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PARTE II – A obra setecentista na Sé

3. A edificação da nova capela-mor

3.8. O motivo da construção da nova capela-mor

A capela-mor é o espaço mais solene, nobre e sagrado de um templo católico. É aí que se localiza o altar-mor e se desenrola o sacrifício da missa, sendo o cenário das cerimónias litúrgicas. Por isso, ela foi sempre alvo de atenções especiais. As capelas- mores de muitas igrejas espalhadas pelo nosso país, mesmo depois de terem sido erguidas de raiz, vieram a conhecer, em épocas posteriores, remodelações ou, inclusive, a reedificação total das suas fábricas – como aconteceu, por exemplo, no século XVI, na Sé de Braga e no Mosteiro de Santa Maria de Belém de Lisboa –, por simples vontade e

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Cfr. José Fernandes PEREIRA, “O barroco do século XVIII”, in Paulo PEREIRA (dir. de), História da

afirmação mecenáticas dos promotores, ou em virtude de actualização estilística e adaptação às novas exigências pastorais, cultuais e litúrgicas.

Quando não se deu a reedificação total do presbitério, pois esse facto acarretaria um maior esforço económico, ele era adornado com retábulos pintados, esculpidos, em pedra ou madeira, com frescos, azulejos…, consoante os estilos artísticos vigentes. Essas alterações eram consentidas, incentivadas e queridas pelo clero e fiéis. O conceito de património que hoje enforma a nossa atitude não estava inerente a tais práticas.

Em Évora, o cabido em sede vacante, dando seguimento a um desejo já manifestado pelo menos desde a segunda metade de Seiscentos, mandou erigir, de 1718 a 1738, sob os planos de Frederico Ludovice e o interesse e empenho de D. João V, uma nova capela-mor barroca na Catedral da arquidiocese, tendo-se para esse fim procedido à demolição da ousia gótica.474 De acordo com a documentação, os cónegos eborenses ambicionavam uma capela mais ampla, mas este deve ter sido o argumento mais eficaz para demover os espíritos oposicionistas ao projecto, porque os houve, nomeadamente o arcebispo D. Simão da Gama (1703-1715), o qual alegava que a capela se não podia ampliar “… já pelos riscos que isso acarreta, já pelas implicâncias com as colaterais. Para se acrescentar apenas no sentido do comprimento, ficará desarmoniosa por carência de proporções.”475

Com certeza, o que sobretudo dominava no espírito dos cónegos de Évora era a ideia de virem a ter uma nova capela de acordo com o gosto artístico que então alastrava no país, e mais concorde com aos desígnios da Contra-Reforma.

É neste contexto religioso, artístico e cultural que o cabido raiano – bom conhecedor do que se passava em Évora e por todo o reino –, também em sede vacante, se meteu no empreendimento de reformular por completo o presbitério da sua Sé. Citando Túlio Espanca,

“…estamos crentes que a ideia de renovação nasceu pelo interesse generalizado nos meios cultos do alto clero com a fama, aparato e grandiosidade propostas nos monumentais trabalhos da Arquitectura Barroca, do gosto italiano transmitido na arquidiocese e província transtagana através das obras da Basílica de Mafra e da abside da Catedral de Évora...”476

474

Cfr. Túlio ESPANCA, “Fundação da Nova Capela-Mor da Catedral de Évora”, op. cit., pp. 153-208.

475 Júlio César BAPTISTA, “A Catedral de Évora”, in A Cidade de Évora, Boletim da Comissão

Municipal de Turismo, n.º 57, Janeiro-Dezembro, 1974, p. 83.

476

Túlio ESPANCA, “José Francisco de Abreu, Mestre de Pedraria do Barroco Alentejano”, op. cit., p. 92.

Vitorino de Almada encara ainda a hipótese de que o bombardeamento da cidade durante o cerco levado a cabo pelo Marquês de Bay, em que um dos projécteis atingiu a capela-mor da Sé, a 14 de Abril de 1706, poderá ter estado na origem da sua posterior reconstrução, mas logo remata dizendo:

“Ou porque se não tivesse reparado convenientemente a ruína, ou, como se julga mais provável, por emulação de que os cónegos d‟Évora estivessem fabricando de mármores finos a capella-mór da sua Sé, é certo que o Cabido d‟Elvas assentou fazer outro tanto na sua igreja pelos annos de 1734…”477

De facto, se o projéctil tivesse feito estragos substanciais os cónegos não deixariam de usar esse argumento para levar a bom porto o seu plano, particularmente junto da pessoa de D. João V, que, como se sabe, repudiou a demolição da ousia seiscentista.

Também não foi o aumento do espaço da capela, como sugere Artur Goulart Borges,478 que motivou a atitude dos cónegos, porquanto a parte posterior da construção se encontrava paredes-meias com convento das dominicanas, tornando-se, por isso, irrealizável aumentá-la no seu comprimento. Esta proximidade era, aliás, de tal ordem que, a 3 de Julho de 1728, o cabido acordou

“… que se escrevese hüa carta ao Reverendo Prior de São Domingos para effeito de

que se mandase por cautella na devassidão das relligiosas desta cidade do convento do mesmo São Domingos por hüas frestas pello altar mor da nossa Sé, que continuão a fazer maiores, estando tanto à vista.”479

E se dúvidas restassem sobre as razões do cabido, elas seriam desfeitas com um documento coevo da segunda fase de construção da abside, no qual se afirma “…que necessitando a jgreja Cathedral desta cidade e bispado de se refazer o coro de paramentos, e de renovar e instaurar o edeficio da capella maior por estar antiquado e com falta de luz detreminou o Reverendo Cabbido […] remediar huma e outra necessidade…” (doc. 40).

Modernizar a capela (isto é, adequá-la ao novo gosto) e torná-la mais luminosa eram pois os fundamentos principais. “Antiquada” era a capela levantada em finais do

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Victorino d‟ALMADA, Elementos para um Diccionario de Geographia e Historia Portugueza,

Concelho d’Elvas e extinctos de Barbacena, Villa-Boím e Villa Fernando, op. cit., vol. 2, p. 380.

478 Cfr. Artur Goulart de Melo BORGES, “A Igreja de Nossa Senhora da Assunção, antiga Sé de Elvas”,

op. cit., p. 106.

século XVI e inícios do XVII, pelo bispo D. António de Matos de Noronha. Modernizar significava, naturalmente, aderir à estética do barroco, enfatizando – através de um novo clima cénico, próprio da cultura religiosa tridentina, com recurso a uma nova iconografia, a uma nova gramática formal, a novos e ricos materiais e ao aumento da luminosidade – o espaço onde se dispõem os bispos e o cabido e onde se situa o altar principal, o qual

“…trasciende al carácter de mero lugar de la manifestación de lo santo y en donde se produce el encuentro del alma com la divinidad. De acuerdo com las normas de comportamiento barrocas, la creación y la decoración del altar debían materializar sensiblemente este acontecimiento espiritual de forma que su impacto emotivo se produjera a través de un ilusionismo óptico. En este sentido se produce una evolución del altar hacia fórmulas de mayor impacto escenográfico...”480