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CAPÍTULO 4 – A AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO DOS DOCENTES NO

4.5. Resistência ao processo de avaliação do desempenho docente

Na literatura anglo-saxónica sobre avaliação surgem frequentemente dois termos – assessment e evaluation – cuja tradução em português se resume a uma única palavra: “avaliação”. Não obstante, a língua portuguesa não comportar estas duas versões da palavra avaliação, Pittas (2000) considera que, geralmente, “assessment” diz respeito à avaliação de pessoas enquanto “evaluation” se dirige habitualmente à avaliação de programas. Apesar da diferença expressa, considera que atualmente essa diferença é muito menos vincada, enfatizando, no entanto, que ambas se referem ao processo de recolha de dados com o objetivo de efetuar julgamentos relativos a pessoas e programas.

Por outro lado, ao estudarmos a etimologia da palavra “assessment” descobrimos que esta deriva do latim assidere, que significa “sentar-se ao lado de” (Ory, 2002). Esta noção de “sentar-se ao lado de” parece bastante distante da que tradicionalmente associamos à palavra dado que nos parece consensual que na cultura portuguesa (e não só) a palavra “avaliação” possui uma conotação negativa, associada a um processo intimidatório. Seldin (2006) refere que “(...) professors, like most human beings, tend to regard an appraisal as an implicit threat. Since evaluation can be ill-defined and threatening and sometimes result in unfair judgement, their resistance needs some sympathetic understanding” (p. 7). É provavelmente por esta razão que a classe docente, que nas suas muitas funções, recorre com frequência à avaliação, seja ela própria muito resistente à mesma quando incide sobre si própria. É portanto fundamental desenvolver processos de avaliação dos docentes que ultrapassem esta resistência “natural”. Seria,

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portanto, essencial que se construísse uma cultura avaliativa que envolvesse as instituições no seu todo e que esta fosse assumida como uma prática quotidiana com o objetivo de melhorar e não de sancionar.

Desta forma, a autoridade não poderá reduzir-se a uma prática que realizam uns (com autoridade e poder) sobre outros, mas um processo reflexivo, sistemático e rigoroso de questionamento sobre a realidade, que deve atender ao contexto, considerar globalmente as situações, atender tanto ao explícito como ao implícito e reger-se por princípios de validade, participação e ética. (Alves & Machado, 2010, p. 94)

Day (1992) refere ainda que, dada a conotação negativa da palavra avaliação, existem autores que sugerem em alternativa as expressões “análise” e “desenvolvimento”. A avaliação dos professores “(…) não deve ser vista como um ataque ao profissionalismo docente, mas sim como uma estratégia de estímulo ao seu desenvolvimento profissional, então é preciso que a prática concreta nas escolas seja coerente com esta orientação” (Day, 1992, p. 91). É também o caso de Higgerson (2006) que considera importante que “(...) faculty perceive teaching evaluation as an activity that supports professional development and enhances teaching success” (p. 36). Para que seja ultrapassada a resistência ao processo de avaliação e se possa assumir o processo de desenvolvimento profissional que deve estar associado a essa avaliação, Higgerson propõe, deste modo, o desenvolvimento das seguintes estratégias:

a) Reconceptualizar a atividade de avaliação do ensino

Para que este processo se torne aliciante para os docentes do ensino superior a autora sugere uma alteração da designação de “performance evaluation” (avaliação de desempenho) para “performance counseling” (aconselhamento de desempenho). Nesta linha, o processo torna-se mais colaborativo, consequentemente, as pessoas que conduzirem o processo poderão fazê-lo de forma mais confortável e ultrapassar o papel de juiz; por outro lado, há uma redução potencial do conflito uma vez que ambos, avaliado e avaliador, são uma equipa com o objetivo comum de melhorar o desempenho do docente.

b) Tornar o ensino uma prioridade

É fundamental que o ensino se torne uma prioridade institucional. “When faculty recognize that student learning is important to documenting academic and

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institutional quality, they will be better able to understand how their teaching constitutes the core of what the institution promises to students. When teaching is a campus priority, the need to assess and improve teaching becomes more apparent as critical to institutional success” (pp. 39-40).

c) Criar um contexto centrado nos docentes.

Poucos docentes apresentarão resistência ao aconselhamento se virem vantagens pessoais nesse processo, a nível do seu desenvolvimento profissional ou de promoção na carreira.

d) Ser concreto e específico ao definir as expectativas de desempenho

“Ambiguity about performance expectations undermines the climate for performance counselling because it can be demoralizing and discouraging to work hard without achieving positive recognition or results”(p. 42). Neste sentido, os aspetos a melhorar devem ser explicitados de forma clara, ligados a comportamentos concretos e, por outro lado, as expectativas de mudança do comportamento devem ser apresentadas da mesma forma. Segundo a autora, esta forma de proceder reduz as probabilidades do docente entender os comentários avaliativos como críticas e poderá ajustar mais facilmente as estratégias para ultrapassar as limitações apontadas.

e) Criar expectativas de revisão contínua

A autora defende que a avaliação ou a revisão de uma avaliação formal deve ser um processo contínuo e o mais próximo possível dos acontecimentos e não um acontecimento anual. Desta forma, reduz-se a ansiedade relativa à avaliação e mais colegas poderão de forma construtiva e informal contribuir para a melhoria do desempenho mantendo assim uma “coaching perspective of teaching assessment” (p. 45).

f) Minimizar o potencial de conflito

A fim de minimizar potenciais conflitos é fundamental que se utilize uma abordagem centrada nos comportamentos e não na personalidade, ou nas características do docente, ou seja, a linguagem utilizada para além de ser do tipo que demonstre consideração pelo docente e pela sua perspetiva, deve considerar-se exemplos comportamentais despersonalizando o debate em torno do desempenho do docente. De Ketele (2010, p. 25) refere a este propósito: “No

