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CAPÍTULO 2 – PEDAGOGIA E DIDÁTICA NO ENSINO SUPERIOR

2.3. A reflexão como base de um ensino de qualidade

Apesar de nos parecer evidente, não faria sentido não referir de forma explícita a necessidade de uma mudança nos modelos mentais dos docentes, dado que é aí que consideramos que reside a possibilidade de uma verdadeira mudança. De pouco servirá introduzir novas metodologias, mesmo as mais ativas, se a nível mental nenhuma alteração se produzir. A mudança que se está a processar é uma mudança global, envolvendo todo um sistema, pelo que não pode, por isso mesmo, passar unicamente pela mudança da estrutura dos planos de estudos e pelos aspetos formais que lhe estão subjacentes. Recorrendo à terminologia de Piaget, para além da assimilação de nova informação, é necessária também a acomodação. De que forma, então, relacionam os professores as concepções da aprendizagem, do ensino e da natureza do conhecimento (cf. Biggs, 1996) com as suas práticas docentes? Como fazer com que a teoria racionalizada (espoused theory) dos docentes corresponda à aplicação dessa mesma teoria (theory-in-use) (cf. Biggs, 1996)?

Goodyear e Hativa (2002) defendem que “It would be naïve to say that belief and intention are the bedrock for behaviour or action (…). Nevertheless, it is in the discourse of beliefs about teaching that we can find some of the opportunities for

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Na linha de uma mudança “radical”, McAlpine e Weston (2002) desenvolveram o modelo metacognitivo de reflexão – um modelo empírico, resultante da observação e entrevista de seis docentes universitários considerados bem-sucedidos, que mostra de que forma a reflexão pode funcionar como uma estratégia metacognitiva para avaliar e melhorar o ensino. Partem do pressuposto de que a reflexão baseia-se na ação, na experiência, e que o feedback sobre essa experiência é fundamental para transformar a experiência em conhecimento. Não querendo detalhar este modelo, consideramos que as suas implicações para a melhoria do ensino são significativas, já que corroboram a noção generalizada da importância da reflexão para a ação, na ação, e sobre a ação, para o desenvolvimento e melhoria do ensino. A centração do docente no impacto que tem sobre o estudante é fundamental para a sua decisão de modificar a sua abordagem do processo de ensino-aprendizagem. Reforçam ainda a ideia já expressa de que é necessário conhecimento sobre o processo de ensino-aprendizagem, sobre o que é aprender e ensinar, para que a reflexão produza efeito. Recorrendo às palavras de McAlpine & Weston (2002):

(…) knowledge is necessary for the process of reflection to be effective, yet the process of reflection enables the building of knowledge. This suggests that without specialized training or support from experienced teachers who can model their own ways of reflecting, inexperienced professors may find it hard to develop their knowledge bases and improve ability to reflect. (pp. 69-70)

Desta forma, para que o docente possa ser eficaz no seu processo reflexivo necessita de conhecimento em que basear essa reflexão e essa mesma reflexão possibilita novo conhecimento. O conhecimento a que nos referimos não se reporta unicamente ao que decorre do estudo das teorias educacionais ou de teorias da aprendizagem, mas a um tipo de conhecimento fundamental que deriva da prática, a um conhecimento tácito. Este tipo de conhecimento não se insere na racionalidade técnica tradicional pelo que é, por vezes, desconsiderado. Como refere Schön (1996): “Observer et étudier l’agir professionnel pour y découvrir les savoir déjà présents, c’est renoncer à une conception particulière de la recherché rigoureuse (…)” (p. 30). No entanto, não há uma rejeição da racionalidade técnica mas o assumir de que esta não é a única forma de

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racionalidade, nem a prioritária, quando se abordam questões complexas e problemáticas e sim que a abordagem reflexiva contribui para o tipo de conhecimento necessário para lidar com o referido tipo de questões. Schön (1991) defende assim uma epistemologia da prática considerando que o tipo de conhecimento que deriva da mesma é fundamental para qualquer profissional que lida com situações de grande complexidade e incerteza. Os docentes exercem a sua atividade em contextos muito específicos e de grande complexidade onde têm de tomar decisões e resolver situações no preciso momento em que estas ocorrem. Schön (2000) considera dois tipos de reflexão: a reflexão sobre a ação que acontece depois da situação e que até pode ocorrer numa pausa ou num momento de maior tranquilidade; e a reflexão na ação que ocorre quando estamos em situação, sem parar para ponderar, mas contribuindo este “pensar” para uma reorientação do que estamos a fazer. Ambas as formas de reflexão produzem importante conhecimento e promovem igualmente a reflexão para ação, ou seja, a reflexão que antecede a ação, que a prepara e que é alimentada pelas duas outras formas de reflexão. O conhecimento que se desenvolve, fruto destas experiências, deve ser valorizado porque, tal como Zeichner (1993) defende, este tipo de conhecimento deriva da reflexão sobre a prática e na prática e inicia-se com a problematização dessa mesma prática. Um conhecimento que não deriva do próprio é pobre:

O conceito de professor como prático reflexivo reconhece a riqueza da experiência que reside na prática dos bons professores. Na perspectiva de cada professor, significa que o processo de compreensão e melhoria do seu ensino deve começar pela reflexão sobre a sua própria experiência e que o tipo de saber inteiramente tirado da experiência dos outros (mesmos os outros professores) é, no melhor dos casos, pobre e, no pior, uma ilusão. (p. 17)

O facto de se considerar que o conhecimento resultante da experiência do próprio é o mais rico não significa que a relação com os outros profissionais (docentes) não seja positiva nem que prejudique essa mesma reflexão, antes pelo contrário. É importante e necessário o trabalho em equipa para a melhoria do ensino-aprendizagem de que é também um exemplo a investigação-ação de Galvão & Freire (2002). No estudo em causa foi utilizado o diário de aula para estudar a construção do conhecimento profissional de uma docente universitária principiante e recorrendo a uma

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estratégia de cooperação com uma docente experiente. No processo de escrutínio da prática, em grupo, o docente torna-se consciente das suas teorias práticas, analisa-as e discute-as com outros colegas que muitas vezes partilham das mesmas preocupações e dos mesmos dilemas:

Uma maneira de pensar na prática reflexiva é encará-la como a vinda à superfície das teorias práticas do professor, para análise crítica e discussão. Expondo e examinando as suas teorias práticas, para si próprio e para os seus colegas, o professor tem mais hipóteses de se aperceber das suas falhas. Discutindo publicamente no seio de grupos de professores, estes têm mais hipóteses de aprender uns com os outros e de terem mais uma palavra a dizer sobre o desenvolvimento da sua profissão.” (Zeichner, 1993, pp. 21-22)