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PARTE II – A obra setecentista na Sé

3. A edificação da nova capela-mor

3.6. Prosseguimento e conclusão das obras (1746-1749):

das Neves Leitão e José Francisco de Abreu

A longa vagatura da Sé de Elvas terminou em 1743, ano em que tomou posse do bispado D. Pedro de Faria Vilas Boas e Sampaio. Este prelado entrou na diocese a 19 de Março, mas o seu governo ficou reduzido a escassos três meses, pois faleceu a 18 de Junho seguinte.386 Apenas decorrido algum tempo, o cargo foi ocupado pelo seu irmão D. Baltazar de Faria Vilas Boas e Sampaio.

D. Baltazar, o 17.º bispo de Elvas, filho segundo do desembargador António de Vilas Boas e Sampaio, nasceu em Barcelos. Em Coimbra estudou “leis da Egreja”.387 Em 1730, ocupou o cargo de Inquisidor do Santo Oficio nessa mesma cidade. “E, passando d‟aqui para uma das Prelazias da Santa Egreja Patriarchal de Lisbôa, tomou posse em 16 de Maio de 1739.”388

D. Baltazar foi nomeado bispo de Elvas pelo monarca D. João V no mesmo mês em que seu irmão e antecessor havia falecido, tendo sido confirmado pela Santa Sé a 29

379

Cfr. idem, Processo 18, Despesas com a obra da capela-mor da Sé, Relação da semana que terminou

a 22 de Junho de 1737.

380 Cfr. idem, Relação da semana que terminou a 18 de Maio de 1737.

381 Cfr. idem, Processo 19, Despesas com a obra da capela-mor da Sé, Relação da semana que terminou

a 6 de Janeiro de 1737.

382 Cfr. idem, Relação da semana que terminou a 3 de Novembro de 1736. 383 Cfr. idem, Relação da semana que terminou a 27 de Fevereiro de 1737.

384 Cfr. idem, Processo 21, Despesas com a obra da capela-mor da Sé, Relação da semana que terminou

a 2 de Novembro de 1737.

385

Cfr. idem, Relação da semana que terminou a 7 de Dezembro de 1737.

386 Cfr. Francisco de Paula SANTA CLARA, “D. Balthasar de Faria Villas-Bôas e Sampayo”, op. cit., p.

38.

387

Ibidem, p. 38.

de Julho de 1743. A 27 de Outubro, sagrou-se na igreja Patriarcal de Lisboa e, a 9 de Fevereiro do ano seguinte, fez a sua entrada solene na cidade alentejana.389

Conta-nos Francisco Santa Clara que, quando o prelado entrou na sua Catedral,

“um disforme taboado tapava o arco da capella mór, aberta á chuva e mais damnos do ar.

Assim poderá avaliar o leitor, quantas dificuldades terião de vencer os armadores para transformar a egreja Cathedral, adornando-a por modo, que se patenteasse a magnificencia, com que o Cabido decretara receber o novo Prelado.”390

Sendo certo que o aspecto que o presbitério apresentaria nessa ocasião devia ser bastante desolador, parece-nos que as palavras do autor encerram algum exagero no que concerne à afirmação de que a capela se encontraria a céu aberto, sujeita a intempéries de toda a espécie.

Em todo o caso, e como não podia deixar de ser, a situação causou incómodo ao prelado, levando-o a dirigir as suas súplicas ao monarca para que a obra se terminasse, pois

“…entrando elle na sua diocese achou demolida a capella mor da sua igreja Cathedral, e o coro posto no corpo da igreja de sorte que a occupa quasi toda: e querendo o supplicante mandar preparar o seu trono episcopal, se fez com tal aperto, que as funções pontificaes se executão com grande descómodo, sendo preciso que a sua cadeira fique em lugar mais alto que o altar mór, faltandose sem remedio em muitas cousas á observancia do ceremonial, por embaraço do sitio…” (doc. 38).

