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2. A ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL: HISTÓRICO E ATUALIDADE

2.1. O SURGIMENTO DAS EMPRESAS RECUPERADAS SOB A INFLUÊNCIA

2.1.3. A alternativa por meio da autogestão em Empresas Recuperadas

A adesão às políticas neoliberais, além de intensificar o empobrecimento da parcela (já empobrecida) da população, afetou também, aqueles trabalhadores que estavam incluídos no mercado formal de trabalho, acarretando desemprego e precarização do trabalho. Frente a este contexto, houve o surgimento das Empresas Recuperadas no Brasil.

De acordo com Faria (2005: 277), até os anos 1980 as formas de atuação operária eram mais comuns nas comissões de fábricas. Era possível, neste período “contar nos dedos as experiências brasileiras de cooperativas de produção”. A preocupação com a gestão/controle do processo de trabalho pelos trabalhadores se dava mais no plano ideológico, que no real. Na década de 1990 começaram a despontar as primeiras experiências de recuperação de empresas

pelos trabalhadores no Brasil, a partir da iniciativa de trabalhadores que buscavam assegurar os postos de trabalho e a sobrevivência, perante a conjuntura de desemprego e, com isso, evitar sua própria situação de pobreza e exclusão social.

As Empresas Recuperadas são unidades produtivas abandonadas pelos proprietários (capitalistas) e colocadas em funcionamento pelo coletivo de trabalhadores, de maneira autogestionária. Ruggeri (2009) destaca que a recuperação de empresas é um processo marcado por um longo e complexo caminho, feito pelos trabalhadores sob a forma de gestão coletiva. Trata-se de um processo e não um acontecimento, isso porque “as empresas recuperadas não são somente as que estão produzindo, ou as que estão expropriadas, ou as que são cooperativas de trabalho, ou qualquer outro critério que reduza o caso a um aspecto do processo sem contemplar sua totalidade”. Ou seja, a conceituação não pode ser baseada apenas em um (ou mais) destes elementos, mas sim, em todo o contexto (histórico, econômico e social) que levaram a ele:

Podemos considerar as empresas recuperas como um processo social e econômico que pressupõe a existência de uma empresa anterior, que funcionava sob o modelo de uma empresa capitalista tradicional (inclusive, em alguns casos, sob formas legais cooperativas) e cujo processo falência, esvaziamento e inviabilidade levou seus trabalhadores a uma luta para colocá-la em funcionamento sob formas autogestionárias (RUGGERI, 2009: 19).

Nos casos de falência de uma fábrica, os trabalhadores tinham poucas alternativas, sendo a mais comum, deixar que o processo de fechamento ocorresse e esperar que ocorresse o leilão dos bens da empresa, sendo que deste, os trabalhadores receberiam uma fração dos créditos. Neste caso, os trabalhadores deveriam entrar com um processo na Justiça do Trabalho e esperar para que esta pudesse obrigar os antigos donos da empresa a pagarem os trabalhadores. No entanto, esta alternativa obrigava os trabalhadores a esperar até que as empresas pudessem vender todos os bens, a fim de gerar um ativo capaz de quitar a dívida com eles. Na maioria das vezes, esta alternativa era individual – os trabalhadores, cada um por si, buscariam a solução junto a Justiça do Trabalho. Ou seja, apesar de ter prioridade no recebimento, o passivo trabalhista destes trabalhadores seria uma, dentre as tantas dívidas que a empresa acumulava – como fornecedores, bancos, etc. A este respeito, Faria destaca que

“em geral passam-se anos entre o fechamento da planta e o seu leilão e neste período instalações e maquinário sofrem desvalorização quase total” (FARIA, 2005: 05).

Além disso, estes trabalhadores deveriam buscar por novos postos de trabalho. E por se tratar de um período de crise generalizada, seria muito difícil para eles conseguirem se inserir no mercado de trabalho novamente, uma vez que a maioria das empresas não estava realizando novos investimentos – ao contrário disso, buscavam reduzir seus custos, dentre os quais, a redução da quantidade de trabalhadores – e não geravam novos postos de trabalhos e, portanto, não contratavam trabalhadores.

