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PARTE II – A obra setecentista na Sé

4. Outras intervenções durante o governo de D Baltazar de Faria

4.2. A Sala Capitular da Casa do Cabido

A reforma da seiscentista Sala Capitular, da Casa do Cabido, foi outra das iniciativas empreendidas por D. Baltazar Vilas Boas. Uma vez mais o arquitecto escolhido pelo bispo para realizar tal tarefa foi José Francisco de Abreu.

580 Dimensões da obra: com moldura: 118x243,5 cm, sem moldura: 116,5x243,5. A tela foi objecto de

conservação e restauro entre 25 de Agosto e 25 de Setembro de 2008. Anterior ao restauro, ela apresentava muita sujidade superficial e lacunas pontuais, ao nível da camada cromática, e rasgões no suporte. (Cfr. DRCA, Arterestauro, Relatório de conservação e restauro da tela Nossa Senhora da

Conceição da Sé de Elvas, 2008).

581 BNP, Reservados, Memorias da Cidade, e Praça d’Elvas, que para auxilio da sua reminiscencia,

colligio de acreditaveis Documentos impressos, e manuscriptos, e de constantes tradições Hum Elvense, op. cit., fl. 10v.

A remodelação da Sala Capitular, o espaço onde o cabido se reunia, deve ter começado logo a seguir às obras das Capelas de Nossa Senhora da Conceição e de Santo António, isto é, a partir de 1755. Mas tanto o patrocinador como o arquitecto não viram a sua obra concluída. José Francisco de Abreu faleceu a 15 de Março de 1757, tendo recebido sepultura na Sé, como já anotámos nas páginas referentes a este arquitecto, e D. Baltazar faleceu meses depois, a 30 de Julho desse mesmo ano, tendo sido sepultado na capela-mor.583

No Livro de receitas e despesas da fábrica da Sé do ano de 1757 a 1802, entre o dia de São João Baptista de 1757 e o mesmo dia de 1758, foi lançada uma derradeira despesa - a qual não deixa margem para dúvidas sobre quem foi o arquitecto responsável pela reforma da Sala Capitular -, por ordem do cabido em sede vacante e por isso já posterior à morte do prelado, com António Rodrigues,

“…offecial de latoeiro como cabeça de cazal e depositario da herança e bens que ficarão por morte de José Francisco de Abreo mestre architecto das obras da Caza Capitular a quantia de quinhentos e quarenta mil quinhentos e setenta e quatro reis que tanto constou ficar lhe devendo a Fabrica ao tempo da sua morte…” (doc. 42).

Em virtude da morte de D. Baltazar, as obras terão parado por alguns meses, porém, o cabido, necessitando de uma “caza de despacho”, acordou, a 9 de Novembro de 1757, em mandar acabar a “Aula Capitular” na “forma da idea” do bispo, decidindo, no entanto, retirar as armas do epíscope, não só “…por estarem em lugar emproprio; como por ser a obra feita a custa da Fabrica da Sé; para cuja continuação se tomará dinheiro ao Convento de freiras de Olivença [como sucedera para a conclusão da capela-mor] na forma que o senhor bispo fes para a mesma obra” (doc. 41).

O facto de as armas do encomendador já estarem assentadas na nova obra – de resto, em território alheio às funções episcopais e do domínio dos cónegos, causando, por isso, o descontentamento destes – é um claro sinal de que as obras já estavam em estado bastante avançado. Todavia, ao longo de todo o ano compreendido entre o dia de São João de 1757 e o mesmo dia de 1758 registam-se despesas com os oficiais que estavam a laborar na Casa Capitular (doc. 43). No período económico seguinte, com início no dia de São João de 1758 e terminando no mesmo dia de 1759, as remodelações

583

Em 1792, os seus restos mortais foram trasladados para o túmulo de seu irmão D. Pedro. (Cfr. Francisco de Paula SANTA CLARA, “D. Balthasar de Faria Villas-Bôas e Sampayo”, op. cit., pp. 72-73).

