• Nenhum resultado encontrado

2. A ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL: HISTÓRICO E ATUALIDADE

2.2. POBREZA, CONCENTRAÇÃO DE RENDA E ECONOMIA SOLIDÁRIA

2.2.2. A proposta de geração de trabalho e renda por meio do cooperativismo

em que denunciava o problema do desemprego no Brasil, especialmente nas grandes cidades. Em São Paulo, conforme o autor, moravam “centenas de milhões de pessoas” subocupadas ou desempregadas (SINGER, 1996). As soluções até então, propostas para resolver o problema destas pessoas pautavam-se no oferecimento de treinamento profissional e, as vezes, em algum financiamento para que os desempregados pudessem iniciar negócios por conta própria, numa espécie de política do “vire-se quem puder”, para sobreviver (SANTOS, 2013). Contudo, Singer (1996) não acreditava que a qualificação profissional resolveria o problema do desemprego, uma vez que não geraria novos postos de trabalho. Para o autor, ela até poderia auxiliar o trabalhador individual a melhorar sua competitividade no mercado de

trabalho, porém, no caso do coletivo de trabalhadores, ela poderia se tornar uma arma contrária, já que, uma vez que contribuiria para aumentar a competitividade entre os trabalhadores, em uma conjuntura de desemprego, possivelmente implicaria na redução dos salários. Em suma, o aumento da demanda por força de trabalho só teria a possibilidade de ocorrer, por meio do crescimento econômico, isto é, pela expansão dos mercados, aumento das vendas das empresas que, consequentemente, acarretaria aumento da produção, podendo então, impactar no aumento da demanda por força de trabalho – do emprego, portanto.

Singer destaca ainda que, embora historicamente, a solução “extra capitalista” para o desemprego tenha sido a emigração, naquele momento, e frente àquela conjuntura econômica e social, esta solução não se apresentaria como uma alternativa viável – para ele, mesmo em uma realidade como a brasileira, em que existia a possibilidade de se fazer a reforma agrária, já que o país contava (e conta) com muitas terras inutilizadas, esta solução sozinha, não solucionaria o problema do desemprego, já que durante o século XX, o país havia mudado sua base produtiva e se industrializado.

O autor está retratando uma dura realidade daquele momento, em que os trabalhadores empobrecidos e excluídos do mercado de trabalho precisavam buscar suas próprias alternativas de sobrevivência. Porém, conforme o mesmo autor menciona, em outra bibliografia, “a Economia Solidária não é criação intelectual de alguém”, isto é, ela não nasceu da proposta de Singer (ou de qualquer outro pensador), mas é fruto da própria ação dos trabalhadores, numa dinâmica de um “processo contínuo de trabalhadores em luta contra o capitalismo”. Assim, ela surgiu e ressurgiu em diferentes lugares, momentos e contextos, como uma reação dos trabalhadores às mazelas do capitalismo. Isso deixa claro, portanto, que ela acompanha o próprio sistema.

É a partir destas reflexões sobre as novas formas de organização do processo de trabalho que os atores da Economia Solidária (acadêmicos, trabalhadores, militantes, etc.) refletem sobre a possibilidade de se construir alternativa de produção, capaz de superar o capital e a sociedade capitalista e criar/implantar uma sociedade autogestionária (FARIA, 2005: 278). Ou seja, uma vez que os trabalhadores se veem perante uma realidade em que não estão expostos à exploração (direta) do trabalho por um capitalista, em outras palavras, percebendo que conseguem organizar (planejar, executar, avaliar) o processo produtivo sem a presença de um

patrão, um capitalista, contando apenas com a força da coletividade, os pensadores da Economia Solidária começam a sonhar com uma organização da sociedade também pautada na autogestão.

Gaiger (1996: 124) também contribui para se entender este ponto, ao mencionar que, historicamente, o capitalismo tem se valido da exclusão dos trabalhadores, por meio da criação do exército industrial de reserva, conforme já havia sinalizado Marx (1996). Porém, a forma como a questão da exclusão dos trabalhadores chegou a ocorrer em alguns lugares, e especialmente no Brasil, deixa claro que esta parcela da população nem chegaria a ser incluída na economia formal. Assim, na concepção do autor, esta população deixou de ser apenas exército de reserva para tornara-se “lixo industrial”, já que jamais seria reaproveitada pela indústria. Desta maneira, assim como Singer, Gaiger afirma que seria preciso buscar alternativas à reinserção econômica destes trabalhadores.

