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PARTE II – A obra setecentista na Sé

5. Obras e remodelações durante o episcopado de

5.3. A Capela do Santíssimo Sacramento

Das intervenções da década de 20 do século XVII efectuadas na Capela do Santíssimo (que ocupa o último tramo da igreja do lado do Evangelho), sob o patrocínio de D. Maria do Quintal, apenas remanesceu o silhar de azulejos.

Entre este período e as modificações mandadas executar durante o governo de D. Lourenço de Lencastre houve outras reformas já de feição barroca compreendidas entre os finais do século XVII ou princípios do século XVIII e o princípio da década de 30 desta última centúria.

Atentemos no texto das Memórias Paroquiais de 1758, o qual nos dá uma descrição do interior da estrutura pouco tempo antes das reformas realizadas por iniciativa de D. Lourenço:

“…huma das melhores do reino com azulejo de excelentes pinturas e retabolo dourado,

fechado tudo com altas e bem lavradas grades de ferro com as armas de Rui Vaz de Sequeira seu padroeiro, que tem n’ella seu jazigo. No altar sta Nossa Senhora da Victoria imagem tam primorosa que vendoa o Rei D. João 5.º vindo a esta cidade no

606 João Paulo JANEIRO, Pascoal Caetano Oldovini: A actividade de um organeiro genovês no Sul de

Portugal, no Século XVIII, p. 3, texto gentilmente cedido pelo autor, tendo sido publicado na revista Organi Liguri, vol. 1, Génova, 2004.

anno de 1716 lhe mandou fazer um vestido de tella d’ouro branca, que hoje conserva. Tem mais a imagem de Sancto Antonio Menino do Coro: no meio do retabolo hüa imagem do Senhor Resuscitado; e nos lados as dos 4 Evangelistas.”608

Esta descrição certifica, assim, que na capela existiu um retábulo de talha dourada e que, entre outras imagens, no altar estava colocada Nossa Senhora da Vitória, tendo D. João V, aquando de uma visita a Elvas em 1716, mandado fazer para a respectiva imagem um “vestido de tella d’ouro branca”.609

Sabe-se ainda que, a 22 de Outubro de 1706, os mordomos da Confraria do Santíssimo Sacramento610 contrataram o “oficial de doirador” Agostinho Mendes, morador em Elvas, para este

“…rasguar-lhe a janella que tem a ditta capella tudo o mais que puder ser para mais

claridade que he nesesaria e a alvanaria e mais de mestres e serventes por sua conta e assim o teto como a ditta guanella ha-de ser estoquado e pintado de burlesco colorido com seu oiro adonde a obra o pedir com os rialces que se custuma fazer no corte e o arco da ditta cappella o campo todo de oyro e burlesco com todo o realce que puder ser e colorido e as grades que tem de ferro pintadas de emcarnado de holio fino e a folhaguem simalhas e frizos doirados como estavão antiguamente e o retabolo da ditta capella sera obriguado a limpa-llo e emvirnizado pondo-lhe o ouro adonde tiver alguma falta…” (doc. 1).

Agostinho Mendes comprometia-se a dar por acabada a obra (pela qual cobrava 350.000 réis que lhe eram pagos de modo faseado) até o “meo do mês de Abril” de 1707 (doc. 1).

Fica assim esclarecido que o retábulo era anterior a 1706, talvez dos finais do século XVII ou do início do XVIII, e que em resultado da campanha de Agostinho Mendes a janela (ou melhor, as duas janelas, embora uma seja interior) da capela assumiu a forma de arco de volta perfeita que ainda hoje conserva (fig. 110).

