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PARTE II – A obra setecentista na Sé

5. Obras e remodelações durante o episcopado de

5.2. O órgão do coro alto de Pascoal Caetano Oldovino

Não restam dúvidas acerca da autoria e da data do órgão do coro alto da Sé (fig. 159-162), pois no interior dele está inscrita, em língua latina, a legenda: “D. Pasqualis. Caetanus. Oldouino. Natione. Italus fecit 1762,”598 isto é, o italiano D. Pascoal Caetano Oldovino fez o órgão em 1762. Também não restam dúvidas de que a obra de talha da caixa do orgão foi feita (ou terminada) em 1777 como testemunha a data ali gravada (fig. 161). Também não restam dúvidas de que se tratou de uma encomenda episcopal, de D. Lourenço de Lencastre, tal como indica não só a aludida placa de mármore, colocada à entrada da Catedral, mas também as insígnias bispais (mitra e báculo), as armas e o nome abreviado do bispo-encomendador esculpidas na talha da caixa do órgão (figs. 160, 161).

598

Cfr. Victorino d‟ALMADA, “O órgão da Sé”, op. cit., p. 2; Artur Goulart de Melo BORGES, “A Igreja de Nossa Senhora da Assunção, antiga Sé de Elvas”, op. cit., p. 110.

Em 1897, estas informações foram complementadas pela pesquisa arquivística de Vitorino de Almada, o qual revelou o seguinte:

“Em o anno de 1760 o bispo de Elvas D. Lourenço de Lancastre, administrador das rendas da Fabrica da Sé, comprou á custa da mesma ao mestre organeiro Dom Paschoal Caetano o grande órgão, que vemos hoje sobre a porta principal da Sé.

Custou o órgão 2:200$000 réis, e alem d‟isso os órgãos velhos, cujo valor não podemos determinar; mas, se reflectirmos, que sendo comprados durante o reinado de D. João 3.º e soberbamente ajustados ao templo manuelino, sagrado e aberto à devoção publica em 1538, concluiremos, que não seriam de modico preço.

Pagou tambem a Fabrica da Sé ao alvaneo José Roiz, e aos entalhadores, pedreiros e carpinteiros, que trabalharam na varanda do orgão 501$480 réis.

Foi depois dourado o órgão, mas d‟esta despeza não temos memoria. No exterior tem a data – 1777. Por justo calculo se póde avaliar em 10.000$000 o preço do orgão grande, cujos folles por falta de serviço e de limpeza estavam arruinados presentemente [1897].”599

Luís Keil alterou o sobrenome do mestre organista quando lhe chamou Pasquali Caetano Ordoni.600

O montante dispendido com o órgão foi de tal modo elevado que foram necessários mais de 10 anos para saldar a dívida. Disso nos dá conta a documentação de arquivo – já mencionada por Vitorino de Almada, ainda que se tenha escusado a abordá- la com maior detalhe, e recentemente referenciada por Artur Goulart Borges601 - a qual regista as datas, as quantias e o modo faseado de pagamento: 400.000 réis a 3 de Agosto de 1760, 400.000 réis a 15 de Fevereiro de 1763, 400.000 réis a 21 de Maio de 1764, 400.000 réis a 4 de Novembro de 1764, 500.000 réis entre o dia de São João Baptista de 1765 ao mesmo dia de 1766 e 100.000 réis entre o dia de São João de 1771 e o mesmo dia de 1772 (doc. 44).

Oldovino já havia feito para a Sé elvense um “realejo” (pequeno órgão positivo) – que hoje se encontra arrumado na Capela de Nossa Senhora das Candeias (fig. 158) - por 187.000 réis, uma soma que lhe foi paga a 3 de Agosto de 1760 (doc. 44). Fora fabricado em 1758, de acordo com a inscrição no interior do secreto: “D. Paschalis Caetanus Oldovini De Natione Italus Fecit / 1758.”602

Sobre a opulenta obra de talha do órgão do coro alto não se tem outra notícia, senão que houve um pagamento de 238.480 réis, no período compreendido entre o dia

599

Victorino d‟ALMADA, “O órgão da Sé”, op. cit., p. 2.

