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CAPÍTULO 2 – PEDAGOGIA E DIDÁTICA NO ENSINO SUPERIOR

2.2. Bolonha e os novos desafios para a profissão docente

2.2.2. Os resultados da aprendizagem e as suas implicações no processo de ensino-

A passagem de um ensino baseado na transmissão de conhecimentos para um ensino baseado no desenvolvimento de competências concretiza-se, no caso dos planos de estudos na definição dos resultados da aprendizagem (Learning Outcomes) que podem ser definidos como “statements of what a learner is expected to know, understand and/or be able to demonstrate after completion of a learning programme”11

. Também aqui, estamos perante uma mudança significativa, já que as unidades curriculares, os respetivos planos de estudos/cursos e, inclusive, os ciclos de estudos devem ser pensados em termos de competências e não mais de objetivos. Também é um facto que se trata de dois tipos de competências: gerais e específicas. Por competências gerais, entende-se o tipo de competências que são transferíveis para outros contextos, que não os relativos, por exemplo, a unidades curriculares específicas; contam-se entre estas:

(...) capacity for analysis and synthesis, general knowledge, awareness of the European and international dimension, capacity for independent learning, co-operation and communication, tenacity, capacity for leadership, organisational and planning abilities.12

O Decreto-Lei nº 74/2006 de 24 de Março refere-se a estas competências como instrumentais, interpessoais e sistémicas. Por outro lado, as competências específicas decorrem dos conteúdos específicos das unidades curriculares e têm a ver com o conhecimento fatual que flui das mesmas, da forma de abordar os problemas nessas

11 Documento intitulado “Educational Structures, Learning Outcomes, Workload and the Calculation of

ECTS Credits”, produzido no âmbito do Projeto Tuning Educational Structures in Europe, acedido em 20 de Agosto, 2007, em http://www.barentsedu.net/images/20060210120230.pdf

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mesmas disciplinas científicas, a sua história, e o desenvolvimento que sofreram. Se considerarmos as competências, de forma geral, como “(…) des savoir-faire de haut niveau, qui exigent l’intégration de multiples ressources cognitives dans le traitement de situations complexes” (Perrenoud, 1995), temos que pensar de forma criteriosa sobre as estratégias que, como docentes, teremos que desenvolver para que os estudantes as atinjam e, complementarmente, em formas de as avaliarmos. As competências exigidas no novo EEES vão de encontro às necessidades da sociedade do conhecimento e deverão ultrapassar a crítica de Demo (2005) quando este afirma: “(…) prepara-se o aluno para trabalhar no passado, pois, não sabendo pensar, lidar com o conhecimento, aprender a aprender, os conteúdos esgotam-se em poucos anos” (Mudanças inelutáveis e ineludíveis na Universidade, para. 7).

Tomando como referência as competências definidas, o docente deve efetuar a sua planificação explicitando as modalidades e metodologias de ensino-aprendizagem ou, na terminologia utilizada por Biggs (1996), as atividades de ensino-aprendizagem, que são adequadas para que o aluno adquira as mencionadas competências, bem como a forma e critérios de avaliação que confirmem essas aquisições (cf. De Miguel Díaz, 2006). Retomando a nomenclatura de Arreola, Aleamoni e Theall (2001), é necessário que o docente possua os instructional design skills, ou seja, as competências a nível da planificação dos ambientes de aprendizagem, bem como os instructional delivery skills, isto é, as competências para implementar de forma eficaz, a planificação que efetuou. Em consonância com estes dois tipos de competências, deverá ainda possuir competências a nível da avaliação para que esta se constitua como autêntica, ou seja, numa avaliação que

(…) se centra fundamentalmente en recoger vivencias y evidencias sobre el aprendizaje de procesos más que resultados y interesada en que sea el propio alumno quien asuma la responsabilidad del aprender. En tal sentido se procura que la evaluación no se constituya en un fin, es decir, que solo esté destinada a comprobar resultados sino que se transforme en un medio que permita asegurar que las estrategias elegidas para aprender sean las adecuadas y considere los propósitos formativos y disciplinarios que correspondan, respete las características propias de los estudiantes y en suma que sea

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una respuesta a un contexto determinado que asegure el éxito en el aprender (Acevedo, 2005, p. 28).

