo nosso)

Para melhor compreendermos a sequência acima, parece-nos perfeitamente possível reescrevermos o “conjunto de prioridades” e “necessidades” do enunciado da forma que segue:

Prioridades Por causa da/de:

A - Reordenamento e racionalização do espaço físico

• Necessidade de redimensionamento da função social da escola;

• Necessidade de redimensionamento dos objetivos da escola;

• De uma concepção universalista de ciência

B - Reordenamento e racionalização da estrutura organizacional

C - Definição de padrões de qualidade D - Criação de mecanismos que garantam a clareza, rapidez, eficiência e socialização das informações

F - Revisão das competências

G - Reaglutinação de processos e ações administrativas e pedagógicas

O que esta sequência nos traz? Primeiramente, gostaríamos situá-la no documento de 1997 e dizer que ela está localizada numa seção chamada “Necessidades, Potencialidades, e Prioridades da ETFERN” (p. 40), que vem logo após uma apresentação da estrutura global e do funcionamento da escola. Ou seja, após a exposição de algumas dificuldades, há a intenção de, atendida a disponibilidade orçamentaria, prospectar ações futuras. Essas ações (prioridades), que se nos mostram por meio de enumerações (reordenamento e racionamento, definição de padrões, criação de mecanismos, recomposição, revisão, etc.), tem um tom de “essenciais” para o funcionamento da escola, já que são consideradas “prioridades”. Ao nosso ver, tomadas em seu conjunto, essas ações levam à “adoção de formas de gerenciamento” e são comprometidas com uma literatura empresarial. Contendo outras enumerações em seu interior, conforme visto no quadro acima, essas prioridades são:

A- Reordenar espaço e estrutura B- Racionalizar espaço

C- Definir padrões D- Recompor órgãos E- Rever as competências F- Reaglutinar processos

O que chama nossa atenção a partir dessas enumerações é a questão de se “rever as competências” imersa nesse vocabulário empresarial. Entendemos que “as competências” aqui não estão vinculadas somente ao fazer de um determinado setor ou agente institucional (delegar algo à alguém) e que necessitam ser revistas, mas fazem laço com todo um vocabulário que faz surgir, pelo discurso, uma ideia de unidade, de um todo organizacional, sem dificuldades, sem conflitos. Há, assim, um apagamento dos conflitos. “As competências”, dessa forma, figuram como elemento integrante de um conjunto lexical centrado numa literatura empresarial, e no interior de uma seção que diz: isto é uma “necessidade”, uma “prioridade” para a escola. O “simples” encaixe da discursividade da competência nesse conjunto pode ser lida como um dos aspectos integrantes da literatura do mundo produtivo. Ou seja, essa discursividade não está ali aleatoriamente, há uma ligação, um laço entre cada um dos itens dessa enumeração. Para se concretizar a “revisão das competências”, dessa forma, é necessário a “adoção de novas formas de gerenciamento, embasadas em padrões de qualidade e em uma filosofia participativa”. O

próprio lugar em que aparece no documento mostra isso: é uma “necessidade”, uma potencialidade, enfim, uma “prioridade”.

O documento de 1997, nesse passo, demonstra seu comprometimento com “o desenvolvimento de competências técnico-profissionais que ensejem ao indivíduo a compreensão do processo produtivo” (ETFERN, 1997, p. 41), mas o que fica a partir disso é o fato desse “desenvolvimento de competências” aparecer reiteradamente vinculado à um léxico empresarial. E isso pode tornar-se ainda mais visível quando refletirmos, mais à frente neste capítulo, sobre outros efeitos de sentido do discurso da competência, principalmente aquele vinculado ao termo flexibilização (ou flexibilidade), em que o léxico empresarial que estamos tratando aqui pode ser mais detidamente ilustrado. Por ora, faz-se importante comentarmos o que se diz na SD 2.1 abaixo em relação às “novas formas de organização do trabalho”:

SD 2.1 – “Convém reafirmar que a atual legislação educacional visa a atender às necessidades das novas formas de organização do trabalho. Ao Centro Federal de Educação

Tecnológica do Rio Grande do Norte, cabe o desafio de operacionalizá-la com eficiência e

eficácia, contribuindo, dessa forma, para a formação de profissionais, cujas competências

básicas, habilidades, atitudes e padrões de comportamento ético preencham as demandas do mundo produtivo e da sociedade” (p. 85, grifo nosso)