O prosseguimento do projecto estava dependente de uma soma avultada que rondaria os 1000 cruzados, de que nem a Fábrica da Sé, nem as rendas da Mitra dispunham (doc. 38). A solução encontrada seria a aplicação dos acréscimos dos celeiros comuns e dos bens de raiz (doc. 38). Todavia, esta via de financiamento não mereceu a concordância do soberano. Restava então encontrar outros meios.

Como o convento feminino de Nossa Senhora da Conceição de Olivença havia sido abandonado durante as guerras da Restauração, passando os seus bens e rendas a serem administrados pela Mitra de Elvas, pensou o bispo aplicar parte desses rendimentos acumulados ao longo dos anos na conclusão da obra. O desejo viu-se assim consumado quando o papa deu autorização – através de dois breves, um de Maio de

389

Cfr. ibidem, pp. 42-43.

1747 e o outro de Fevereiro de 1748 – para a aplicação de 12.000 cruzados, provenientes dos rendimentos do cenóbio oliventino, na continuação das tão almejadas obras (doc. 40).

Entretanto, a 12 de Maio de 1746, o bispo, através do seu procurador, firmara um contrato com Gregório das Neves Leitão e “seu companheyro” José Francisco de Abreu, ambos mestres pedreiros, “…para effeyto destes continuárem, e comcluirem a obra da cappella major da igreja da Santa See…” no prazo de três anos (doc. 39). Estipulava-se ainda, no mesmo espaço temporal, a execução de um oratório em pedra no palácio episcopal. E

“…tanto que a ditta capella mayor da igreja da ditta Santa See, como a caza do

oratorio hande ser feytas comforme os riscos, que para as dittas obras se fizeram que se acham asignados por sua Excelência, e pellos dittos dois mestres pedreyros sem que as dittas obras tenham deminuisam alguma dos dittos riscos, e alem destes faram ábobadas da ditta cappella mayor de tejolo com suas janellas para lus da mesma capella major, e o numero dellas será aquelle que se julgár que hé bastante, e o chadres [ revestimento do chão em xadrez] o hande fazér de pedra branca e pretta, faram mais quattro sepulturas na ditta capella mayor, duas nos presbistterios, e no cruzeyro ás que couberem, como antiguamente estávam, e hum depozito em hum dos ládos no lugár que se detreminava para a credencia com aquella preffeysam, e órnátto que en táes obras se premite tudo com meteriáes de boa condisam e capazes das dittas obras, e pellas dittas obras ajustadas lhe hade dar o ditto Excelentissimo e Reverendissimo seu constituhinte quatro contos, e quatro centos, e quarenta e outto mil mil reis em dinheyro de contado da moeda hora corrente neste Reyno de Portugal…”

(doc. 39).

Além do dinheiro, o bispo

“…lhe dá mais por este instromento todas as pedrarias lavradas, e por lavrár, que se

acharem asim na obra como em quálquer parte que se acharem, que sejam pertencentes a mesma obra, e da mesma sorte lhe dá por este instromento = câl, alvanaria, madeyras, ferros, cordas, carros, telhejros, e tudo o máis que para as dittas obras estava comprádo tudo no estado em que se âcha para poderem uzár dos dittos effeytos e meteriáes nas dittas obras ou em outras quaesquer como donos absollutos delles…” (doc. 39).

De acordo com o documento notarial, o pagamento era feito de forma faseada, pressupondo várias etapas: a execução do oratório no palácio episcopal e a continuação e conclusão das paredes laterais da capela-mor e, por último, do retábulo-mor.