Outra opção para os trabalhadores era, após decretar a falência da empresa, esta ser retomada, ainda em forma de empresa capitalista, pelos trabalhadores mais antigos, que eram detentores dos maiores créditos trabalhistas e, portanto, das maiores cotas de capital. Neste caso, estes trabalhadores se tornariam os novos donos das empresas, e os demais trabalhadores se tornariam seus empregados. O pagamento dos saldos trabalhistas atrasados só ocorreria quando houvesse a recuperação econômica da empresa. Também neste caso, o passivo trabalhista seria uma, dentre as tantas obrigações a serem cumpridas pela empresa.

A terceira via seria a tomada e recuperação da empresa pelo conjunto dos trabalhadores, em forma de cooperativa de produção. Neste caso, os trabalhadores não perderiam parte dos créditos rescisórios que, uma vez sendo investidos numa cooperativa, poderiam preservar ou mesmo aumentar o seu valor (FARIA, 2005). O grande desafio neste caso era convencer os trabalhadores da possibilidade de atuar sob a forma autogestionária, com base nos princípios cooperativistas, segundo a qual, todos os trabalhadores teriam igualdade na propriedade da empresa, “cada um com direito a um voto, empenhados solidariamente em transformar o patrimônio sucateado num novo empreendimento solvável” (SINGER, 2002b: 03-04).

Vale destacar que o cooperativismo não era algo comum aos trabalhadores. Ao contrário, a maioria desconhecia esta realidade e estavam acostumados na lógica capitalista, em que lhes cabia o papel de vender a força de trabalho, enquanto o papel de proprietário da empresa cabia a um capitalista, que é também responsável pela organização do processo de trabalho, pela gestão da empresa, bem como por todas as relações que a empresa tecia para sobreviver (com clientes, fornecedores, bancos, etc.).

Henriques (2013) relata que as primeiras experiências de recuperação de empresas pelos trabalhadores no Brasil datam da década de 1980, sendo que um dos primeiros casos registrados ocorreu na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, em 1982, a partir da recuperação de uma fábrica do setor têxtil e a formação da Cooperativa Mista dos Têxteis do Rio Grande do Norte (COMTERN). Outra experiência que consta do início da década é a da empresa Wallig Sul (que, segundo o autor, por se tratar de uma experiência mais conhecida, é mais comum que seja citada como sendo a primeira experiência de recuperação de empresa falida no Brasil). Ainda na década de 1980, houve outros casos de recuperação de empresas por trabalhadores no Brasil – como por exemplo, a “recuperação da fábrica de máquinas de escrever Remington e da Companhia Brasileira Carbonífera Araranguá (CBCA) de Criciúma, que deu origem à COOPERMINAS” (HENRIQUES, 2013: 143).

O processo de recuperação de empresas pelos trabalhadores ganhou mais força e visibilidade na década de 1990, devido ao fechamento de diversas empresas, que resultavam em demissão em massa dos trabalhadores. Foi frente a este cenário que foi se desenvolvendo “uma tecnologia para aproveitar as oportunidades, oferecidas pela legislação aos trabalhadores, de arrendar o adquirir a massa falida ou o patrimônio dos antigos empregadores e assim preservar seus postos de trabalho” (SINGER, 2002b: 03).

Por meio do relato da experiência da recuperação de uma empresa, a empresa calçadista Makerli Calçados17, de Franca/SP, feito por Faria (2005), é possível entender como ocorre o fenômeno. Conforme relata o autor, a empresa calçadista Makerli, situada na cidade de Franca, interior de São Paulo, contava com 482 trabalhadores, entrou em crise no ano de 1991. Neste momento, o Sindicato dos Sapateiros já havia tomado conhecimento da proposta de recuperação de empresas, do Sindicato dos Químicos. Com isso, e diante do problema enfrentado pela empresa, o sindicato Calçadista convidou Cido Faria para atuar neste processo. Cido havia participado da equipe da Secretaria de Formação do Sindicato dos Químicos de São Paulo que tinha desenvolvido uma metodologia para a recuperação de empresas pelos trabalhadores e, naquele momento, trabalhava no Departamento Intersindical

17 Segundo Faria (2005) o setor calçadista foi um dos pioneiros nos processos de recuperação de empresas no

de Estudos Estatísticos Sociais e Econômicos (DIEESE), “para transformar a empresa em vias de falir numa 'fábrica de trabalhadores'” (SINGER 2002b: 04).

Não havia conhecimento, naquele momento, em São Paulo, de nenhum “modelo de passagem da posse de uma empresa capitalista às mãos de seus antigos empregados organizados em associações”. Sendo assim, a atuação de Cido foi importante, já que ele contribuiu ativamente no processo, enquanto consultava a literatura existente sobre o tema – mais especificamente, sobre as experiências norte-americanas de Employee Stock Ownership Plans (ESOPs): participação de empregados no capital acionário das empresas (SINGER, 2002b: 04).