já estavam praticamente concluídas, registando-se tão-só despesas (não especificadas) com o latoeiro António Rodrigues e com o ferreiro Manuel Soares.584

Em finais de Fevereiro de 1762, já no tempo novo bispo D. Lourenço de Lencastre (1759-1780), voltamos a encontrar pagamentos (ao “alvane” José Rodrigues) relativos a intervenções na Casa do Cabido, desta feita com a “fatura da escada da Caza Capitular” (doc. 45). Trata-se da escadaria interna - ao lado da Capela de Nossa Senhora das Candeias e que também dá acesso à tribuna da banda do Evangelho da capela-mor - que faz a ligação entre a Catedral e a Casa do Cabido (figs. 165-167). Esse espaço foi decorado ao gosto da segunda metade do século, com pintura cinzenta marmorizada e com trabalho de estuque na abóbada com lanternim da escadaria em que ressaem elementos vegetalistas e arcos canopiais. Os degraus foram decorados com azulejos seiscentistas, destacados de alguma capela ou de outra dependência da Sé na sequência de reformas barrocas desses espaços. Ao cimo das escadas, na porta de entrada da Casa do Cabido, colocaram-se as armas de D. Lourenço de Lencastre (fig. 166). Ainda por iniciativa deste prelado, Francisco da Costa Leitão executou a mesa (e certamente as cadeiras) da Sala Capitular (fig. 172), em 1762 (doc. 45), e, em Janeiro de 1763, encontramos o pintor António Sardinha a “…pintar os almarios da Caza de vestir do Reverendo Cabido…” (pequeno compartimento junto à Sala Capitular) (doc. 46).

A Sala Capitular, reestruturada com base no projecto de José Francisco de Abreu, apresenta-se toda ela enriquecida com trabalho de estuque, com pintura marmorizada, com aplicações de talha dourada… (figs. 172, 173). O altar, encimado por um frontão circular de mármore branco, é ladeado por duas pilastras de mármore cinzento, com capitéis jónicos de talha dourada (fig. 174). No friso aplicou-se pedra vermelha da região de Sintra. A moldura da tela de Nossa Senhora da Conceição (a titular do altar), rematada por um arco canopial, é também de mármore branco (fig. 175). No retábulo do altar encontram-se colocados quinze medalhões de mármore, figurando os bustos de apóstolos e de outros santos, sendo “obras italianas de meados do século XVIII”,585

talvez encomendadas pelo bispo D. Baltazar. No que respeita à pintura da Imaculada é de dizer que ela anda atribuída a Pedro Alexandrino, segundo

584

António Rodrigues recebeu 7290 réis por ter feito “…algumas miudezas necessarias para a Caza

Capitular…” e Manuel Soares “mestre ferreiro da caza” recebeu 23.890 réis “…por obras que fes para a torre, jgreja, e Caza Capitular…” (AHME, Bispado de Elvas, Livro de receitas e despesas da fábrica da Sé do ano de 1757 a 1802, 6683/84, fls. 26v.-27).

uns, e a Cyrillo Wolkmar Machado, segundo outros.586 Trata-se de uma boa pintura que, obviamente, não foi entregue a um pintor local e poderá mais facilmente ser atribuível a Pedro Alexandrino do que a Cyrillo.