Porém, estas iniciativas já eram criadas pelos próprios trabalhadores, nos recantos mais empobrecidos do Brasil – as alternativas de economia popular (GAIGER, 1996). Contudo:

A proliferação de iniciativas do gênero resulta de uma conjunção de fatos. De um lado, a inserção de intelectuais e educadores nas bases e nos movimentos populares, de que foi paradigma a grande entrada em cena das [Comunidades Eclesiais de Base]. A descoberta do micro, do valor das organizações autônomas, ainda que circunscritas em seu raio de ação e em sua força política, assim como das relações cotidianas como espaço educativo e fundamento primeiro de uma cultura cidadã (…) explica por sua vez um certo distanciamento dos modelos estratégicos de transformação social, centrados na ação de classe e na tomada política das macroestruturas. Apostou-se então nas pequenas instâncias, como geradoras do substrato social necessário a uma organização global da sociedade. Acrescente-se ainda que os próprios movimentos populares, em parte temerosos ante a perspectiva de um neopopulismo micro reformista, passaram a ver nas organizações comunitárias uma porta e uma alavanca para a ampliação de suas lutas, ou pelo menos um meio de evitar a total desmobilização popular (GAIGER, 1996: 102-103; grifos nossos).

Estes empreendimentos eram “miniindústrias ou fabriquetas”, por meio das quais, as pessoas produziam gêneros de primeira necessidade para o consumo próprio, com o uso de “utensílios rudimentares”; ou produziam para o comércio, “com uso de máquinas industriais e mediante uma qualificação progressiva do trabalho”. No primeiro caso, os bens garantiam a sobrevivência imediata, produzindo estes bens de primeira necessidade (tais como: roupas, sabão, melado, etc.); já no segundo caso, a produção e comercialização lhes garantia uma

renda (neste caso, produziam, especialmente produtos do ramo de confecções e de alimentação) (GAIGER, 1996: 104).

Gaiger divide estes miniprojetos em três grupos: no primeiro, denominado de projetos assistenciais, os projetos se caracterizam por serem meios de sobrevivência, isto é, eram “emergenciais, atenuam as condições precárias de vida material; transitórios, geram apenas efeitos imediatos e permanecem dependentes de agentes externos”. Neste caso:

Os projetos limitam-se a aproveitar as oportunidades, as ajudas de fora, empregando esses recursos em atividades econômicas que visam atenuar necessidades básicas. A rigor, não implicam uma estratégia econômica e não conduzem a uma verdadeira organização coletiva, apoiando-se apenas no mutualismo já existente. Envolvem, normalmente poucas horas de trabalho e registram ganhos de produção extremamente modestos (GAIGER, 1996: 113-114).

O segundo grupo era dos projetos promocionais, caracterizados por formas de subsistência, aquelas que “proveem as necessidades básicas, via produção para o autoconsumo ou geração de renda complementar; não logram acumulação e tendem à insolvência na falta de novos aportes externos”. Conforme já diz o temo, são as iniciativas que buscavam promover a subsistência dos trabalhadores, algo “típico da vida econômica ordinária dos trabalhadores pobres”. Eram estratégias de resistência à pauperização dos trabalhadores, pautadas em valores e laços comunitários, como o associativismo econômico. Eram, porém, ações defensivas, com viabilidade incerta (GAIGER, 1996: 113-114).

O terceiro grupo é o dos projetos alternativos, composto por empreendimentos solidários, que “logram algum nível de acumulação e crescimento; mediante planificação e investimentos, alcançam estabilidade mínima e chances de viabilidade; requerem o desenvolvimento de uma nova racionalidade econômica” (GAIGER, 1996: 113). Neste caso, as experiências:

Expressam uma síntese original entre o espírito empresarial – no sentido da busca de resultados por meio de uma ação planejada e pela otimização dos fatores produtivos, humanos e materiais – e o espírito solidário, de tal maneira que a própria cooperação funcional como o vetor de racionalização econômica, produzindo efeitos tangíveis e vantagens reais comparativamente à ação individual. (…) esse espírito empreendedor se diferencia da racionalidade capitalista – que não é solidária nem inclusiva – e da solidariedade comunitária – à qual faltam os instrumentos adequados ao desemprenho econômico na sociedade contemporânea (GAIGER, 1996: 113-114).