Também D. Fernandes (2005, p.65) reforça a função reguladora e de melhoria das aprendizagens deste tipo de avaliação, que o autor denomina avaliação formativa alternativa, ao referir que é seu objetivo “(…) conseguir que os alunos aprendam melhor, com compreensão, utilizando e desenvolvendo as suas competências, nomeadamente as de domínio cognitivo e metacognitivo”. A avaliação “autêntica” é conhecida na literatura por outras designações, nomeadamente, avaliação contextualizada, avaliação formadora, de regulação controlada dos processos de aprendizagem, avaliação educativa ou ainda avaliação formativa alternativa.

É um facto que muita da avaliação praticada nas nossas instituições de ensino superior é de tipo normativo; cada estudante é comparado com outros e “colocado”, em função do instrumento de avaliação, num ponto de uma escala que estabelece a norma, o ponto máximo e o ponto mínimo. Os estudantes são assim ordenados, a partir do que teve melhores resultados para o que teve pior. Também nos parece que esta forma de avaliação está muito mais ligada com a primeira geração da avaliação: a avaliação como medida que abordaremos no próximo capítulo. Por outro lado, a avaliação criterial baseia-se em critérios previamente definidos e, com ela, pretende-se verificar em que medida o estudante os alcançou. Parece-nos também, neste caso, que a avaliação criterial estará ajustada àquilo que se pretende com o ensino por competências. A conhecida metáfora do cirurgião, que demonstra conhecer e utilizar todo um conjunto de instrumentos e procedimentos para realizar uma cirurgia, mas que não é capaz de tratar o problema do paciente, demonstra de que forma numa abordagem normativa este cirurgião (ou aprendiz de cirurgião) obteria uma elevada pontuação, quando na realidade a competência final não foi alcançada. Numa perspetiva criterial a sua avaliação seria francamente negativa.

Biggs & Collis (2002) apresentam uma taxonomia de avaliação conhecida pela sigla SOLO (Structure of the Observed Learning Outcome) que vai de encontro ao tipo de avaliação que temos vindo a preconizar, já que define a existência de critérios

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prévios relativamente aos quais os estudantes são avaliados. Defendem que esta taxonomia corresponde àquilo que se pretende que seja o tipo de competências dos alunos no ensino superior. Os estudantes seriam avaliados pelo nível, de entre os cinco previstos, a saber:

I - Nível Pré-Estrutural, em que a resposta à tarefa ou questão é irrelevante; parece não existir compreensão da tarefa;

II - Nível Uniestrutural, em que as respostas se centram num único aspeto e cujos dados derivam diretamente do enunciado;

III - Nível Multiestrutural, em que o estudante é capaz de generalizar mas considerando, unicamente, alguns aspetos independentes e não consegue extrair diferentes conclusões a partir dos mesmos dados;

IV - Nível Relacional, em que o estudante recorre ao pensamento indutivo e consegue generalizar, mas dentro de um contexto específico ou da sua experiência;

V - Nível de Abstração Alargada, em que o estudante recorre à indução e à dedução e consegue generalizar para além das situações esperadas.

Dentro de cada nível colocam-se questões quantitativas, a nível, por exemplo, da quantidade de detalhes – “quanto é que o aluno sabe” –, mas a pedra de toque é a dimensão qualitativa – saber de que forma o estudante aprendeu.

A adoção de uma taxonomia deste tipo vai ao encontro da necessidade de promover nos alunos um tipo de aprendizagem que ultrapasse a listagem de factos ou conceitos, para uma que, para além de os relacionar, potencie e confirme a capacidade do aluno para a generalizar aos contextos de trabalho (por exemplo), e a outros que não foram previstos, na forma como a tarefa foi abordada. Como confirmação desta abordagem encontramos Centra (2000) que refere:

Although quantity of learning is difficult to judge reliably, quality of learning can be more readily assessed. Quality estimates include the fit between course objectives and the kind of learning assessed in course exams, assignments, and projects. Poor instruction exists when only low-level learning objectives (such as recall of

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information) are examined, even though the course objectives may include higher-level learning. (p. 92)