Em 1749, tal como estipulava o contrato, estava finalizada a nova abside da Sé raiana. A 15 de Agosto desse ano, justamente no dia de Nossa Senhora da Assunção, a titular da igreja, foi colocada a imagem pintada com a mesma invocação (fig. 155). O

acontecimento revestiu-se de grande pompa, tendo Frei Dionísio de Deus proferido um sermão, o qual seria dado à estampa com este “barroco” e desmedido título:

Sermão da Assumpção de Nossa Senhora, E collocação da sua sagrada Imagem na magestosa Capella mór da Santa Sé da Cidade de Elvas, novamente fabricada de finos, e preciósos marmores pela cuidadosa direcção, e ardente zelo Do Ex.mo e R.mo Senhor D. Balthazar de Faria e Villas-Boas, Dignissimo Bispo da mesma Cidade: o qual Aos 15 de Agosto de 1749, exposto o Santissimo Sacramento, festejou com grande pompa, e magnificencia a collocação da mesma Senhora na sua nova Capella, celebrando nella de Pontifical, e assistido de hum numeroso Côro dos mais excellentes musicos do seu Bispado: cujo acto illustrárão tambem com a sua assistencia o Senado, Nobreza, e Communidades Religiosas da mesma Cidade.

Prégou-o na tarde do mesmo dia O M.R.P.M. Fr. Dionysio de Deos, Religioso da Ordem de S. Paulo primeiro Eremita, Doutor, e Lente actual de Theologia no Collegio da mesma ordem na Universidade de Evora.391

Na ocasião, o pregador elevou a figura do prelado – qual ilustre personalidade, cujas virtudes valeram o sucesso da obra –, estabelecendo comparação entre a Torre de Babel e a capela-mor novamente erguida em Elvas. Aquela desabara por ter sido fruto da soberba humana, pela ambição de se igualar ao céu, esta elevara-se pelo empenho generoso e piedoso de tão nobre espírito:

“Para isto determinou tambem erigir humas sobre outras machinas, accrescentar huns e outros marmores, e finalmente compor, e ajustar humas sobre outras pedras: e como todo o seu intento era taõ sómente a mayor gloria de Maria Santissima, todo este trabalho sendo na verdade grande, lhe parecia suavissimo. Cresceu em fim a obra; e como esta era fundada em taõ santos, e solidos alicerces, felizmente se completou…”392

Metaforicamente, a capela-mor é apresentada como o céu na terra, a “nova Cidade” que, para maior glória de Deus, veio substituir a “Cidade antiga”:

“…e a terra naõ duvidando tambem, só a fim de que se erigisse esta magestosa fabrica, desentranhar-se em preciosas pedras, tão vistosas pela sua diversidade, como iguaes na estimação (…); e a terra empenhando-se tambem de tal sorte nesta admirável obra, q naõ duvidou arruinar o edificio antigo, só para que fosse agora mayor a sua preciosidade…”393

No dia 27 do mesmo mês e ano, fez-se a trasladação das ossadas do bispo D. Pedro de Vilas Boas e Sampaio para a nova sepultura mandada fazer na capela-mor pelo

391 Fr. Dionysio de Deos, Sermão da Assumpção de Nossa Senhora (…), Lisboa, Officina de Joseph da

Costa Coimbra, 1750.

392

Ibidem, p. 7.

seu irmão D. Baltazar,394 a qual foi colocada num nicho na parede do lado da Epístola (figs. 152, 153). Na ocasião, celebrou “Missa de Pontifical” D. João da Silva Ferreira, Deão da Real Capela de Vila Viçosa, “…com assistencia do Senado, Nobreza, e Communidades Religiosas…”, e fez a oração fúnebre Frei José de Jesus Maria, Reitor do Colégio de São Paulo de Évora.395

Estava, assim, resgatado o nome e a memória de D. Pedro da “morte do esquecimento”:

“…a primeira morte tira a vida do corpo; a segunda porêm tira a vida da memoria; a primeira tira huma vida mortal e caduca, que sempre ha de acabar; a segunda porêm tira huma vida, que pode ser immortal e eterna, pois extingue da memoria o nome, e a fama, que sempre dura…”396

Por fim, D. Baltazar sagrou a Sé a 13 de Outubro de 1754. O acontecimento litúrgico foi assinalado por uma lápide colocada à entrada da Sé, no exterior, do lado esquerdo (fig. 11).397