O termo empresarial era rejeitado pelas lideranças populares, mas passou a ser aceito, e dissociado da ideia do empresário burguês – passou a representar as experiências associativas. O que distingue estas experiências das capitalistas e estatais é a forma como a racionalidade é vista nestes empreendimentos. Ela é atingida quando o trabalho é potencializado em prol dos produtores, de maneira que ela atinja os parâmetros de produtividade e eficiência das demais formas de produção, mas com base na cooperação, que atende aos interesses dos associados – assim, ela se contrapõe às demais formas, que associam maior racionalidade à rentabilidade e ao lucro. Logo:

A união de forças e aptidões funciona como a mola mestra da empresa solidária (…). A soma dos recursos individuais confere elasticidade e agilidade aos investimentos; a qualificação e a divisão técnica do trabalho redundam em eficiência; a democratização dos conhecimentos e das decisões estimula a criatividade, reforça o empenho de cada um e resulta em melhor integração funcional; por fim, a convivência e a participação produzem benefícios não monetários, mas com efeitos importantes sobre o bem estar e a produtividade do trabalho (GAIGER, 1996: 115).

A economia popular era formava por um grupo bastante heterogêneo: havia desde pessoas em situação de carência extrema, até pequenos produtores rurais que, dispondo de algum tipo de patrimônio ou alguma margem de capitalização, os utilizava em seus projetos. Assim, haviam:

Ações vinculadas a movimentos sociais ou a programas governamentais, ao lado de experiências fortemente enraizadas na pastoral católica; grupos articulados a órgãos públicos, centros de assessoria e organizações populares e grupos isolados ou ligados apenas à entidade financiadora; projetos concebidos como parte de uma proposta política e projetos às voltas com a sobrevivência imediata, ou, em todo o caso, sem uma visão elaborada sobre as questões mais gerais que afetam a sociedade (GAIGER, 1996: 104).

Esta heterogeneidade acarretava aos grupos, objetivos e dinâmicas diferenciadas. Além disso, os projetos sofriam efeito do meio social no qual estavam inseridos e, especialmente, das instituições que lhes davam suporte. A heterogeneidade dos grupos se expressava, ainda, no fato de que, enquanto alguns grupos recorriam à fontes não governamentais, outros recorriam à ajuda do Estado.

Faria denomina o fenômeno de “mosaico de práticas cooperativas e associativas”, isto porque o movimento de Economia Solidária foi sendo formado por diversas e distintas experiências bastante diferentes entre si, mas que tinham em comum, o fato de representarem a tentativa

dos trabalhadores de gerar sua própria sobrevivência, por meio do trabalho em diversas experiências. Sendo assim, “a expressão Economia Solidária abrange uma multiplicidade de práticas econômicas em campos diversos, desde iniciativas realizadas no âmbito da unidade familiar até grandes empresas, nos vários setores da economia e na esfera pública, na produção e no consumo” (FARIA, 2005: 279).

O grande marco do cooperativismo popular brasileiro foram as cooperativas de produção, responsáveis por gerar trabalho e renda para os trabalhadores desempregados e acometidos pela exclusão social ou em via de enfrentarem esta situação, como é o caso dos trabalhadores das empresas recuperadas. Contudo, vale ressaltar que o movimento que, posteriormente, receberia o nome de Economia Solidária contou com outras iniciativas, além daquelas ligadas às cooperativas de produção, como as cooperativas de crédito, de consumo, habitação, agrícolas, de coleta seletiva e reciclagem, etc. (FARIA, 2005).

Quatro importantes atores contribuíram para o surgimento da Economia Solidária no Brasil, acreditando em seu potencial de combate à pobreza e exclusão social: os sindicatos; a Cáritas- Brasil; a Ação pela Cidadania contra a miséria e pela vida (ACCMV); e as Incubadoras. A seguir, serão destacadas as ações destes atores na construção da Economia Solidária – a ação dos sindicatos foi mencionada na primeira seção deste capítulo.

a) A ação da Cáritas-Brasil no combate à pobreza por meio da solidariedade libertadora A Cáritas Brasileira é uma instituição da Igreja Católica, que faz parte da Cáritas Internacional. Sobre a Cáritas, Singer declara:

Ela tem por fim dar sustentação à ação social da Igreja e está organicamente ligada à CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil]. Tem um secretariado nacional em Brasília, que coordena uma rede de Cáritas Diocesanas e Regionais. A Cáritas desenvolve suas atividades com fundos gerados no Brasil pela Campanha de Solidariedade, que é permanente, e com fundos doados pelas Cáritas e outras instituições confessionais do 1º Mundo voltadas para a cooperação internacional (SINGER, 2002b: 21).