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quadro de uma postura de reconhecimento, o que a avaliação supõe não é emitir um ‘juízo’ sobre a pessoa do professor e dos seus comportamentos nem sobre as suas práticas como sucede muitas vezes, mas sobre os efeitos das práticas”. É essencial que as práticas sejam analisadas em função dos seus efeitos e não por si mesmas, da mesma forma que o que está em causa não é a pessoa do docente mas as implicações/efeitos do seu fazer profissional.

g) Reconhecer e apoiar a melhoria

O desenvolvimento de momentos de encontro onde os docentes partilham as suas experiências pedagógicas e os aspetos em que são mais bem-sucedidos permitiriam o reconhecimento do desempenho e a melhoria do mesmo. Regressando a De Ketele (2010): “Uma avaliação conduzida com uma postura de reconhecimento tenta identificar, valorizar e gratificar o pólo de excelência de cada professor, de cada aluno de cada turma, de cada escola” (p. 25).

Concluímos, deste modo, que as dinâmicas que temos vindo a apresentar no que à avaliação concerne – o trabalho em colaboração; a integração na organização e na comunidade; o “contagiar” e o deixar-se “contagiar” – estarão na base do combate à resistência em relação ao processo de avaliação que deve ser assumida como forma de melhoria do desempenho pedagógico-didático dos docentes.

Arreola (2000b) refere também os obstáculos ao estabelecimento de um programa de avaliação que não esteja ligado a um programa de desenvolvimento, já que defende que ambos constituem as duas faces de uma moeda:

The problem of establishing successful faculty evaluation and development programs does not lie so much in not knowing what procedures to follow in evaluating faculty or not knowing how to develop new skills or enhance old ones. The problem lies in getting faculty and administrators to change their behavior in important and fundamental ways” (p. xxi).

Quais são então as mudanças significativas no comportamento dos docentes e dos administradores que Arreola invoca? Basicamente duas: 1) a apatia dos administradores, ou seja, o desinteresse, o não-envolvimento no processo e 2) a

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resistência dos docentes. Relativamente a este último aspeto o autor refere que “(…) the real problem lies in getting large numbers of intelligent, highly educated, and independent people to change their behavior” (p. xxi) e esta situação derivaria da resistência do corpo docente a ser avaliado baseada na ideia de que implicitamente poderão estar a ser considerados incompetentes, na suspeição de que esta avaliação poderá ser feita por pessoas incompetentes e, por último, de uma ansiedade relacionada com a eventual responsabilização por um desempenho numa área em que têm pouca ou nenhuma preparação (por exemplo, a nível pedagógico).

É conhecida na literatura a dificuldade em implementar um sistema de avaliação de desempenho docente, já que se argumenta com frequência a dificuldade e a falta de objectividade de tal processo e, em particular, no ensino superior, uma vez que segundo alguns, sendo o objetivo deste Ensino a produção de saberes e a difusão dos mesmos, esta difusão coloca poucos problemas porque se trata de uma relação de adultos. É fundamental ultrapassar estas concepções e desenvolver uma cultura de avaliação que envolva os docentes num processo de avaliação que seja por eles apoiado, se quisermos que seja eficaz. Defendemos neste trabalho que é fundamentalmente na autoavaliação que se deve basear esse processo, no entanto, entendemos que o mesmo beneficia com contributo dos pares (coavaliação) e com o recurso pontual a um especialista que a nível de heteroavaliação também dê o seu contributo para a melhoria das práticas docentes. Como refere Díaz Alcaraz (2007, p. 85):

Creemos que la autoevaluación o evaluación interna de la práctica docente es una modalidad de evaluación mejor que la evaluación externa, porque el profesorado parece reacio a cualquier política de control y rendición de cuentas de tipo externo y asume mejor un tipo de responsabilidad más personal con respecto a la calidad de su trabajo con los alumnos.

Esperamos ainda que a avaliação da qualidade no ensino superior contemple, a nível do corpo docente, não só a adequação do contingente e respetivos graus académicos aos cursos ministrados pelas instituições e ao número de alunos, mas também os aspetos relativos à competência pedagógica e à sua adequação ao novo paradigma postulado por Bolonha. Desta forma, espera-se que, tal como referia Zabalza

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(2007), se ultrapasse a “arquitetura académica de Bolonha” para se poder passar para a “arquitetura cultural de Bolonha”.

Apesar de existirem dificuldades na avaliação de desempenho docente, essas dificuldades que derivam fundamentalmente do facto de ser uma situação complexa, não significa impossibilidade de a realizar. De igual forma, a complexidade da profissão docente não impede os docentes de a desenvolverem pelo que um conhecimento sobre as características do que deve ser a pedagogia e a didática, atualmente, no ensino superior parecem-se cruciais, já que entendemos que a avaliação na sua perspetiva formativa é fundamentalmente uma estratégia de desenvolvimento profissional, ou seja, “a avaliação é uma actividade que deve ser exercida em proveito daqueles sobre os quais ela se exerce” (Hadji, 1994, p. 88). Fica igualmente o aviso de Stake (1998, p. 8) de que quando se aumenta a preocupação com a avaliação, o apoio ao desenvolvimento profissional dos docentes deveria ser prioritário:

So, by my account, we are increasing the emphasis on evalution without increasing support for professional development, for helping teachers improve. (…) The critical question is not how to evaluate but for what will be the results be used. To help or to take action against. With simple rubrics, I see the perils outnumbering the rewards.

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CAPÍTULO 5 – O PORTEFÓLIO COMO DISPOSITIVO