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6 O EFEITO DE SENTIDO EM TORNO DA NOÇÃO DE COMPETÊNCIA

6.4 A CRÍTICA AO CONSTRUTO DA COMPETÊNCIA COMUNICATIVA

O trabalho de Coste (1988) é representativo dessa crítica à noção de competência comunicativa. O autor, a partir de uma perspectiva discursiva, já no início de seu trabalho, adverte que a didática de línguas é uma forte consumidara de conceitos provenientes de outros campos teóricos, como assim o fez com a questão da competência comunicativa porposta pelos etnolinguistas americanos. Ao propor uma abordagem para o ensino de leitura em língua estrangeira, Coste (1988, p. 11) aponta o que chama de “deslizes” ao se interpretar a competência comunicativa. Os três principais deslizes interpretativos que surgem de maneira

latente ao se tratar da competência comunicativa, segundo o autor são: (a) tendência em se reduzir a competência comunicativa à mera capacidade de conversação verbal entre interlocutores; (b) a consideração da competência comunicativa como uma “totaldiade única”, em que, a exemplo do modelo Chomskiano, todos os locutores de uma determinada língua teriam a mesma competência linguística; e (c) a tendencia de separação categórica entre competência comunicativa e competência linguística, como se tivessem relação de parentesco, mas não se imbricassem.

Segundo ao autor, esses “malentendidos” acerca da noção de competência comunicativa podem contribuir para à reflexão sobre o processo de ensino, não só de leitura, mas de toda atividade comunicativa em língua estrangeira. Para isso propõe alguns componentes, como por exemplo, a capacidade linguística, textual, relacional e referencial. De nossa parte, consideramos que esses deslizes podem levar à um efeito de homogeneização da língua, já que não se permite “fissuras”, não se permite quebra (breakdowns) na conversação e no discurso, não se tem abertura para o não dito, reafirmando a ilusão de uma língua homogênea a serviço de uma comunicação sem ruídos.

Em uma outra crítica às visões normativas da competência comunicativa que dominaram o cenário do ensino de língua nas décadas de 1980 e 1990, Norton Pierce (1989, p. 406) afirma que, mesmo considerando-se a importância das “regras de uso” da língua propostas por Hymes (1979), não se pode esquecer de explorar “a que interesses essas regras servem” (NORTON PIERCE, 1989, p. 406). Muitas vezes, inclusive, elas podem ser consideradas inadequadas quando se trata do “silenciamento” que aprendizes de língua podem demonstrar. Ao elaborar uma serie de questões sobre essas regras de uso, a autora acentua que o que é considerado apropriado não é evidente por si mesmo, mas devem ser compreendidos com referência à relações injustas de poder entre os interlocutores. Por esta razão, Norton Pierce (1989) considera problemática a noção de competência comunicativa, interação social, e comportamento social, já que qualquer interação social, para a pesquisadora, deve ser compreendida com referência à relações de poder.

Norton (2000) aponta as limitações que a noção de competência comunicativa tem ganhado em países fora do contexto Norte-Americano/Europeu, em que a abordagem comunicativa para o ensino de língua é frequentemente associada ao quadro teórico elaborado por Canale e Swain (1980). Para a autora, embora essas teorias tradicionais tenham demonstrado profundo efeito no ensino de língua, é interessante notar as inovações no ensino alcançadas por meio da crítica à quadros curriculares dominantes. Na África do Sul, por

exemplo, os princípios de aprendizagem vão além daqueles do ESL/EFL85 para incluir o reconhecimento da natureza política da língua e uma reconceitualização da competência na língua. Já no contexto Chinês, mesmo que se considere a abordagem comunicativa apropriada para estudantes que planejam estudar em países cuja língua falada é o Inglês, essa abordagem não é apropriada para estudantes que vivem na China, já que utilizam a língua de forma instrumental.

Se ocupando de uma leitura discursiva do termo competência comunicativa nos manuais didáticos para o ensino de Língua Espanhola, De Nardi (2011) afirma ser recorrente a menção, explícita ou não, da construção da competência comunicativa como um objeto a ser alcançado para se chegar a um determinado efeito comunicativo. Embora não trate especificamente do ensino de Inglês, para a autora, a competência comunicativa, conforme tem sido longamente apropriada pela linguística aplicada, ou seja, como uma totalidade única, fechada e que não dá brechas para as diferenças subjetivas em uma mesma comunidade, leva a homogeneização da língua e de seus falantes em relação às possíveis situações de comunicação, trazendo implicações para os objetivos do ensino. Portanto, ao nos afastarmos dessa fixidez com que tem sido abordada a competência comunicativa, reafirmamos, junto com De Nardi (2007), a possibilidade de ação, nos diferentes espaços discursivos, através da língua e observar a multiplicidade discursiva inerente às relações sociais.

Portanto, argumentamos que, após quase meio século das primeiras teorizações acerca da noção de competência comunicativa, repensar de que modo esse discurso ecoa no DPC – LI do IFRN torna-se vital para se refletir o ensino de língua na Educação Professional de modo geral, de tal forma que se exige cada vez mais o engajamento discursivo dos sujeitos com o intuito de possibilitar o pensamento crítico sobre a Língua Inglesa e a consequente ressignificação de saberes socialmente construídos. Todas as modificações pelas quais o termo tem passando ao longo dos anos parece ter fabricado discursos outros que possibilitam a criação e propagação de pensamentos tidos como “corretos” e/ou “donos” de uma pseudoverdade que pode ser a origem de ideologias excludentes (como a do capital, por exemplo).

Dessa forma, acreditamos que nossa leitura discursiva da noção de competência e, sobretudo, de competência comunicativa, traduz-se na possibilidade de uma mudança social, educacional e institucional no espaço da formação profissional e do ensino de língua, de modo que o simples fato de evocarmos a temática da competência no interior do DPC – LI já é um modo específico de lê-las. É para essa leitura que nos dirigimos neste momento.

6.5 O COMPONENTE CURRICULAR LÍNGUA INGLESA NA MATERIALIDADE DO