Como se vê, o CEFET/RN posiciona-se como um elo entre as “novas formas de organização do trabalho” e o desenvolvimento de “competências básicas, habilidades, atitudes e padrões de comportamento ético [que] preencham as demandas do mundo produtivo e da sociedade”. Veja-se que, se retirarmos da sequência acima apenas as expressões grifadas (grifo nosso), torna-se bastante visível a incidência do discurso da competência no enunciado da sequência. É que as “novas formas de organização do trabalho” reclamam a “operacionalização”, com “eficiência e eficácia”, das “competências básicas, habilidades, atitudes e padrões de comportamento ético [que] preencham as demandas do mundo produtivo e da sociedade”. Ou seja, cabe ao CEFET/RN a tarefa de suprir ações formativas demandadas pelo setor produtivo, implementando o que se lhe é dito pelos documentos norteadores elaborados pelo MEC, cujo teor tem fundação em discursividades ligadas ao capital.

Para avançarmos a análise, vale a pena lembrar que a sequência discursiva acima (SD 2.1) está presente no documento de 1999. Este documento foi elaborado após a reforma da Educação Profissional estabelecida pelo decreto 2.208/1997, que separava Ensino Médio e Educação Profissional e tinha o Discurso da Competência como emblema. Conforme mostramos no gráfico no início deste capítulo, não é à toa que no documento de 1999 a palavra competência aparece com uma frequência muito mais elevada em relação aos outros

documentos (102 ocorrências). Mas voltemos ao que a sequência nos traz: há uma sequência de acontecimentos tal que demonstra o comprometimento do CEFET/RN com o Discurso da Competência que acabamos de mencionar. Se dividirmos os períodos da sequência, por meio de seus verbos principais (aqui tomados na forma impessoal), teremos:

1. Reafirma-se (algo) – é conveniente reafirmar o atendimento a uma necessidade 2. Operacionaliza-se (com eficiência e eficácia) – cabe a alguém operacionalizar 3. Contribui-se (para a formação de profissionais [competentes]) – é importante a

contribuição do CEFET/RN.

De acordo com nosso ponto de vista, o que se inculca por meio da SD 2.1 é, uma vez atendida a legislação educacional, contribui-se para o desenvolvimento de “competências”, e estas devem (“cabem”) ser operacionalizadas pelo CEFET/RN. Nesse passo, veja que o termo competência aparece como uma enumeração no interior de um espectro discursivo: “habilidades”, “atitudes”, “padrões de comportamento [ético]”, ou seja, os termos demonstram, pelo discurso, equivalência sinonímica com o termo competência. Poderíamos assim dizer que competência (C), habilidades (H), atitudes (A) e padrões (P), demonstram uma simetria com “demandas do mundo produtivo e da sociedade”, aqui representado por (D). Mas essa simetria, ao nosso ver, também pode ser inversa, ou seja, de um modo tal que, pelo discurso, as “demandas do mundo produtivo e da sociedade” são também simétricas às competências, habilidades, atitudes, e padrões, num movimento de vai e vem, conforme pode-se observar na representação abaixo:

Competência, neste caso, é sinônimo de capacidades demonstráveis, isto é, capacidade de demonstrar “habilidade”, capacidade de demonstrar “atitude”, capacidade de demonstrar “padrões de comportamento”. Mas essas capacidades não servem apenas para serem demonstradas, elas devem “preencher as demandas do mundo produtivo e da sociedade”. A competência, nesses termos, é algo que deve ser operacionalizado de modo “eficiente e eficaz”, como se tivesse que ser depositada (no sujeito) conforme a demanda68.