Data dos primeiros 15 anos de Setecentos a actividade documentada de Agostinho Mendes. Além da intervenção na Capela do Santíssimo da Sé, o pintor foi

608 Cfr. ANTT, Memórias paroquiais, Sé, Elvas, op. cit., p. 76.

609 Esta informação é confirmada por Frei Agostinho de Santa Maria, em 1721:”He esta Santissima

Imagem de roca, & vestidos; mas de grande fermosura, & mostra grande magestade; a sua estatura serão perto de cinco palmos, está com as mãos levantadas; he venerada de todo aquelle povo, & está collocada à parte do Evangelho; indo ElRey nosso Senhor Dom João o V. a visitar as praças do Alentejo, & indo ver a Praça de Elvas, no anno de 1716, entrou na Igreja Cathedral, & vendo a Senhora da Vitoria se afeyçoou muyto a ella, & lhe prometteo fazer logo hum rico vestido, como fez de huma requissima tella de tessum.” (Frei Agostinho de SANTA MARIA, op. cit., vol. 7, p. 591).

610 Ao tempo do primeiro prelado elvense já existia a Confraria do Santíssimo Sacramento na igreja

Catedral de Elvas. (Cfr. Francisco de Paula SANTA CLARA, O Chantrado da Sé d’Elvas, Elvas, Edição de Samuel F. Baptista, 1888, p. 12 (nota A)).

contratado a 2 de Dezembro de 1715 pelas freiras do Convento de Santa Clara da mesma cidade para pintar a abóbada da igreja do cenóbio de brutesco da mesma forma que o havia feito na capela da Sé, segundo exigência das contratantes, sendo também obrigado a pintar tarjas em todos os vãos da igreja e dentro delas alguns passos da vida de Santa Clara, recebendo pelo seu trabalho 500.000 réis.611

Quer na Capela do Santíssimo quer na igreja das clarissas não se conserva o trabalho de Agostinho Mendes. Todavia, Miguel Vallecillo Teodoro considera que onde se poderá apreciar este tipo de decoração é na Capela da Árvore de Jessé e no baptistério da igreja de Santa Maria do Castelo de Olivença, admitindo, assim, que estas obras possam ser da autoria do pintor-dourador elvense. Entre as várias razões que induziram o autor a fazer tal atribuição, há uma que relaciona Agostinho Mendes com a povoação de Olivença, em que o padre oliventino Bento Mendes Pestana estabeleceu, em testamento, que os seus herdeiros levassem um quadro de São Caetano a Agostinho Mendes para que este terminasse a parte que faltava à pintura.612

Não é de excluir a hipótese de o artista ter sido o responsável pelas já aludidas pinturas de brutesco da abóbada da antiga Capela de Santo António e dos arcos das Capelas de Nossa Senhora de Guadalupe e de São José da Catedral elvense.

Em 1731, encontra-se uma outra referência de remodelação do retábulo da Capela do Santíssimo. Na sequência de um pedido de “esmolla” dos mordomos da confraria, os “econimos” da Mitra deram de ajuda aos suplicantes 2400 réis para se mandar fazer uns remates de entalhado sobre os “cabildes”, feitos de novo, “…em que rrecolhem as jmsinias de prata…” da irmandade, e também “…humas banquetas para o altar e sacrá, e evangélho, e lavabo tudo de emtalhado…” (doc. 11).

Logo nos primeiros tempos em que D. Lourenço de Lencastre se sentou na cadeira episcopal da diocese, começaram as operações de reestruturação da capela. A 9 de Dezembro de 1761, pagaram-se 32.800 réis ao pintor António de Sequeira Ramalho (mais conhecido por António de Sequeira) por certa “obra do seu officio” que fez na capela (doc. 45). Passados dois meses e poucos dias, numa “livrança”, de 25 de Fevereiro de 1762, despenderam-se 412.299 réis com o “alvane” José Rodrigues para remuneração de “35 ferias” por conta da feitura da já anteriormente mencionada escada da Casa do Cabido e da Capela do Santíssimo Sacramento (doc. 45). A 8 de Abril do

611 Cfr. Miguel Angel VALLECILLO TEODORO, “Agostinho Mendes, pintor-dorador. Su obra en Elvas

y Olivenza”, op. cit., p. 324.

mesmo ano, foi a vez de se pagarem 225.185 réis a Francisco da Costa Leitão, entre outros trabalhos, por obras que executou para a capela, nas quais se incluia o trono (doc. 45).613 Por fim, a última despesa – 117.700 réis - referente à Capela do Santíssimo foi feita a 23 de Maio de 1762, ao pintor-dourador António Sardinha “…por diversas obras que fez para a Seê e para o tronno do Santissimo Sacramento…” (doc. 45).

