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CAPÍTULO 1 – O ENSINO SUPERIOR

1.1. Perspetiva da criação e desenvolvimento do ensino superior

Data da Idade Média o surgimento das universidades e, consequentemente, do ensino superior. Em Portugal, a Universidade de Coimbra é a primeira a ser criada, em 1 de Março de 1290 por D. Dinis. Portugal, apesar de ser considerado um país semiperiférico, tem uma longa tradição a nível do ensino superior, já que esteve entre os primeiros dez países europeus que criaram universidades. De acordo com Conceição, Durão, Heitor e Santos (1998), as universidades apesar de terem sido criadas na Idade Média mantiveram-se relativamente iguais a nível de identidade e cultura até ao século XIX. Os autores em causa citam um relatório da OCDE que refere que, neste período, a principal função das mesmas era proporcionar um ensino de grau avançado na área das

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Letras e Ciências “(…) preocupando-se com o desenvolvimento intelectual, formação do carácter e socialização dos seus alunos, traços essenciais para as futuras elites dirigentes” (p. 1). Era, portanto, objetivo de base desta instituição a transmissão da herança cultural, filosófica e religiosa cujas origens remontam à Antiguidade Clássica. A partir do século XIX, quer Conceição et al. (1998), quer Gago (2003) retratam a evolução desta instituição, baseando-se num estudo histórico e sociológico de 1971 da autoria de Ben-David, segundo o qual seriam três os modelos ou paradigmas que caracterizaram as mudanças ocorridas posteriormente:

1. O modelo inglês ligado ao paradigma da personalidade, em que a formação integral do indivíduo e a educação liberal são as pedras de toque;

2. O modelo francês, dependente do Estado e ligado à educação profissional. Neste modelo as instituições de ensino e os centros de investigação são entidades separadas e controladas pelo Estado;

3. O modelo alemão que enfatiza a investigação e que preconiza a autonomia.

A propósito da autonomia referida por Ben David relativamente ao modelo alemão, invocamos Conceição et al., (1998) que refere para este modelo “(…) a autonomia do ensino através do conhecimento académico; a liberdade da vida académica; a unidade entre investigação e ensino” (p. 1).

Os últimos cinquenta anos apresentam ainda dois períodos marcantes que os autores atrás invocados situam entre a II Guerra Mundial e os anos 70, o primeiro, e o segundo a partir daí até ao momento presente. O primeiro período corresponderia a um forte crescimento e expansão dos sistemas educativos e o segundo a um relativo abrandamento dos mesmos.

De acordo com Leão (2007), surge na década de 70 do século XX, em Portugal, o ensino politécnico, decorrente da conhecida reforma de Veiga Simão e das necessidades sentidas a nível do mercado de trabalho (formação de quadros que dessem resposta às necessidades das empresas, fundamentalmente de pequena e média dimensão), bem como do “(…) aumento do número de anos de escolaridade obrigatória e a crescente tomada de consciência face à necessidade de democratização do ensino ou

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de transposição dos ideários democráticos para a esfera do sistema educativo” (p. 13). Na altura da sua criação a designação adoptada era a de ensino superior curto, sendo apenas em 1979 que surge com a designação de ensino politécnico (cf. Freixo, 1996). Passam então a coexistir, no ensino superior, dois subsistemas: o universitário e o politécnico.

O politécnico caracteriza-se, de acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo3 (Lei nº 46/86 de 14 de Outubro, ponto 4 do artº 11º), pela sua orientação para :

A investigação aplicada e de desenvolvimento, dirigido à compreensão e solução de problemas concretos, visa proporcionar uma sólida formação cultural e técnica de nível superior, desenvolver a capacidade de inovação e de análise crítica e ministrar conhecimentos científicos de índole técnica e prática e as suas aplicações com vista ao exercício de atividades profissionais.

