• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 – PEDAGOGIA E DIDÁTICA NO ENSINO SUPERIOR

2.2. Bolonha e os novos desafios para a profissão docente

2.2.1. A adoção do ECTS e as suas implicações pedagógicas

A adoção do ECTS, para além da evidente vantagem que apresenta a nível da mobilidade dos estudantes e do reconhecimento do trabalho efetuado por estes em instituições de ensino superior que não a do seu país de origem, centra a atenção no trabalho do aluno, já que constitui a medida, expressa em horas, do trabalho deste. Estamos já, portanto, distantes da concepção da carga horária dos cursos em função do número de horas atribuído às diferentes unidades curriculares e, consequentemente, de trabalho dos professores em sala de aula. Desta forma, a autonomia do estudante é um elemento essencial, para que este sistema seja, para além de um sistema de transferência, também um sistema de acumulação de créditos10. Como refere De Miguel Díaz (2006, p. 13):

Frente a los enfoques didácticos clásicos centrados en el aula y en la actividad del profesor, hoy se propugna una enseñanza centrada en la actividad autónoma del estudiante, lo que conlleva que tanto la planificación como la realización de los procesos de enseñanza-aprendizaje se lleven a cabo asumiendo este punto de vista.

Como então preparar o estudante para trabalhar de forma autónoma já que as horas de contacto representam uma parte substancialmente menor do número total de horas?

10

Ver página 224 do Projeto Tuning http://www.barentsedu.net/images/20060210120230.pdf. Não obstante a designação “Transferência de Créditos” ser redutora relativamente àquilo que agora se preconiza, já que o sistema atualmente inclui para além da transferência a acumulação, considerou-se desnecessária a mudança de uma designação que já era bastante familiar e cuja alteração iria criar mais entropia do que trazer vantagens significativas.

38

A centralidade do professor nos processos de ensino-aprendizagem tem que ser repensada, não porque seja uma novidade mas porque surge um novo discurso que pressupõe, assim o esperamos, uma nova forma de dinamizar esses processos. O pouco tempo de contacto que os docentes possuem com os estudantes contrasta com o tempo de trabalho total que os planos de estudo, atualmente, preveem. É fundamentalmente nesse período de tempo que a atenção do professor mais se deve centrar. É certo que como refere Sebastião (2009):

Nunca, em tempo algum, os professores se puderam substituir aos alunos nesse momento único e interior em que consiste aprender. O que acontecia é que os professores se substituíam aos alunos no trabalho de procura, organização e sistematização da informação. Depois, aos alunos, competia "aprender", isto é, apropriarem-se do conhecimento, coisa que faziam fundamentalmente de modo mecânico e mnemónico, visando fundamentalmente a reprodução dessas aquisições e a evidenciação dessas competências em situação de prova de avaliação.

Vemos assim que a aprendizagem como processo experiencial e pessoal só pode ser realizada por cada pessoa, no entanto, a forma como o docente organiza o processo de ensino-aprendizagem determina, significativamente, a forma como o estudante investe na aprendizagem. Desta forma, o tempo de contacto pode e deve ser utilizado, não apenas para transmitir a informação, a lição magistral que é também necessária, mas para organizar o trabalho dos estudantes de modo a que no tempo de trabalho autónomo estes procurem, organizem e sistematizem a informação; que se envolvam em projetos, pesquisas e experiências que lhes permitam uma aprendizagem significativa e não a reprodução mnemónica da informação veicula pelos seus professores. A centralidade do professor deixa assim de ser tão evidente passando o foco a ser a aprendizagem dos estudantes.

Uma outra área, que nos parece essencial abordar dentro da mudança formativa implicada no processo de Bolonha, refere-se às estratégias de aprendizagem a que os alunos recorrem quando confrontados com uma tarefa de aprendizagem, ou seja, a abordagem superficial e a abordagem profunda; de acordo com Pina et al. (2003), estas

39

designações são atribuídas a Marton e Saljö (1976) e enquadram-se numa linha de investigação fenomenográfica. No caso dos estudantes que usam preferencialmente a abordagem superficial, a sua motivação é habitualmente extrínseca, sendo que a estratégia a que recorrem “consiste em focar o essencial dos conteúdos, ou matéria de estudo, normalmente informação fatual e concreta, havendo a preocupação de a representar, simbolicamente, também dessa forma, com vista à sua reprodução, o mais fiel e exata possível (Tavares et al., 2003, p. 476). Por outro lado, segundo estes autores, a abordagem profunda resulta de uma motivação intrínseca e

(…) o aluno tende a adoptar estratégias que o ajudem a satisfazer a sua curiosidade na procura do significado inerente à tarefa, de modo a personalizá-la e a torná-la coerente com a sua própria experiência, integrando-a em conhecimentos adquiridos antes ou teorizando acerca da possibilidade dessa integração, levantando hipóteses, regulando os aspetos contraditórios nelas implicados, etc. (p. 476)

Como é evidente, se nos colocamos num paradigma centrado no aluno e, consequentemente na aprendizagem, que ele realiza, é importante conhecer o tipo de abordagem a que o aluno recorre; no entanto, dadas as características deste trabalho, de pouca utilidade imediata esta informação nos serviria caso o professor não pudesse influenciar a abordagem do aluno. É nesta linha que Pina et al. (2003) fazem uma extensa análise das referidas abordagens, confrontando-as com outras que integram no modelo SAL (Student Approaches Learning) que “analisa as abordagens à aprendizagem a partir da perspetiva dos alunos, considerados os contextos em que a aprendizagem ocorre” (Rosário et al., 2006, p. 464). Apesar da extensa literatura já existente neste campo, talvez a conclusão prévia mais importante que podemos retirar dos diversos estudos é, de acordo com Pina et al. (2003, pp. 24-25), a de que “Los estudiantes no son profundos o superficiales, más bien adoptan el enfoque que consideran apropiado a las circunstancias y aquél que les permita llevar a cabo las tareas académicas lo más cómodamente posible”. Dentro das diversas circunstâncias está, sem dúvida, a percepção que o aluno tem da tarefa de aprendizagem e, fundamentalmente, do tipo de avaliação que será realizado. É interessante verificar que estes autores fazem

40

corresponder a abordagem superficial aos níveis I a III da taxonomia SOLO e à abordagem profunda os restantes níveis, IV e V.

Também aqui temos amplo espaço para a intervenção do docente.

2.2.2. Os resultados da aprendizagem e as suas implicações no processo de ensino-