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PARTE II – A obra setecentista na Sé

5. Obras e remodelações durante o episcopado de

5.5. As Capelas das Almas e de Santa Ana

No terceiro tramo da Sé estão situadas as Capelas das Almas (fig. 63) e de Santa Ana (fig. 71): a primeira no lado da Epístola e a segunda no lado do Evangelho.

A exemplo de outras capelas laterais, a Capela das Almas – onde hoje se venera a imagem de Nossa Senhora de Fátima - teve ao longo do tempo várias invocações. Já fora a Capela de Nossa Senhora do Egipto, e em finais do século XIX era conhecida por Capela de Nossa Senhora da Vitória, porque nela estava a imagem de Nossa Senhora com esse título que originalmente pertencera à Capela do Santíssimo Sacramento638 e que hoje está na Capela de Nossa Senhora das Candeias, como já escrevemos. Mas sabe-se que em finais do século XVI a capela estava dedicada a São Nicolau, e que havia sido doada a André Lopes Garro e sua mulher Maria da Gama, para seu jazigo, no ano de 1591.639

Nos finais do anos 20 de Seiscentos é conhecido que a Capela de São Nicolau foi revestida por um silhar de azulejos, pagos pela confraria com o mesmo nome.640

Cuidava da Capela das Almas a Confraria das Almas do Purgatório, a qual nos anos 80 do século XIX ainda existia. “Das respostas dadas aos quesitos propostos a circular do Ministerio do Reino de 30 Março 1887, consta que foram organisados os seus primeiros estatutos em 1711, e aprovada a confraría a 5 Maio 1714, sendo posteriormente reformado o compromisso em 1722.”641

A instituição de uma capela com a respectiva irmandade dedicada às Almas do Purgatório ia, sem dúvida, ao encontro das preocupações teológicas, catequéticas e pastorais do catolicismo Moderno, empenhado como estava em responder energicamente à não admissão, por parte da Reforma Protestante, do Purgatório e, por conseguinte, à não admissão da oração pelos defuntos.

638 A imagem de Nossa Senhora da Vitória deve ter sido transferida para a Capela das Almas na sequência

da remodelação da Capela do Santíssimo. No inventário de Setembro de 1814 da Capela das Almas diz-se claramente: “Tem o nixo do meio N. Senhora com o título de Victoria, protectora da Irmandade…”(Cfr. Artur Goulart de Melo BORGES, Igreja de Nossa Senhora da Assunção de Elvas (antiga Sé), op. cit., p. 21).

639 Cfr. Victorino d‟ALMADA, Elementos para um Diccionario de Geographia e Historia Portugueza,

concelho d’Elvas e extinctos de Barbacena, Villa-Boím e Villa-Fernando, op. cit., vol. 2, pp. 22-23.

640 Cfr. Mário Henriques CABEÇAS, “Obras e remodelações na Sé Catedral de Elvas (1599-1637)”, op.

cit., p. 254.

641

Victorino d‟ALMADA, Elementos para um Diccionario de Geographia e Historia Portugueza,

Em 1758, a Confraria das Almas contava com 250 membros.642 Nela se assentaram como irmãos os bispos D. Frei Pedro de Lencastre (em 1711), D. João de Sousa Castelo Branco (em 1718), D. Baltazar Vilas Boas (em 1744) e D. Lourenço de Lencastre (em 1761). Também ao longo do século XVIII entraram para a confraria um bom número de artistas e artesãos (alguns deles com trabalhos feitos na própria Sé): os douradores Agostinho Mendes (1716), Tomás da Maia (1764), José Rodrigues (1767) e Anacleto José (1778); os ourives João Antunes de Faria (1731), Francisco Machado (1731) e Pedro de Sousa (1763); o mestre canteiro Gregório das Neves Leitão (1746); os pintores António Sardinha (1764) e Henrique Correia Carapeto (1783); o entalhador Francisco da Costa Leitão (1781); o organista Vicente Inácio Lobo (1771); e os mestres de capela Domingos Gomes e Frei Francisco da Purificação.643

A reforma da capela no tempo de D. Lourenço de Lencastre, que lhe deu o aspecto que mantém na actualidade, foi feita nos finais dos anos 60. A obra de pedraria foi ajustada por 500.000 réis ao mestre canteiro Manuel Gonçalves, tendo-lhe sido pagos, pela Irmandade das Almas, 50.000 réis, em 2 de Fevereiro de 1768, e 450.000 réis, em 20 de Dezembro do mesmo ano (doc. 49). A 9 de Maio de 1769, fez-se a despesa de 12.580 réis por conta da janela (vidros e ferragens) e de um “…varão para as quartinas de Nossa Senhora…” (doc. 49). Entre esta data e 7 de Março de 1770 foram lançadas diversas despesas relacionadas com portas de armários, com aplicações de talha… Destas despesas salienta-se o nome do pintor António Sardinha, o responsável pelo dourado da capela, tendo recebido, entre 9 de Outubro de 1769 e 7 de Março de 1770, por esse trabalho a soma de 60.000 réis (doc. 49). Por esta altura já estava terminada a capela, porém, ainda foram lançados diversos pagamentos entre 27 de Abril e 16 de Dezembro de 1779, com frontais e outras “miudezas”, como as peanhas de São Nicolau (fig. 70) e de São Miguel (fig. 69), e com o restauro desta última imagem (doc. 49). Estes santos, de madeira estofada e policromada, datáveis do século XVII, ainda hoje se conservam nos dois nichos laterais da capela e com certeza pertenciam à anterior Capela de São Nicolau. Aliás, as Memórias Paroquiais de 1758 não só indicam que aí estavam essas imagens como também “…as imagens de São Bernardo e São Francisco que erão do Bispo D. Frei Pedro d’Alencastro [hoje na

