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PARTE II – A obra setecentista na Sé

3. A edificação da nova capela-mor

3.1. Do início à suspensão das obras (1735-1738)

Com a morte do bispo D. João de Sousa Castelo Branco, a 17 de Março de 1728,345 ficou vaga a cadeira episcopal da diocese de Elvas. Anos depois, em 1734, através dos “…redditos e fructos da meza episcopal juntos, e depozitados durante a larga vacancia da…” Sé (doc. 40), o cabido em sede vacante tomou a decisão de desmantelar a capela-mor seiscentista da sua Catedral, desenhada por Pero Vaz Pereira e Manuel Ribeiro, substituindo-a por um novo presbitério. Para o efeito, no dia 10 de Setembro desse ano, acordou que se escrevesse “…ao vigario geral dos Agostinhos Descalsos Frei Antonio dos Rejs para se[?] remeter o irmão Frei João da Piedade para nos fazer huma planta para a obra da capela mor” (doc. 12). O arquitecto Frei João da Piedade já era bem conhecido do cabido, pois a 16 de Dezembro de 1728 se lhe havia pago 19.200 réis

“…por premio de hüa planta que fes para se reformar a escada da porta principal da

Sé por se achar com muitos degraos quebrados e mal andamoza[?] intentandose restituilla a milhor forma para ocazião da emtrada que El Rey Nosso Senhor fes com a familia Real na mesma Sé na ocazião das pasagens o que não teve efeito por se abreviar a vinda do mesmo Senhor e não ter cabido no tempo” (doc. 10).

Em 1 Março de 1735, o altar-mor já se encontrava inactivo, dado que na sessão desse dia se acordou “…que visto acharse o altar mayor fora de seu lugar e não se poder fazer com decencia a exposição na novena de São Joseph se fizesse esta na sua capella sem exposição cantandose lhe hüa ladainha...”346

Não foi, todavia, Frei João da Piedade quem rematou o projecto, visto que a 8 de Março desse ano, o cabido assentou que indo o deão à vila de Campo Maior, este

“…se informasse de hü architeto que ali se acha, e achando ser pessoa capas de se fiar

delle o pitipe[?] da obra da capella maior que se intenta, o ajustasse para que viesse formar juizo da obra, e fazer o mais que fosse necessario para se lhe dar principio e se lhe daria o premio que fosse justo” (doc. 13).

345 Cfr. ACP, Bispado de Elvas, Livro 8.º dos Acórdos do Reverendo Cabido, 1694 ate 1727, fl. 67v. O

prelado foi sepultado na capela-mor, no lado do Evangelho. (Cfr. ACP, Bispado de Elvas, Livro 9.º dos

Acordaos do Reverendo Cabido, de 1727 ate 1741, p. 15).

Assim aconteceu, e o arquitecto era Sebastião Soares – que nesse período se encontraria na construção da igreja de São João Baptista daquela vila alentejana347 – tendo logo, a 11 de Abril de 1735, recebido 14.400 réis pela planta que fizera para a nova capela-mor elvense (doc. 14).

A 2 de Maio, apelava-se ao deão que o cabido reunisse “…para se tomar resolução sobre a obra da capella mayor…” (doc. 15). No dia 12 do mesmo mês, o cabido acordou

“…que visto estarem alguns senhores capitulares impedidos por doensa, e outros fora

da cidade, e se não poder chamar Cabido como esta determinado no acórdão supra, e não ser conveniente dilatar algumas rezoluçois que devem proceder antes de se entrar a obra da capella maior, se nomeava o Senhor Deão, e o Senhor Pacheco para que disponhão o que fosse necessario mandando chamar os architectos e com minuação destes[?] preparando o mais que lhe parecer conveniente” (doc. 16).

A 23 de Julho o cabido deliberou que “…se fizese, e continuase a obra da capella mayor na forma da planta dos arquitetos por se ter avriguado estar tudo pela melhor diresão…” e que o deão e o cónego Pacheco continuassem como intendentes da obra (doc. 17).

Apesar de os acórdãos citados falarem em “arquitectos”, o certo é que, como veremos, através da análise da documentação apenas o nome de Sebastião Soares surge como o indiscutível autor da obra.

