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PARTE I – De igreja de Santa Maria da Praça a Catedral

4. A Sé entre os finais de Quinhentos e a primeira metade de Seiscentos

4.1. A acção do primeiro titular do bispado de Elvas,

de Morales

A eleição do primeiro bispo de Elvas recaiu sobre a figura de D. António Mendes de Carvalho, nomeado para o cargo por D. Sebastião.

Natural de Caminha, segundo alguns autores, ou do concelho de Coura, segundo outros,114 D. António de Carvalho cursou a Universidade de Paris “…onde se fez consumado Latino, & grão Theologo…”115

Em 1548, veio, pela mão de D. João III, para Coimbra, para ministrar as cadeiras de Latim e Grego nas Escolas Menores, e, posteriormente, exerceria as funções de abade de São Miguel de Rebordosa (bispado do Porto).116

Depois de consagrado em Setembro de 1571 no Mosteiro de São Vicente de Fora (Lisboa), o bispo D. António Mendes de Carvalho fez a sua entrada solene em Elvas a 23 de Outubro seguinte, celebrando sínodo a 7 de Outubro de 1572, do qual resultou, com alguns aditamentos, a aprovação das Constituições do Arcebispado de Évora para regerem a diocese raiana.117

Nos finais da década de 80, empreendeu a tarefa de erguer o paço espicopal, junto ao Arco do Bispo, nas proximidades da Sé, na actual Rua André Gonçalves:

“Fez as cazas Episcopaes q lhe custarão mais de dezeseis mil cruzados, em mui bom sitio, com alegres vistas, com pateos, torres, & varandas de pedra marmore, com tam fermosos, & alterosos aposentos, que com verdade se pode affirmar, que poucos Paços dos Prelados de Portugal fazem ventagem aos dos Bispos de Eluas.”118

Mas fora na década precedente que o proto-prelado elvense levara por diante uma obra magna: o retábulo-mor da Sé, encomendado ao célebre pintor Luís de

114 Cfr. Francisco de Paula SANTA CLARA, “D. António Mendes de Carvalho”, in Victorino

d‟ALMADA, Elementos para um Diccionario de Geographia e Historia Portugueza, Concelho d’Elvas e

extinctos de Barbacena, Villa-Boím e Villa Fernando, op. cit., vol. 2, pp. 166-167.

115 António Gonçalves de NOVAIS, op. cit., fl. 8.

116 Francisco de Paula SANTA CLARA, “D. António Mendes de Carvalho”, op. cit., pp. 167-168. 117

Cfr. ibidem, pp. 167-170.

Morales, El Divino, com oficina aberta na vizinha cidade de Badajoz, a partir de 1539.119

Já desde 1545 que o Livro de Visitações da Igreja de Nossa Senhora da Praça regista o propósito de se fazer o retábulo-mor, havendo a notícia de que a obra de marcenaria e de talha já devia estar pronta e instalada no início de 1570, com o respectivo sacrário e a imagem de vulto da Virgem (esta provavelmente proveniente da anterior igreja de Nossa Senhora dos Açougues). Foi portanto longa e difícil a obra do retábulo – tornada ainda mais premente aquando da ascensão da igreja a sede episcopal -, com desfecho definitivo graças a D. António Mendes de Carvalho.

Com efeito, o pintor castelhano seria contratado pelo bispo a 21 de Janeiro de 1576 para pintar e dourar o retábulo, pelo elevado preço de 1000 ducados – só comparável, em termos de quantia dispendida, ao desaparecido retábulo da estremenha igreja matriz de Alconchel (1566), do mesmo pintor, também orçado em 1000 ducados - , ficando previsto que a obra cessasse dentro de ano e meio. Todavia, a empreitada arrastou-se até 1579, data inscrita numa das tábuas da máquina retabular (Apresentação no Templo).120 Como nota Vítor Serrão, tal atraso pode dever-se “…ao ascenso de encomendas na oficina do velho pintor, mas revela também a atenção com que Morales a seguia, optando por uma direcção atenta ao invés de a abandonar à responsabilidade dos colaboradores como noutros casos de «encomendas menores».”121

A escolha de Morales justifica-se com certeza pela fama que este granjeava, sendo “…suficientemente grande para que se preterissem pintores de Lisboa (como Salzedo, Venegas ou Gaspar Dias), tanto mais que a proximidade de Badajoz constituía um garante de melhor acompanhamento da obra.”122