A atuação da Cáritas se deu em três âmbitos: i) um assistencialista, que teve início em 1956 e por meio do qual ela tem articulado as obras sociais da igreja, “para promover a distribuição dos donativos e alimentos, especialmente o leite em pó americano”; ii) o âmbito promocional,

que teve seu início datado de 1966, como resultado das inquietações da distribuição de alimentos, pautadas no dilema entre “dar o peixe ou ensinar a pescar” – neste contexto, a Cáritas se propôs a fomentar diversas experiências “de ações comunitárias do tipo das comunidades eclesiais de base, das associações de desenvolvimento comunitário, do cooperativismo”, apoiando-se nas reflexões sobre a possibilidade do desenvolvimento; iii) o âmbito da solidariedade libertadora, que teve início em 1984 e que contava com novas ações da Cáritas, com ações focadas nas situações de emergências, porém, por meio do “apoio às iniciativas comunitárias ou associativistas”, bem como “às mobilizações populares”.

O terceiro âmbito indicava uma mudança de postura da Cáritas, de assistencialista para promotora de ações de libertação por meio da organização popular que, para Singer, tratava-se de uma “postura de crítica ao capitalismo”, com base no entendimento de que “a solidariedade liberta”. A tese que embasava esta ideia – considerada ousada para Singer – era a de que os trabalhadores poderiam superar a miséria por si só, desde que se unissem e se organizassem e conquistassem apoio. Porém, havia uma negação da aceitação do apoio do Estado. E, com base neste entendimento, a “Cáritas passou a apoiar milhares de Projetos Alternativos Comunitários (PACs) por todo Brasil”, “como expressão de compromisso social com o povo e como uma demonstração visível de que os trabalhadores organizados e apoiados têm uma saída para suas condições de miséria” (SINGER, 2002b: 22; BERTUCCI, 1996: 60-62). Para tal, a Cáritas Brasil contava com apoio da “Cáritas Suiça, Miserior, Cebemo, Entraide e Fraternité e Cáritas Alemã”.

A proposta dos PACs se pautava, então, “na busca de soluções criativas e autônomas para os problemas dos excluídos”, pautadas na ideia de que a solução não se daria com base “nem do assistencialismo, nem do clientelismo, nem das soluções vindas de cima para baixo” (BERTUCCI, 1996: 63; FORTE, 2008).

A palavra “alternativo” trouxe um “sentido revolucionário” à ação da Cáritas, evidenciando uma “notável guinada da Igreja provocada pela opção preferencial pelos pobres, isto é, pelos não possuidores de meios de produção” (SINGER, 2002b: 22). Ou seja, há uma clara mudança na posição da igreja em relação ao seu posicionamento político relacionado aos pobres. É como se a parcela da igreja católica, envolvida com estes projetos, tivesse se convencido de que a revolução só se daria por meio dos próprios excluídos. Porém, não era

uma revolução no sentido de “tomada do poder”, no sentido marxista, mas sim, de construção de uma alternativa às mazelas do capitalismo, dentro do próprio sistema capitalista.

Sobre esta questão, vale destacar que a ação da Igreja Católica foi de suma importância, por exemplo, com relação à luta dos trabalhadores do campo, contra a concentração fundiária e pela Reforma Agrária. Outro ponto que merece ser destacado é que fica evidente que a postura de Singer com relação à revolução também caminha neste sentido, uma vez que ele não propões a tomada do poder ou uma revolução do tipo marxista, mas sim, uma alternativa criada dentro do sistema capitalista, pelos próprios excluídos e que ruiria o sistema, por se apresentar com princípios diferentes e por meio da associação entre os próprios pobres e socialmente excluídos.

As experiências de Economia Solidária se enquadrariam, portanto, neste âmbito, isto é, na busca dos excluídos para gerar suas próprias condições de saírem da situação de miséria e, por isso, contaram com o apoio da Cáritas. Sendo assim, elas representariam uma alternativa de sobrevivência, por representarem uma estratégia de vida dos pobres e socialmente excluídos. Uma vez consideradas “alternativas”, estas experiências faziam parte do escopo de ação da Cáritas, com base na ideia de que os excluídos poderiam buscar solução para o seu próprio problema – a miséria e a exclusão social – porém, não mais com base nas formas tradicionais, assistencialistas, e sim, com base em uma maneira alternativa, na linha das ideias de Singer.