Sobre o processo de recuperação desta empresa, Singer descreve:

Os trabalhadores encamparam a ideia do sindicato e se propuseram a adquirir o maquinário dos donos da Makerli por 600.000 dólares. Para conseguir o crédito correspondente do Banespa (Banco do Estado de São Paulo, banco oficial do Estado de São Paulo, hoje vendido ao Santander) foi necessária intensa luta política, que culminou com a ocupação da sede do Banespa em Franca. Após 91 dias de pressão e negociações, assinou-se um acordo pelo qual, como garantia do empréstimo, 49% das ações da empresa ficaram com o banco. Por esse acordo, a Makerli teve de continuar sendo uma sociedade anônima e não uma cooperativa (SINGER, 2002b: 04).

Ainda sobre a descrição deste processo, Faria relata:

Após intensas mobilizações, os trabalhadores conquistam, junto com os antigos gestores da empresa, a liberação de um empréstimo do Banespa (Banco do Estado de São Paulo) para a aquisição dos meios de produção, cuja propriedade passou à Associação dos Funcionários, seguindo o modelo que os dirigentes sindicais haviam conhecido numa visita à Remington. A partir disto, são compostos a direção da empresa (com os antigos gestores) e os conselhos deliberativo e fiscal, cujos membros são eleitos periodicamente, passando a Assembleia Geral a figurar como instância máxima de decisão na Associação. Até aí, nenhuma inovação em relação às experiências até então existentes. Nem mesmo as relações mantidas entre trabalhadores e gestores da empresa, sustentadas pelos dirigentes sindicais e seus assessores técnicos, constituem novidade (FARIA, 2005: 300).

O processo de recuperação de uma empresa conta com três etapas, conforme Singer (2002b): a primeira consiste em “ganhar a anuência dos próprios trabalhadores, que precisam se propor a trocar seus créditos trabalhistas por cotas de capital da 'sua' nova empresa”. Isso só é possível se “eles acreditarem que são capazes de assumir coletivamente a gestão da empresa em crise e reabilitá-la”. Dentre os fatores que contribuem para a decisão dos trabalhadores em favor de recuperar a empresa falida estão: “o grau de coesão e confiança mútua” entre eles; “a maior ou menor probabilidade de encontrar outro emprego com remuneração e condições de

trabalho satisfatórias, etc.”; a existência de apoio externo. Neste último caso, um fator importante, é que “o fato da massa falida ser mantida em funcionamento pela nova firma preserva o seu valor, o que é vantagem de todos os credores, inclusive dos trabalhadores que não querem integrá-la, pois estes também acabam recebendo uma fração maior dos seus créditos trabalhistas” (SINGER, 2002b: 05).

A segunda etapa consiste em passar o patrimônio da empresa para os trabalhadores “o que muitas vezes requer um crédito, cuja garantia é o próprio patrimônio transacionado”. No caso de haver necessidade de um grande volume de crédito, com longos prazos para o pagamento, a única opção é recorrer aos bancos oficiais. No caso Makerli, ficou evidente a dificuldade para se conquistar este crédito, uma vez que os bancos veem com certa desconfiança esta nova modalidade de organização do processo de trabalho. A empresa precisou fazer uma forte pressão política sobre o banco, chegando mesmo a ocupar a sede do (agora extinto) banco Banespa, com o apoio do sindicato que, por sua vez, em geral, conta com “a solidariedade de outros sindicatos e de sua central e, se o número de trabalhadores for grande, consegue conquistar o apoio da mídia, de partidos de esquerda e seus parlamentares, da Igreja, eventualmente do prefeito e governador” (SINGER, 2002b: 05).