De Miguel Díaz (2006) apresenta uma proposta que se encontra em consonância com o “alinhamento construtivo” preconizado por Biggs (1996), segundo o qual deverá existir congruência entre as competências definidas, as estratégias de ensino- aprendizagem implementadas pelo docente e a avaliação:

In a system, the components interact with each other, working towards a stable equilibrium…. Thus, if the set assessment tasks address lower cognitive level activities than those nominated in the curriculum objectives, equilibrium will be achieved at a lower level…. Attempts to enhance teaching need to address the system as a whole, not simply add ‘good’ components, such as a new curriculum or methods”. (p. 350)

Assim sendo, no centro da planificação, no modelo de De Miguel Díaz (2006) estão as competências. Após estas definidas, procura-se encontrar as modalidades, ou seja, “as maneras distintas de organizar y llevar a cabo los procesos de enseñanza- aprendizaje” (p. 19). Apesar de reconhecer que as aulas teóricas são a modalidade mais frequente no ensino superior, não considera que seja, por si só, recomendável se pretendemos desenvolver o trabalho autónomo do aluno. Defende este autor que um pluralismo das modalidades “(…) dando un mayor peso a las otras modalidades presenciales y potenciando especialmente las no presenciales, con el fin de que el estudiante tenga más oportunidades de ser el protagonista en la búsqueda del conocimiento” (pp.19-20). Apresenta, então, sete modalidades, sendo que cinco delas se centram na vertente presencial (aulas teóricas, seminários e oficinas, aulas práticas, práticas externas que se assemelhariam a períodos de estágio e tutorias) e duas numa vertente semipresencial ou de trabalho autónomo (estudo e trabalho em grupo, e estudo e trabalho autónomo de tipo individual). Reside aqui uma primeira decisão que é determinante na mudança metodológica, a saber: “(…) distribuir los créditos de una materia o asignatura en horas presenciales y no presenciales y, posteriormente, el total destinado a cada una de estas dos partes en distintas modalidades organizativas” (De Miguel Díaz, 2006, p. 22). O segundo nível de decisão, coloca-se a nível da escolha dos métodos que o autor define como a “(…) forma de proceder que tienen los profesores

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para desarrollar su actividad docente” (p. 22). Novamente, neste nível, o autor duvida que a lição magistral, que considera que a estratégia mais utilizada no ensino superior, seja mais eficaz para implicar os alunos no seu processo de aprendizagem. Sugere, então, para além do método expositivo ou lição magistral, mais seis métodos – estudo de casos, resolução de exercícios e problemas, aprendizagem baseada em problemas, projetos, aprendizagem cooperativa e contratos de aprendizagem. Sintetiza a relação entre modalidades de métodos num quadro que reproduzimos abaixo.

Quadro nº 1 – Relação entre métodos de ensino e modalidades organizativas (Retirado de De Miguel Díaz, 2006, p. 25)

A análise desta tabela de dupla entrada permite-nos perceber que na intercepção das modalidades com os métodos surge-nos um algarismo que pretende traduzir a relação maior (3) ou menor (1) entre os dois. Assim sendo, o estudo individual, por exemplo, apresenta uma relação mais forte com o método de trabalho por projetos e com os contratos de aprendizagem do que com qualquer outro método. Se fizermos uma leitura na horizontal, constatamos que o estudo e o trabalho em grupo são as modalidades que maior compatibilidade apresentam com um maior número de métodos

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(total 14). Se fizermos a análise na vertical verificamos que a aprendizagem baseada em problemas (total 14), seguida da resolução de problemas (13), é o método que maior adequação apresenta com as diversas modalidades alistadas.

Em síntese, como é que se promove a aprendizagem autónoma e independente dos alunos? Para De Miguel Díaz (2006) “(…) es enfrentándoles a situaciones en las que tienen que utilizar estrategias de búsqueda de información, aplicar los nuevos conocimientos para la solución de problemas realistas, tomar decisiones y trabajar de forma autónoma, reflexiva y crítica” (p. 22) e, para isso, uma seleção cuidadosa das situações de aprendizagem é essencial e, consequentemente, as modalidades e os métodos devem responder ao mesmo nível.