Uma outra característica que chama nossa atenção é a presença da palavra “eficiência” tanto na SD 1.2 como na SD 2.1. Embora haja, ao nosso ver, uma breve mudança de referente

68 Trataremos, ainda neste capítulo, das “demandas do mundo produtivo e da sociedade”, tematizadas no interior

na “eficiência” da SD 1.2 quando relacionada com a “eficiência e eficácia” da SD 2.1 (a primeira se refere à eficiência de mecanismos criados pela escola e a segunda se refere à eficiente operacionalização de uma reforma educacional), consideramos que, pelo discurso, e não por uma divisão prévia do real, elas estão estreitamente relacionadas, e mais: esse elo é justamente estabelecido pela caracterização da competência enquanto um discurso presente nas duas SDs, nos dois documentos em que aparecem, escapando sua discursividade para os MDIs (conforme SD 5.3). Isso traduz-se, para nós, na interdiscursividade da competência no interior do arquivo.

Um aspecto ainda mais interessante de se observar e que se torna bastante presente para nós aqui nesta análise é a expressão que finaliza a SD 1.2, ou seja, “filosofia participativa”, que tem um deslizamento para “gestão participativa e coletiva”, pulverizadas no documento. Todos os elementos da enumeração que trabalhamos a partir da sequência 1.2, incluindo a “revisão das competências”, requerem “a adoção de novas formas de gerenciamento, embasadas em padrões de qualidade e em uma filosofia participativa”. Nenhum desses elementos enumerados deverá ser “concretizado” senão por meio dessa “nova forma de gerenciamento” que contém “padrões de qualidade” e uma dita “filosofia participativa”. Do nosso ponto de vista, o que aí se diz possibilita inferir que a competência é predicada, hierarquicamente, por “novas formas de gerenciamento”, que inclui, no seu interior, “padrões de qualidade” e “filosofia participativa”.

Esse jogo de encaixe entre “filosofia participativa”, “gestão participativa”, etc., traduz- se, para nós, num traço discursivo da competência funcionando com efeito de gestão empresarial. Subjaz a ele. Repousa, portanto, numa ideia da competência como promessa de valorização das potencialidades do trabalhador e é encarado como uma qualidade. Ou seja, espera-se muito mais do que a simples execução de tarefas, espera-se a aderência à uma forma de participação mais efetiva dos trabalhadores. O tema da participação, por isso mesmo, é “um dos temas mais abundantes na literatura de gestão empresarial” da atualidade (BERNARDO, 2006, p. 81 - 82).

Segundo Bernardo (2006, p. 84), há uma forte transformação no vocabulário, sobretudo em relação à cargos e funções. Essa transformação, que para nós é também uma transformação discursiva, pode ser percebida na SD 1.2 acima pelas expressões “criação de mecanismos”, “recomposição dos diversos órgãos”, “revisão das competências”, “reaglutinação de processos”, e tornando mais robustos os traços da competência perpassada pelo discurso da gestão/participação. Palavras como colaborador (e não empregado), gestor (e não diretor), segundo Bernardo (2006, p. 84), surgem como argumento para melhorar o “clima

organizacional”, expressão que, para nós, aparece associada às necessidades requeridas pelas demandas do mercado.

Numa perspectiva discursiva, o tema da participação também é tratado por Nogueira (2015, p. 32), que afirma o papel fundamental da temática para a chamada “revolução na gestão”. A autora se fundamenta na teoria da administração participativa de Chiavenato (1993) para dizer que uma dita administração por objetivos (APO), exaustivamente difundida nos Estados Unidos como uma “filosofia de trabalho”, impunha aos funcionários responsabilidades que eles não desejavam, sendo apenas uma manobra para aumentar sua carga de trabalho. Mesmo tendo saído “da ordem do dia”, conforme a autora, alguns conceitos da administração participativa foram retomados nos anos 80.

A partir dessa retomada, inculca-se uma espécie de “abertura participativa e reflexiva” (BERNADRO, 2006, p. 83) nas empresas e, pouco a pouco, em repartições públicas. A ideia é que cada trabalhador não deve estar interessado apenas em defender seu ponto de vista, mas, principalmente, em ouvir os argumentos do outro. Ao se adotar uma linguagem “idealizada e romântica” (BERNARDO, 2006, p. 83), apaga-se o caráter conflituoso existente na relação Capital-Trabalho. Consideramos que, a partir do modo que se formula a competência na materialidade do arquivo, é justamente essa a ideia de filosofia de trabalho que ecoa nos dizeres de “gestão de participativa”. A ideia de gestão empresarial, eficiente e democrática, portanto, traduz-se aqui como um efeito de sentido da competência enquanto uma discursividade no/do arquivo.