Uma vez superada a insegurança inicial dos trabalhadores, conquistado o patrimônio da empresa em função destes, bem como o apoio e solidariedade de bancos e poderes públicos, a terceira etapa consiste em viabilizar a empresa: retomar as atividades produtivas, reconquistar clientes, fornecedores e credores da antiga empresa; enfim, reconstituir o processo produtivo da empresa, com todas as suas etapas essenciais. Este é um momento em que toda a energia da empresa deve estar voltada para a sua própria recuperação. Sendo assim, trata-se de um período bastante crítico, uma vez que, é bastante comum que os trabalhadores enfrentem privações de rendas, já que em geral, possuem salários atrasados, e não conseguem angariar uma renda satisfatória neste primeiro momento. Nas palavras de Singer:

Os primeiros tempos são muito duros pois os trabalhadores têm de acumular capital de giro, o que significa que durante certo período eles não vão ter a retirada «cheia» (nível almejado de ganho mensal, em geral igual ao que tinham quando empregados) mas muito menos. É o chamado «período heroico», que pode durar meses, em que os trabalhadores às vezes não conseguem sequer um rendimento de subsistência (SINGER, 2002b: 05).

Após a superação deste “período crítico”, a tendência é que a empresa volte a sua normalidade, isto é, recupera a antiga clientela, bem como novos clientes; recupera a confiança dos fornecedores, etc. E assim, a empresa vai conseguindo se reestruturar, até que os trabalhadores consigam recuperar seus rendimentos mensais, em valores iguais aos seus antigos salários, ou estipulados coletivamente, a partir da nova realidade da empresa. Além disso, os trabalhadores que exercem as funções de gestores buscam por formações e adquirem certa experiência. Os trabalhadores vão se acostumando com o ambiente autogestionário, isto é, a realizar assembleias e tomar decisões conjuntas; todos os trabalhadores, inclusive os da linha de produção, começam a se interessar e a tomar conhecimento das reais condições da empresa e a participar dos espaços de decisões; e, enfim, as decisões vão sendo tomadas em conjunto pelos trabalhadores, em forma de autogestão (SINGER, 2002b).

A recuperação de empresas pelos trabalhadores é um processo novo e, até pouco tempo, desconhecido da grande maioria dos trabalhadores. Além disso, é preciso considerar que uma empresa recuperada é “uma unidade produtiva que atravessa um longo e complexo caminho que a leva à autogestão coletiva dos trabalhadores”, conforme destacou Ruggeri (2009: 19). Ainda assim, a maioria das experiências do final do século XX obteve sucesso, segundo Singer (2002b). E isso se deve:

Em primeiro lugar pelos sacrifícios feitos pelos cooperadores, que se dispõem a trabalhar durante meses por ganhos mínimos, algumas vezes apenas em troca de cestas básicas (conjunto padronizado de alimentos que devem suprir as necessidades essenciais duma família por determinado período). Mas também pela enorme dedicação e amor ao trabalho não mais alienado, do que resultam aumentos inesperados de produtividade e grande redução de perdas e desperdícios. E finalmente pelo aprendizado por parte dos novos administradores das técnicas e manhas da gestão de comprar e vender, de receber e dar crédito, de inovar produtos e processos e de tecer relações solidárias com outras autogestões (SINGER, 2002b: 06).

Os sindicatos tiveram um importante papel neste processo, tanto por atuar ao lado dos trabalhadores, como por representar tanto o apoio e incentivo necessários para o processo, como a orientação e intervenção junto à Justiça, em favor dos trabalhadores. No caso da empresa Markeli, por exemplo, é clara a importante atuação do sindicato dos Sapateiros, que foi responsável por formar a associação da qual derivariam as cooperativas de recuperação da empresa falida. Também é clara a importância da metodologia desenvolvida pelo Sindicato

dos Químicos que foi responsável por orientar o processo de recuperação da empresa (SINGER, 2002b; FARIA, 2005).

De acordo com Faria a reabertura e rápido crescimento da Makerli “colaborou para a repercussão que se seguiu com bastante intensidade na imprensa paulista e nacional”, isto é, este processo foi responsável por projetar o tema da autogestão em âmbito nacional. O processo de negociação entre a empresa e o banco Banespa, para a liberalização do empréstimo para a empresa “conquistou importante espaço social, principalmente depois que os trabalhadores ocuparam a sede do Banco em Franca, para “apressar” os técnicos na capital”. Foi neste momento que a empresa ganhou apoio de outras experiências existentes. Diante disso, “embalados por esse momento de pujança da empresa” é que surgiu a ideia de criar uma “associação das experiências existentes”, justificada pela crença de que “a reunião das experiências existentes num organismo único confere, de imediato, projeção à ideia de recuperação de empresas falidas, o que de fato materializa-se no crescimento das iniciativas e propostas de transferência da propriedade de empresas para os trabalhadores” (FARIA, 2005: 302-304).