642 ANTT, Memórias paroquiais, Sé, Elvas, op. cit., p. 78. 643

Cfr. Artur Goulart de Melo BORGES, Igreja de Nossa Senhora da Assunção de Elvas (antiga Sé), op.

Capela de Nossa Senhora das Candeias].”644 A presença do arcanjo São Miguel - o chefe das milícias celestiais e protector da Igreja - nesta capela faz sentido, já que ele, no dia do Juízo Final, disputará com o diabo o destino das almas.

O figurino artístico da capela, resultante da remodelação, configura bem as tendências do gosto da época. Reedificada na segunda metade do século XVIII, acabou por absorver as formas barrocas temperadas pela ornamentação rococó, recorrendo aos mármores alentejanos, brancos e cinzentos, sobre os quais lhes foram aplicados motivos rocaille e vegetalistas de talha dourada (figs. 63-70). Também não faltam na estrutura o tão característico frontão contracurvado a coroar o nicho central (fig. 64), as palmas e as cabecitas de anjos esculpidos na pedra e, no caso das palmas, também na madeira; as estrelas douradas de oito pontas… Nas paredes laterais abriram-se dois nichos com portas de vidro para alojarem as já mencionadas imagens de São Nicolau (parede do lado direito) e de São Miguel (parede do lado esquerdo). A capela foi cercada por uma teia de mármore cinzento e branco em que, esculpidas na pedra, avultam estrelas de dezasseis pontas (fig. 68).

Na capela, porém, os mestres não perseguiram a volumetria plástica, conseguida através do uso de colunas como aconteceu nas Capelas de Nossa Senhora da Conceição e de Santo António refeitas na década precedente. Mas destas retiraram a lição barroca de fazerem a união entre a capela e o janelão que a encima, como se de uma obra só se tratasse (fig. 63).

Defronte da Capela da Almas está a Capela de Santa Ana. Este altar é, salvaguardando algumas pequenas diferenças, em tudo semelhante ao das Almas e, por esse motivo, deve ter sido reconstruído na mesma altura e nele devem ter laborado os mesmos mestres e artífices (figs. 71-77).

A Capela de Santa Ana deve ter assumido o seu orago justamente no período em que foi reformada, no tempo de D. Lourenço de Lencastre, já que, em 1758, estava dedicada a São José e anteriormente tivera outras invocações:

“A Capella de Nossa Senhora do Emparo, ao depois intitulada do Desterro e

hoje de São Joseph em que stão colocadas as imagens de JESUS, Maria e São Joseph, em hum retabolo dourado; e foi seu padroeiro Gabriel Moreno de Chaves que n’ella tem seu jazigo, hoje não tem padroeiro.”645

644

ANTT, Memórias paroquiais, Sé, Elvas, op. cit., p. 78.

Efectivamente, em 1758, a Capela de Santa Ana localizava-se na actual Capela de São José e esta ocupava a actual Capela de Santa Ana. Quer dizer que durante o governo de D. Lourenço de Lencastre terá havido uma permuta de capelas entre as Confrarias de São José (fundada em 1655, pelo bispo D. Manuel da Cunha646) e a de Santa Ana (erecta em 1711647). Desse modo, também as imagens terão transitado para os seus respectivos novos espaços: a imagem de Santa Ana, que ainda no presente está no nicho do seu altar (fig. 73), e as imagens de Jesus, Maria e José (Sagrada Família) (fig. 52) que actualmente estão expostas no Museu de Arte Sacra, Casa do Cabido (fig. 51).

Além de Santa Ana, colocada no nicho central, os nichos laterais com portas de vidro são ocupados pelas imagens de São Sebastião (lado direito) (fig. 77) e São Tiago (lado esquerdo) (fig. 76).

Por último, diga-se que, de acordo com as atrás citadas Memórias Paroquiais, a Capela de Santa Ana, antes da sua remodelação com pedraria mármore, ostentava um retábulo de talha dourada, sendo bastante provável que o mesmo tivesse sucedido na Capela das Almas.

5.6. Outras intervenções

É uma vez mais a lápide mandada colocar por D. Lourenço de Lencastre junto ao pórtico de entrada da Catedral que nos comunica que o prelado mandou fazer (ou melhor, renovar) a escadaria e o adro do templo (fig. 7), uma obra concluída no mês de Novembro de 1769 e pronta a receber, no dia 28 desse mês e ano, D. José I vindo de Vila Viçosa.