Desta forma, apesar de ambos os subsistemas colocarem a investigação, o espírito (ou análise) crítico, a formação técnica e a inovação como referências importantes, parece caber ao politécnico uma vertente mais prática, concreta ou aplicada. Não obstante a diferenciação postulada por lei entre os dois subsistemas não é fácil perceber, no concreto, a diferenciação dos dois sistemas, por exemplo, a nível dos cursos que são lecionados. A título de exemplo, refira-se a existência de cursos na área da educação, com o mesmo tipo de saídas profissionais, a serem lecionados em instituições politécnicas e universitárias4. Também nos parece evidente que ambos os sistemas não gozam do mesmo reconhecimento social, sendo que o universitário se sobrepõe, de forma evidente, ao politécnico. Os próprios graus atribuídos, atualmente5, nestes dois sistemas, apenas coincidem até ao nível de mestre (2º ciclo de Bolonha), sendo apenas possível no ensino universitário a atribuição do grau de doutor, isto

3 Com as alterações introduzidas pela Lei 115/97 de 10 de Setembro e pela Lei 49/2005 de 30 de Agosto. 4 A Universidade do Minho e as Escolas Superiores de Educação do Porto e de Viana do Castelo,

oferecem ambas, por exemplo, uma licenciatura em educação básica.

5 Se recuarmos no tempo verificamos que, na época em que se dá a diversificação do Ensino Superior, e

em que este passa a contar, para além das Universidades, com os Institutos Politécnicos e com as Escolas Normais Superiores (1973), o único grau académico que a via não-universitária podia conceder era o de bacharel (cf. Braga & Grilo, 1981).

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independentemente das condições das diferentes instituições. Por outro lado, a própria carreira docente é distinta.

Não obstante as vozes que advogam a importância da diversidade do sistema de ensino superior, e a igualdade entre os dois sistemas6, universitário e politécnico, este último parece desconfortável na sua posição, procurando demarcar-se do ensino médio que lhe deu origem e aproximando-se do ensino universitário cujo estatuto “inveja”. Apesar das diferenças entre os dois subsistemas não se colocarem como diz Leão (2007) “(…) fundamentalmente ao nível do rigor com que desempenham as respectivas missões, mas sim na essência da sua vocação”(p. 70), num recente relatório encomendado pelo governo português à OCDE (2007) sobre a avaliação do nosso ensino superior, a equipa de relatores apresenta o desejo expresso por muitas instituições politécnicas de ascenderem ao estatuto de universidades.

A este sistema binário (universitário/politécnico), sobrepõe-se um outro a nível do sector público e privado e cooperativo (incluímos no ensino privado e cooperativo o ensino concordatário ministrado pela Universidade Católica). Também como é do conhecimento geral, o ensino superior em Portugal cresceu de forma significativa nos anos 80 e 90, tendo vindo a decrescer a partir daí. Esta situação veio a despoletar o surgimento e o desenvolvimento de várias instituições de ensino superior de uma forma tão significativa que o sector privado veio a conhecer em 1996 um “pico” de 121.000 estudantes. No entanto, o decréscimo acentuado no número de alunos tem-se vindo a sentir a partir de então causando o encerramento de diversas instituições (só em 2005 encerraram 25 instituições de ensino superior privado e cooperativo).

De acordo com os dados da OCDE (2007), de um total de 160 instituições de ensino superior existentes em 2006 em Portugal, 93 pertencem ao sector politécnico e representam 37% (cerca de 135.700) dos estudantes inscritos nesse ano lectivo (o sector universitário contava à mesma data com 231.000)7. No seu conjunto, 25% dos

6 Para Freixo (1996) entre um sistema e outro “não deverá haver hierarquia social ou desigualdade, antes

haverá diferença de vocação, de método e de relação com a sociedade” (p. 12)

7 Dados obtidos através do Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais,

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estudantes encontravam-se inscritos no ensino privado e cooperativo. É importante reconhecer a dimensão do sector privado e cooperativo, não só pelo número de alunos, mas também pelo número de instituições que, em 2006, ascendia a mais de 100.

O sistema de ensino superior em Portugal tem vindo a sofrer, nos últimos anos, alterações consideráveis decorrentes do conhecido Processo de Bolonha, em particular, a partir de 2005, ocasião em que foi publicado o primeiro normativo legal. Não é possível, portanto, perspetivar qualquer tipo de investigação situada no ensino superior sem que se abordem as referidas alterações.