Em Junho de 1735, já haviam começado os preparativos para a campanha de obras, tendo-se procedido à construção de um “telhejro” no “patio da crasta” da Sé para abrigar tanto os materiais como os trabalhadores, como se depreende de várias despesas efectuadas no dia 20 desse mês e ano relacionadas com trabalhadores e com diversos materiais - como madeiras, pregos, etc. – destinados ao dito telheiro.348

De 23 de Julho 1735 data a primeira relação de despesa (assinada por Sebastião Soares) com os trabalhadores ocupados na edificação da nova ousia: 8 canteiros e um servente (doc. 18). A partir desta data até à suspensão da obra, ocorrida em Janeiro de

347 Cfr. Luiz Couceiro da COSTA, Memorias Militares de Campo Maior, Elvas, Editor António José

Torres de Carvalho, 1912, p. 31.

348

Cfr. ACP, Bispado de Elvas, Maço 11, Processo16, Despesas com a obra da capela-mor da Sé,

Relação de despesas com trabalhadores e materiais para a construção do telheiro, 20 de Junho de 1735;

Documento 17, Relasão das despezas que se fizerão com as obras da cappela mor athe que se

suspenderão por ordem de Sua Magestade participada pello Sacratario de Estado que forão carregadas no mapa e se individuão na forma seguinte, 25 de Maio de 1741, fl. não numerado.

1738 (doc. 36), a campanha prosseguiu sem interrupções.349 Na última semana de Julho de 1735, começa a laborar o primeiro aprendiz no trabalho da pedraria.350 A 24 de Setembro de 1735, surge o primeiro burnidor de pedra.351 Os serradores de pedraria só iniciariam a sua participação na segunda metade de Fevereiro de 1736. Entre Agosto de 1735 e princípios de Fevereiro de 1737 aparecem nas relações semanais serventes, “alveneos” e cabouqueiros.352

Pouco a pouco, o número de oficiais avoluma-se, atingindo o seu pico sobretudo no período compreendido entre os finais de 1736 e os finais de 1737, pelo que se pode aferir que esta foi a fase em que a obra registou um ritmo mais acentuado.353 Assim, por exemplo, na relação semanal de 27 de Julho de 1737, aparecem-nos a laborar na obra 60 trabalhadores: um escultor (Guilherme da Cruz), 25 canteiros, 8 aprendizes, 8 serradores e 18 bornidores (doc. 31).

Sebastião Soares e João Fernandes – ambos designados na documentação por mestres-de-obras - estavam à frente da edificação, rubricando as folhas semanais dos salários dos obreiros e os recibos.

Quando tudo parecia indicar que a obra da nova abside corria da melhor maneira, a 12 de Janeiro de 1738 ela foi mandada suspender por deliberação régia,354 parando no dia 20. Nesse sentido, em 20 de Agosto desse ano fez-se a derradeira despesa com o arquitecto:

“O Rendeiro da Mitra satisfaça ao Mestre Sebastiam Soares sete mil trezentos e vinte

reis procedidos do salario que venceu em vinte dias do mez de Janeiro de 738 dia em que parou a obra por ordem de Sua Magestade e porque vencia treze mil trezentos e vinte do dicto salario se lhe abatem seis mil reis do aluguer das cazas da Mitra em que assiste vencidos em Natal de sete centos e trinta e outo so se lhe deve satisfazer a quantia a cima dos sete mil trezentos e vinte, que com recibo se lhe levarão em conta”

(doc. 36).

Este mesmo gasto foi lançado num outro documento, mas com a data de 8 de Agosto: “7320 reis que se pagarão ao architeto Sebastião Soares pello resto do seu [ilegível] e ultimo ajuste de contas athe 20 de Janeiro de 1738 que foi despedido por se

349 Cfr. idem, Processos 3, 16, 18, 19, 20, 21, 22, Despesas com a obra da capela-mor da Sé; Documento

17, Relasão das despezas que se fizerão com as obras da cappela mor athe que se suspenderão por

ordem de Sua Magestade participada pello Sacratario de Estado que forão carregadas no mapa e se individuão na forma seguinte, 25 de Maio de 1741.

350 Cfr. idem, Processo 16, Despesas com a obra da capela-mor da Sé, Relação da semana que terminou

a 30 de Julho de 1735.