O compartimento, cujas medidas são 11x6 m,587 é iluminado por quatro janelas que dão para o exterior. Na parede oposta, abriram-se outras tantas janelas, porém cegas, em que as vidraças foram substituídas por espelhos (figs. 172, 173). Os quatro cantos da sala foram cortados, tendo sido decorados com painéis ovais (fig. 187) e rectangulares nos quais foram representadas cenas de paisagens (a azul) e as alegorias das quatro virtudes cardeais – Prudência (fig. 183), Justiça (fig. 180), Temperaça (fig. 182) e Fortaleza (fig. 181) – e do Poder Temporal (simbolizado nas figuras do Rei e da Rainha) (figs. 176, 177) e do Poder Espiritual (simbolizado na figura do Papa) (fig. 178). Num dos painéis, ao lado esquerdo de quem olha para o altar, figurou-se, segundo nos parece, São João Evangelista (fig. 179). Ainda que não apresente os atributos tradicionais, com excepção do livro, o aspecto físico da figura, com traços femininos, leva-nos a concluir ser uma representação desse apóstolo. Por outro lado, o facto de nesse painel se ter pintado a imagem do Sol, para o qual a figura masculina direcciona o seu olhar, poderá remeter para uma passagem do Apocalipse: a Visão de São João na Ilha de Patmos em que o rosto da figura escatológica de Cristo é apresentado “como o Sol quando resplandece com toda a sua força” (Ap 1, 16). Seja como for, a figuração isolada de São João na Sala Capitular justifica-se pelo facto de o altar ser dedicado a Nossa Senhora da Conceição, cuja iconografia deriva da descrição da Mulher Apocalíptica, patente justamente no Apocalipse cuja autoria é dada a São João.

Nos sobrearcos das portas e janelas pintaram-se paisagens e cenas campestres, de “gosto francês”,588

envoltas em molduras de talha dourada, provavelmente inspiradas em gravuras da época (figs. 184-186). As pinturas da Sala Capitular (paisagens e figuração humana) saíram do pincel do elvense António de Sequeira, o qual faleceu em Estremoz, no posto de “Capitão d’Ordenanças”.589

Apesar de não haver provas de arquivo que assegurem a intervenção de António de Sequeira nesse compartimento, não

586 Antonio Thomaz PIRES, “Sala Capitular da Sé d‟Elvas”, op. cit., p. 70. 587 Cfr. Luís KEIL, op. cit., p. 67.

588 Ibidem, p. 67.

589 Cfr. BNP, Reservados, Memorias da Cidade, e Praça d’Elvas, que para auxilio da sua reminiscencia,

colligio de acreditaveis Documentos impressos, e manuscriptos, e de constantes tradições Hum Elvense, op. cit., fl. 11. António Tomás Pires aventa a hipótese de António de Sequeira ter sido familiar (irmão ou

filho) de Francisco Fialho de Sequeira, um vereador elvense que no ano de 1730 estava ocupado nas obras da Basílica de Mafra (a exercer o ofício de pintor? Questiona-se Tomás Pires). (Cfr. A. Thomaz PIRES, Estudos e notas elvenses XI. Investigações Históricas II, op. cit., p. 15).

temos razões para afirmar o contrário. Além disso, António de Sequeira, em Dezembro de 1761, encontrava-se a trabalhar na Capela do Santíssimo Sacramento (doc. 45).

António de Sequeira sente-se mais à vontade na pintura de paisagens, de cenas campestres e bucólicas, já que quando se dedica à representação da figura humana revela dificuldades e até uma certa ingenuidade formal, como também se constata nas telas que executou para algumas capelas dos Passos, na mesma cidade.590 Não obstante, é um pintor actualizado face à moda artística da época no que respeita à pintura paisagista, em parte derivada da influência do francês Pillement no nosso país,591 sendo um importante testemunho da cultura visual do seu tempo e de como esse género artístico teve grande aceitação não só na corte mas também em meios mais „periféricos‟. No princípio da década de 40 do século XX, Luís Keil ainda pôde admirar na sala o “…teto em maceira, pintado e dourado, com palmas entrelaçadas, rosetas e outros motivos de decoração da segunda metade do século XVIII…”592

Uma fotografia dos anos 30 do século XX mostra o interior do espaço, no qual se pode visualizar a sua cobertura (fig. 188). O desleixo a que a Casa do Cabido esteve votada (fig. 171) levou a que o tecto da Sala Capitular se arruinasse. Felizmente, em 2000, todo o edifício foi requalificado - em particular a Sala Capitular que, entre outras intervenções, levou um novo tecto de madeira - e adaptado a Museu de Arte Sacra.

5. Obras e remodelações durante o episcopado de D. Lourenço de Lencastre (1759-