A proposta da Cáritas estava relacionada muito mais ao plano das ideias e não no campo empírico, já que ela não contava com um programa claro de como esta proposta poderia ser viabilizada. Sendo assim, ela transferia à própria comunidade o papel de agir empiricamente, isto é, de criar tais alternativas, por meio do método de ensaio e erro (SINGER, 2002b: 22).

Quadro 03: Projetos Alternativos Comunitários da Cáritas Projetos Alternativos Comunitários (PACs) da Cáritas  Projetos Comunitários  Produtivos  De prestação de serviços

 Apoio à Movimento Popular  Ação Sindical

 Projetos de Assistência e promoção social Fonte: elaboração própria, a partir de Singer (2002b: 22).

De acordo com Singer, os PACs de “projetos comunitários” foram as que melhor revelaram o potencial libertador. Os projetos rurais estavam relacionados ao MST, enquanto que, no meio urbano, surgiram as “cooperativas e grupos de produção associada que serviram para reinserir à produção pessoas socialmente excluídas e empobrecidas”. No ano de 1992, a Cáritas apoiava algo entre 100 e 252 ações de Economia Solidária – associações e cooperativas – sendo, porém, a maioria delas projetos rurais (das experiências do MST, conforme já tratado), isso porque os projetos urbanos apresentavam um maior grau de dificuldade de sobrevivência, já que prescindiam da inserção no mercado. Ainda assim, para o autor (SINGER, 2002b: 23) os PACs representaram um grande potencial de promover melhorias nas rendas das pessoas excluídas, a partir das associações entre elas, comprovando, assim, empiricamente, “a tese de que a solidariedade liberta”24.

b) A Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida – ACCMV

Até o ano de 1994, a atuação da “Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida” (ACCMV) no combate à pobreza e miséria se dava no sentido de dar o peixe, isto é, sua ação consistia

24

em distribuir alimentos às pessoas que viviam em situação de pobreza extrema. Porém, assim como a Cáritas, a ACCMV mudou sua tática de ação no ano de 1994, adotando uma atuação baseada no fomento à geração de trabalho e renda.

Se a ação da Cáritas, embora tivesse maior amplitude territorial, era desconhecida do grande público, por estar restritiva à Igreja e às comunidades onde ela atuava, a atuação da ACCMV consistia em um “amplo movimento de massas, o maior do Brasil desde a luta pelas eleições diretas, em 1985, no caso da ditadura militar” (SINGER, 2002b: 24). Uma vez que a Cáritas tomou parte da Secretaria Executiva Nacional da ACCMV, “representando a CNBB, ao lado da OAB, da CUT, do INESC, COFECON e da ANDIFES” sua forma de ação mudou. Singer acredita que a ação da Cáritas pode ter influenciado a mudança de postura da ACCMV.

Gohn descreve a mudança de atuação da ACCMV da seguinte maneira:

A questão da geração de empregos foi uma bandeira acionada ainda em Novembro de 1993, durante reunião de Betinho com vários secretários da pasta do Trabalho para discutir o problema do desemprego no país. Também a Prefeitura Petista de Santos, naquele mês deu início a uma campanha de geração de empregos em sintonia com a Campanha (GOHN, 1996: 34).

A autora relata ainda que a opção pela questão da geração de emprego foi estratégica, uma vez que ela se deu como uma forma de responder às críticas à atuação assistencialista da ACCMV, respaldada na distribuição de cestas básicas, mas também como forma de dar continuidade à mobilização dos comitês, iniciada nas ações de combate à fome, durante o Natal (GOHN, 1996).

Embora não seja possível mensurar os resultados desta nova ação da campanha, uma vez que era descentralizada e não havia registros, Gohn destaca que, ao menos um resultado ficou visível: a formação da cooperativa de Manguinhos, no Rio de Janeiro. O histórico completo da formação desta cooperativa, que contou com a ação da ACCMV, bem como com a atuação da Fiocruz, será relatada na seção seguinte, que trata da atuação dos acadêmicos e da formação das Incubadoras de cooperativas.