600 Cfr. Luís KEIL, op. cit., p. 66.

601 Cfr. Artur Goulart de Melo BORGES, “A Igreja de Nossa Senhora da Assunção, antiga Sé de Elvas”,

op. cit., p. 110.

de São João de 1765 e o mesmo dia de 1766, com ”…os officiaes de entalhadores pedreiros e carpinteiros que trabalharão na varanda do orgão grande e cancelos do coro…” (doc. 47).

Acerca do lavor de talha, Robert Smith escreveu: “No Alentejo, a grande obra foi o órgão de 1777, da sé de Elvas, cuja enorme varanda, de forma ondulante, reflecte de certo modo o estilo da talha rococó de Évora.”603

Não são exageradas as palavras do estudioso americano. Na realidade, se D. Lourenço de Lencastre deixou marca de exuberância na sua Sé, ela manifestou-se, sem dúvida, nesta peça monumental que abarca praticamente todo o coro alto. O prelado tinha de deixar obra que rivalizasse com aquela que o seu antecessor mandara fazer, nomeadamente a capela-mor, e que desse maior fulgor às cerimónias religiosas da Catedral.

De facto, trata-se de uma construção sumptuosa, em talha dourada e com alguma policromia, figurando motivos vegetalistas e rocailles, anjos, formas arquitectónicas e heráldicas, com apontamentos assimétricos, tudo esculpido com uma perícia quase filigrânica, de rendilhado quente, dissolvendo-se, opticamente, ao longe de modo a compor uma admirável massa aurífera.

Pascoal Caetano Oldovino ocupa um lugar cimeiro na história da organaria portuguesa:

“É com muita frequência conhecido como Oldovini, provavelmente pela leitura das inscrições latinas de autoria, em que a terminação em «i» é exigida pela declinação da palavra, e por parecer mais comum em apelidos italianos. A forma correcta deverá ser Oldovino, pois em cerca de centena e meia de documentos (contratos, escrituras, certidões, recibos) por ele firmados, em todos eles assina Oldovino, nem aparece a mais leve hesitação na escrita do apelido, nem mesmo quando são referidos os nomes de alguns dos seus parentes.”604

O mestre organeiro, oriundo de Génova, veio para Portugal ainda no tempo de D. João V, um período prolixo na imigração de músicos e cantores italianos para o nosso país. Em 1743, surge em Évora a construir o órgão grande da capela-mor do Convento de São Francisco.605 A partir desta data estabelece-se nessa cidade alentejana com oficina própria, desenvolvendo actividade no sul de Portugal (Alentejo e Algarve).

603 Robert C. SMITH, A Talha em Portugal, Lisboa, Livros Horizonte, 1962, p. 169.

604 Artur Goulart de Melo BORGES, “A Igreja de Nossa Senhora da Assunção, antiga Sé de Elvas”, op.

cit., p. 112 (nota 26).

Era filho de José (Giuseppe) Oldovino e de Anna Maria, mas desconhece-se a data do seu nascimento, sendo, no entanto, provável que ela tenha acontecido entre 1710 e 1720, pois

“…sabendo que os instrumentos mais antigos que se conhecem deste organeiro datam dos inícios dos anos quarenta do século dezoito - o que implica o estabelecimento de uma oficina em Évora algum tempo antes -, bem como a improbabilidade de ter iniciado a actividade profissional com idade muito inferior a vinte anos, é de admitir que a data do seu nascimento se situe entre 1710 e 1720.”606

É plausível que tenha feito a sua aprendizagem em Génova com um seu cunhado. Morreu a 25 de Abril de 1785 na sua casa situada na Rua do Mau Foro, em Évora, e, nesta mesma cidade, foi sepultado na Capela de Santo António da igreja de São Francisco.607