O elevado preço da obra deve ter constituído um grave esforço financeiro para a Fábrica da Sé, cujos rendimentos não eram avultados.123 Além disso, havia que fazer

119 Acerca do retábulo moralesco da Sé, ver Vítor SERRÃO, “A actividade do pintor Luís de Morales. El

Divino em Elvas e Portalegre (1576-1585)”, in A Cidade, Revista Cultural de Portalegre, n.º 12 (Nova

Série), 1998, Atelier de Artes Plásticas de Portalegre, pp. 49-56; idem, “Caminhos Lusitanos do Divino Morales. A actividade do pintor em Évora, Elvas e Portalegre, 1564-1585”, op. cit., pp. 79-91.

120 Cfr. idem, “Caminhos Lusitanos do Divino Morales. A actividade do pintor em Évora, Elvas e

Portalegre, 1564-1585”, op. cit., pp. 82-83.

121

Ibidem, p. 83.

122 Ibidem, p. 80.

123

“Os fructos desmembrados da Mesa Archiepiscopal d‟Evora não entravam na fazenda do Cabido d‟Elvas durante a vida do Arcebispo metropolitano D. João de Mello.

As rendas do arcediago d‟Olivença, oneradas com varias pensões, não se tornavam effectivas, em quanto vivessem os beneficiados. E da mesma sorte as rendas do extincto priorado da Matriz, em que se incluiam seis rações para os beneficiados da Collegiada, ainda que montavam a 540$000 reis, tinham

diversas despesas com alfaias de prata, vestimentas e outros ornamentos, o que levou o bispo a requerer ao papa a suspensão do provimento dos benefícios da Sé pelo tempo de dois anos, para que as rendas do cabido fossem destinadas a esses importes. A súplica foi atendida pela Cúria Romana por um bula de 19 de Fevereiro de 1575 e por uma outra, de 20 de Julho de 1576, que alongava por mais um ano essa medida.124

A máquina retabular foi removida na década de 1730, durante os trabalhos de edificação da nova capela-mor, empreendida pelo cabido em sede vacante, tendo sobrevivido seis tábuas. Dos painéis remanescentes, três deles encontram-se no Museu de Arte Sacra de Elvas, Casa do Cabido (Assunção da Virgem, Encontro de Sant’Ana e São Joaquim na Porta Dourada, Anunciação (figs. 200, 201)) e os restantes na sacristia da antiga igreja dos jesuítas (Visitação, Apresentação no Templo, Adoração dos Magos (figs. 202-204). Conforme sugere Vítor Serrão, tendo em conta a coerência do programa iconográfico do conjunto pictórico, é crível que dele fizesse parte um perdido painel versando a Adoração dos Pastores.125

Mau grado as disparidades de intervenções a indiciarem uma participação mais activa de colaboradores da oficina moralesca, algumas das tábuas que subsistiram são de grande qualidade, como a Visitação ou a Virgem da Anunciação, estas denunciadoras da acção exclusiva do pincel de Morales.126

Nos primeiros meses de 1581, o último grande retábulo do velho Morales já pôde ser observado diariamente pelo monarca Filipe I de Portugal, aquando da sua estadia em Elvas antes de se dirigir para as Cortes de Tomar: “Todo o tempo que a Magestade delRey Dõ Philippe primeiro esteue nesta Cidade, que foi mais de três mezes, lhe seruio esta Sê de Capella Real, nella ouuia sempre Missa & os mais officios diuinos, porque entre ella, & o Paço não hauia mais q o a trauessar hüa rua…”127

d‟accrescer á Mesa Capitular tarde, pouco a pouco, e á proporção que fossem desapparecendo os proprietarios, aos quais pela bulla eram conservadas em vida as rações por inteiro.

Demais, surgiam questões e litigios, que, levando tempo, segundo costuma succeder, obrigavam a grandes gastos a Mesa Capitular.” (Francisco de Paula SANTA CLARA, “D. António Mendes de Carvalho”, op. cit., p. 170).

124

Cfr. ibidem, p. 171.

125 Cfr. Vítor SERRÃO, “Caminhos Lusitanos do Divino Morales. A actividade do pintor em Évora,

Elvas e Portalegre, 1564-1585”, op. cit., p. 91.

126

Cfr. ibidem, p. 86.