351

Cfr. idem, Relação da semana que terminou a 24 de Setembro de 1735.

352 Cfr. idem, Processos 16, 19, 21, 22, Despesas com a obra da capela-mor da Sé. 353 Cfr. ibidem.

354

Cfr. Francisco de Paula SANTA CLARA, “D. Balthasar de Faria Villas-Bôas e Sampayo”, op. cit., p. 43.

suspender a obra da cappela mor por ordem de Sua Magestade participada pella Sacrataria de Estado."355

Embargada a obra, a situação agravou-se quando o cabido teve de pagar à Patriarcal de Lisboa 16.034.165 reis das terças,356 ficando, então, o cofre da diocese exaurido (doc. 40).

De facto, D. João V conhecia bem a capela-mor seiscentista da Sé. O monarca estivera duas vezes em Elvas, a primeira em 1716, na sequência de uma visita às praças do Alentejo,357 e a segunda na ocasião da celebrada Troca das Princesas no Caia.358 Nunca foi do seu agrado que se tivesse procedido à sua demolição, como se constata por uma carta enviada ao cabido raiano, a 10 de Abril de 1738, na qual se diz:

“Pello que toca a obra da capella mor, Sua Magestade que a vio, entende que

sem necessidade algüa a mandou Vossa Senhoria desfazer de todo para fabricala de novo, e por ora não julga o mesmo ser conveniente que se prosiga esta obra, nem outra algüa despeza, que não for indispensavelmente preciza, mas somente que mande Vossa Senhoria hum orçamento do que custará para concluirse de todo a obra da capella mor” (doc. 35).

Em 29 de Março de 1740, fez-se uma despesa com o “mestre alvane” João Cordeiro da Silva relacionada com o “…desmancho dos tilheiros que se fizerão no adro

355 ACP, Bispado de Elvas, Maço 11, Documento 17, Relasão das despezas que se fizerão com as obras

da cappela mor athe que se suspenderão por ordem de Sua Magestade participada pello Sacratario de Estado que forão carregadas no mapa e se individuão na forma seguinte, 25 de Maio de 1741, fl. não

numerado.

356

Francisco de Paula SANTA CLARA, “D. Balthasar de Faria Villas-Bôas e Sampayo”, op. cit. p. 43.

357

Cfr. Fr. Agostinho de SANTA MARIA, op. cit., vol. 7, p. 391.

358 Em 1729: “Em Cabido de 18 de Janeiro se acordou se asentase neste livro dos acordãos o modo

como recebemos a Sua Magestade e mais pesoas reaes, o que pasou na forma seguinte. Aos 16 de Janeiro deste prezente anno â noite depois de ave marias. Estava o Reverendo Cabido de fora da ultima Porta de Olivença com toda a comunidade, e capetullares, deitado hum tapete com 5 almofadas, e o Reverendo Senhor Deão com capa de asperges, chegou Sua Magestade a Senhora Rainha, a Senhora Princeza das Asturias, o Senhor Principe do Brasil o Senhor Jnfante D. Francisco o Senhor Jnfante D. Antonio, e tambem o Senhor Jnfante D. Pedro, todos em hum coche, e apeados o Senhor Deão lhe deu a beijar a crus, e depois nos mandou retirar para a Sê, e foi sem ordem de procisão pella muita confusão das carruagens, e chegando â Sê, onde se costuma per o guardavento, estavão outras tantas almofadas emsima de hum tapete, e dali vierão todas as pesoas reaes debaixo de pallio, e chegando ao pê das grades da Cappela do Sanctisimo Sacramento parou o palio, que o levavão os senhores dignidades, e depois de as pesoas reaes fazerem oração, forão ao pê do altar mor onde tambem estavão outras tantas almofadas, e fazendo oração, mas para a cappela mor forão sem palio; e depois acompanhando o Reverendo Cabido, com toda a comunidade, the o fim das escadas do taboleiro, the Sua Magestade se meter no coche, e assim pasou dia, ut supra.” (ACP, Bispado de Elvas, Livro 9.º dos Acordaos do Reverendo Cabido, de 1727 ate 1741, pp. 69-70).

e arrecadasão de metriaes na suspensão da obra.”359 O certo é que esta permaneceria durante longos anos parada e sem uma solução à vista.