Este fato marcou o surgimento da Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão (ANTEAG), que foi constituída como associação civil, a partir do 1º Encontro Nacional dos Trabalhadores em Empresa de Autogestão, em fevereiro de 1994. Um dos gestores da Makerli compôs a diretoria executiva da primeira gestão da ANTEAG – criada para ser um ponto de referência e apoio às novas experiências de recuperação de empresas pelos trabalhadores, conforme expõe Faria, no trecho a seguir:

Ao multiplicarem-se, essas experiências encontram na ANTEAG um ponto de referência importante, seja pelo trabalho de assessoria econômica e jurídica realizada pelos técnicos da Associação, seja pelos mecanismos de acesso que foram sendo conquistados junto às instituições financeiras e de crédito. Ademais, o apoio da Associação parece determinante no convencimento dos trabalhadores, sobretudo quando os débitos trabalhistas encontram-se envolvidos nas negociações para a aquisição da empresa (FARIA, 2005: 303-304).

A partir de então, a ANTEAG se consolidou como uma referência nacional para recuperação de empresas e construiu uma “metodologia” ou um “modelo de autogestão” para orientar as ações das empresas recuperadas. Os fundadores da ANTEAG pretendiam tornar a associação uma espécie de “consultoria para projetos de transferência da propriedade das empresas para

os trabalhadores, na qual a relação estabelecida com os organismos de crédito e fomento seria um dos elementos chaves”. Sendo assim, a instituição deveria “se constituir como uma espécie de filtro ou caminho obrigatório entre os novos projetos e essas instituições de fomento” (FARIA, 2005: 310-311; NAKANO, 2000).

Com este papel, a ANTEAG assumiu a tarefa de “preparar os projetos”, “estabeleceu relações com outros atores, como Sindicatos, Bancos de Desenvolvimento, Secretarias de Estado, universidades etc.”, e quando necessário e possível, acionou fontes de crédito. Em meados do ano de 2000, ela já contava com aproximadamente setenta experiências associadas (FARIA, 2005: 307-308).

Dois nomes configuraram dentre os principais articuladores do processo de criação da ANTEAG: Herbert José de Sousa (o Betinho) e Paul Singer. O primeiro foi responsável por introduzir a ANTEAG nos projetos da Secretaria de Formação do Ministério de Trabalho e Emprego (MTE), no primeiro governo FHC – segundo o Faria (2005: 321), foi desta atuação que “nasceu um projeto de formação para os dirigentes das empresas recuperadas, denominado pela ANTEAG de ‘MBA em autogestão (Master Business of Administration)’”. No caso de Singer, além de fazer parte como membro do Conselho Nacional da associação, ele tem sido, desde então, um nome importante no campo da Economia Solidária. A respeito de sua importância, basta dizer apenas que ele é considerado o “pai da Economia Solidária” no Brasil, responsável pela criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), no Ministério do Trabalho e Emprego, onde é o Secretário, desde sua criação (NAKANO, 2000).

As expressões “autogestão” e “cooperativismo”18

foram empregadas, naquele momento, para explicar o processo de trabalho sob esta nova realidade, isto é, sob a forma autogestionária e cooperativa. Ou seja, os trabalhadores, antes empregados e, então, sócios das empresas recuperadas, tiveram que mudar sua forma de atuação no cotidiano das empresas: se antes, estavam submetidos a um chefe ou patrão, nesta nova realidade, eles precisaram criar novas relações de trabalho. Uma vez que a figura do patrão ou chefe deixou de existir, e que os

18 Faria destaca que, em algumas situações, era utilizada também a palavra cogestão, fazendo alusão às

trabalhadores haviam se tornado donos das empresas, em forma de sociedade, não havia porquê manter as velhas estruturas de hierarquia e mesmo a forma jurídico-legal da empresa. Sendo assim, a empresa passava a assumir a figura de uma cooperativa; os trabalhadores passaram a agir sob a lógica do cooperativismo; e a gestão da empresa passou a ser feita de maneira coletiva, mais especificamente, em forma de autogestão (NOVAES, 2010; FARIA, 2005, HENRIQUES, 2013).

Diante disso, observa-se o surgimento de processos de “democratização no interior do processo de trabalho das empresas recuperadas, em relação aos momentos anteriores sob o comando dos patrões”. Esta nova realidade, representava uma enorme conquista dos trabalhadores que gozavam de um “'clima de liberdade nos locais de trabalho e de um