Em consequência das reformas mandadas realizar pelo bispo, as pinturas de Agostinho Mendes foram destruídas ou cobertas e o retábulo de talha dourada foi desmantelado (fig. 106). O novo altar e o sacrário, entalhados por Francisco da Costa Leitão e dourados e pintados por António Sardinha (figs. 108, 109), mostram já a arte própria da segunda metade do século XVIII, com aplicações rocaille.

O retábulo de talha foi substituído por uma grande tela figurando a Coroação da Virgem ou a Virgem em Glória (fig. 114). Trata-se de uma boa pintura, para a qual ainda não temos elementos seguros para fazer uma atribuição, mas uma coisa é certa: em Elvas, por este tempo, não existia um pintor suficientemente habilitado para intentar tal tarefa. Deve ter sido encomendada pelo prelado a um pintor de Lisboa. A tela foi resguardada por um dossel, em que, no interior, se representou um olho inscrito num triângulo (“símbolo da Essência e do Conhecimento divino”614) e rodeado por um resplendor de talha dourada (fig. 110).

No que respeita ao trabalho que António de Sequeira realizou na capela, ele refere-se com certeza às pinturas, com molduras rocaille de estuque, nos três panos da abóbada de aresta (fig. 110) - no quarto apenas se fez a moldura, tendo sido preenchida por tinta preta -, representando duas delas emblemas alusivos à Eucarístia: um Feixe de espigas de trigo (Pão) (fig. 111) e uma Videira com um cacho de uvas (Vinho) (fig. 112). Num outro pano imaginou-se uma Torre em chamas (fig. 113). Na tradição cristã, a torre, por si só, pode simbolizar vigilância e ascensão,615 mas uma torre em chamas, em jeito de archote, quererá significar purificação e iluminação?616 É uma interpretação possível.

De acordo com Artur Borges, o damasco encarnado que forra os muros do espaço “…por uma questão de gosto e pelo estado de má conservação das paredes…”

613 Em Dezembro desse ano, foram feitos dois outros pagamentos ao mestre por ter feito a “estante do

coro” e as “quartelas” da “banqueta” da capela-mor. (Cfr. AHME, Bispado de Elvas, Livro de receitas e despesas da fábrica da Sé do ano de 1757 a 1802, 6683/84, fl. 76v.).

614 Jean CHEVALIER, Alain GHEERBRANDT, op. cit., p. 485. 615

Cfr. ibidem, p. 649.

deve datar das duas primeiras décadas do século XIX, como aconteceu na Capela de Nossa Senhora da Soledade. 617

A 12 de Janeiro de 1763, há a indicação de uma despesa com António Sardinha por este ter prateado os quatro evangelistas da “banqueta do altar mor” (doc. 46). Em determinada altura, essas imagens foram colocadas sobre o gradeamento da Capela do Santíssimo.618 Aqui ainda podiam ser observadas até há bem pouco tempo, tendo sido apeadas - “por motivos de segurança”619 no decurso das obras de conservação e restauro da Sé levadas a efeito pelo então IPPAR, na primeira década de 2000 - e arrumadas na antiga sacristia do cabido (fig. 115). Estamos em crer que os quatro evangelistas são aqueles que faziam parte do antigo retábulo da Capela do Santíssimo Sacramento, de que falam as já citadas Memórias paroquiais.

Quanto à imagem de Nossa Senhora da Vitória, depois de ter transitado para a Capela das Almas – veja-se mais adiante o ponto relacionado com esta capela -, encontra-se hoje no altar colateral de Nossa Senhora das Candeias (fig. 133).

5.4. As Capelas de Nossa Senhora da Soledade e de Nossa Senhora das Candeias ou