O Livro de receitas e despesas da fábrica da Sé do ano de 1757 a 1802, no período económico balizado entre o dia de São João Baptista de 1769 e o mesmo dia do ano seguinte, arrola as despesas feitas “…com o novo taboleiro da Sé, concerto de telhados, e janelas do coro, comcerto de portas da jgreja, e armaçam da mesma que se

646 Cfr. Summario das Indulgencias concedidas pello Summo Pontifice Alexandre VII Nosso Senhor, á

Confraria, e Irmandade do Glorioso Patriarcha S. Joseph, sita na Sé da Cidade de Elvas, passadas em Outubro no anno de 1655, Lisboa, na Officina de Antonio Pedrozo Galrão, 1705; Francisco de Paula

SANTA CLARA, O Chantrado da Sé d’Elvas, op. cit., p. 49 (nota g);

647

AHME, Livro do Compromisso da Confraria da Senhora Sancta Anna, e dos Capitulos, e Acordãos,

fizerão percizos com a vinda de Sua Magestade a esta cidade e tambem com a fundição de dois sinos…” (doc. 50).

Entre os nomes dos responsáveis da obra da escadaria, constam José Marques, o cabouqueiro que extraiu a pedraria para o novo tabuleiro e para algumas sepulturas da Sé; Pedro Manuel Gonçalves, o mestre que fez o tabuleiro, e o “alvane” José Rodrigues “…que sentou o taboleiro, concertou telhados e janelas…” (doc. 50).

Belchior de Camino foi o mestre fundidor dos sinos (doc. 50). Os dois sinos ainda hoje se ostentam na torre da Sé, acompanhando outras campanas, tais como uma encomendada pelo bispo antecessor D. Baltazar, e uma outra, a mais antiga, de 1548.648 Foi também no tempo de D. Lourenço de Lencastre que se fizeram os “cancelos do coro”, ou seja da capela-mor, por volta de 1765/1766 (doc. 47), ainda que já o bispo antecessor, D. Baltazar, tivesse tido a ideia de os mandar construir, pois deixara 106.200 reis “que se achava destinado” para a obra “dos cancellos da Se.”649

Dentro do período de governo de D. Lourenço, devemos, certamente, ainda incluir o guarda-vento da principal entrada da Sé (figs. 163, 164), pois nele se reconhecem aplicações de talha com motivos rocaille muito semelhantes àqueles que, entre outras obras, ornamentam o órgão da coro alto e a Capela de Nossa Senhora da Soledade.

A Capela de Santo Amaro, outrora do Espírito Santo, igualmente conhecida pelo nome dos seus padroeiros, os Pessanhas, apresentando quer no interior (no fecho do arco da capela), quer no exterior as armas de Ambrósio Pessanha (fgs. 12, 37) – “…fidalgo do Conselho d‟El-rei D. Manuel e descendente dos Almirantes…”650

e instituidor da capela -, também foi alvo de reformas na segunda metade do século XVIII, e que devem ter sido suportadas pelos seus padroeiros. Essas intervenções consistiram na decoração do interior da capela com trabalho em estuque e pintura marmoreada vermelha, amarela e azul, imitando a pedraria calcária ornamental, uma obra bem ao gosto da segunda metade de Setecentos (figs. 38-41). No seu espaço,

648 Cfr. Artur Goulart de Melo BORGES, Igreja de Nossa Senhora da Assunção de Elvas (antiga Sé), op.

cit., pp. 28-29.

649

ANTT, Mitra Episcopal de Elvas, Documentos Particulares, Maço 3, Documento 13, Copia do

Inventario que se fez por falecimento do Excelentissimo D. Baltazar de Faria Bispo de Elvas em Agosto de 1757 servindo de corregedor daquella comarca o juiz de fora Bernardo Coelho da Gama Casco: escrivão Joze Bernardes, op. cit., fl. 1.

650 Eurico GAMA, À Sombra do Aqueduto. Roteiro Antigo de Elvas (I série), Estudos Elvenses, op. cit., p.

71. Sobre Ambrósio Pessanha, ver também Victorino d‟ALMADA, Elementos para um Diccionario de

Geographia e Historia Portugueza, concelho d’Elvas e extinctos de Barbacena, Villa-Boím e Villa- Fernando, op. cit., vol. 1, p. 381.

podemos admirar as imagens de São João Baptista (fig. 40) e de Santo Amaro (fig. 41), colocadas em dois nichos das paredes laterais, e, por cima do altar, uma pintura representando a Descida do Espírito Santo, atribuível aos finais do século XVI (fig. 38).

Por último, diga-se que da centúria de Setecentos (não necessariamente no tempo de D. Lourenço) também deve datar a remodelação das janelas do clerestório (como sucedeu nas Capelas do Santíssimo e de Nossa Senhora da Soledade), no sentido de lhes conferir o perfil de arco de volta perfeita e possibilitar maior luminosidade no interior do templo, um facto que Raul Proença já havia assinalado.651 Originariamente, elas seriam como as da Madalena de Olivença: rectangulares e a terminarem em arco a pleno centro.