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2. A ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL: HISTÓRICO E ATUALIDADE

2.3. A ECONOMIA SOLIDÁRIA COMO HERANÇA DA CONCENTRAÇÃO

2.3.1. Concentração de terras no Brasil e pobreza no campo

A luta pela terra não é algo novo no Brasil, contudo, durante o regime militar, ela foi reprimida e retomada com o processo de democratização (SINGER, 2002b). Com isso ressurgiram os processos de ocupações de terras de latifúndios, processo que deu início ao surgimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

A ocupação de terras pelo MST representa ações de resistência face à intensificação fundiária e ao aumento da exploração. Fernandes (2000) destaca que a memória que auxilia na compreensão do processo de formação do MST se baseia na história de concentração fundiária e exploração do trabalhador camponês, que não se esquece de que “são cinco séculos de latifúndio, de luta pela terra e de formação camponesa”:

A história da formação do Brasil é marcada pela inovação do território indígena, pela escravidão e pela produção do território capitalista. Nesse processo de formação de nosso País, a luta de resistência começou com a chegada do colonizador europeu, há 500 anos, desde quando os povos indígenas resistem ao genocídio histórico. Começaram, então, as lutas contra o cativeiro, contra a exploração e, por conseguinte, contra o cativeiro da terra, contra a expropriação, contra a expulsão e contra a exclusão, que marcam a história dos trabalhadores desde a luta dos escravos, da luta dos imigrantes, da formação das lutas camponesas. Lutas e guerras, uma após a outra ou ao mesmo tempo, sem cessar, no enfrentamento constante contra o capitalismo (FERNANDES, 2000: 25).

O autor relembra alguns dos primeiros movimentos de resistência no campo, ainda com os indígenas, tais como a Confederação dos Tamoios, a Guerra dos Potiguaras ou ainda o Massacre dos Trinta Povos Guaranis (Missões), que foram atacados pelos bandeirantes e pelos exércitos português e espanhol, até serem massacrados. O resultado do processo de exploração e massacre dos povos indígenas foi que a população indígena do Brasil foi quase dizimada. Assim, é possível que “a semente para o surgimento do MST talvez já existia

quando os primeiros indígenas se levantaram contra a mercantilização e apropriação pelos invasores portugueses do que era comum e coletivo: a terra, bem da natureza”25

(MST, 2015).

Após estes episódios, os próximos povos que sofreram a exploração e que também resistiriam seriam os negros trazidos como escravos do continente africano. “Foram três séculos de revoltas que conduziram o enfrentamento contra o insustentável sistema escravocrata” (FERNANDES, 2000: 26). Diante da inegável realidade histórica, o MST se questiona:

Como imaginar o MST sem o exemplo de Sepé Tiarajú e da comunidade Guarani em defesa de sua terra sem Males, da resistência coletiva dos quilombos ou de Canudos ou sem o aprendizado e a experiência das Ligas Camponesas ou do Movimento de Agricultores Sem Terra – Master? (MST, 2015).

O trabalho livre já existia na sociedade escravocrata, convivendo com o trabalho escravo. Faziam parte deste grupo: sitiantes – pequenos proprietários de terras ou posseiros; agregados – “moradores em terra alheia, que viviam e trabalhavam nas grandes fazendas”; negros, ex escravos – que uma vez livres, vendiam sua força de trabalho. Com o fim da escravidão, o país passou a contar, também, com a mão de obra imigrante. Estes se somaram aos ex escravos e àqueles que já eram mão-de-obra livre, formando assim, o mercado de trabalho. Os trabalhadores do campo, formado por estes grupos, sofreram, por muito tempo, a exploração e a pobreza, enquanto geravam a riqueza dos latifundiários. É por isso que Fernandes (2000) declara que eles é que se tornariam aqueles que lutariam pela terra no Brasil.

Assim, segundo Fernandes, a formação deste exército de excluídos no campo, pode ser contada, tanto a partir da história dos ex escravos, como dos imigrantes. No caso dos primeiros, ele destaca:

A terra no Brasil começava a ser cerdada pelos emergentes coronéis, latifundiários e grileiros. De modo que os escravos que abandonavam as fazendas vagavam pelas estradas e acampavam mas com as cercas eles estavam impedidos de ter acesso à terra. Mesmo que procurassem viver livres como viveram nos quilombos, eram impossível, já que sem terra caíram na condição de miseráveis. E todas as vezes que acampavam nas fazendas, os proprietários convocavam as forças policiais para expulsá-los26 (FERNANDES, 2000: 28).

25 Disponível em: http://www.mst.org.br/nossa-historia/70-82. 26

Com relação aos imigrantes, Fernandes destaca que ao chegarem ao Brasil, muitas vezes, eles já haviam sido expulsos de suas próprias terras:

Os imigrantes europeus chegaram, muitos expulsos de suas terras de trabalho. (…) Também a imensa maioria dos camponeses imigrantes continuou a persistente caminhada em direção à terra. Trazidos da Europa para Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo, seus filhos, netos e bisnetos continuaram migrando para outras regiões, rompendo as cercas do latifúndio (FERNANDES, 2000: 28).

Assim, uma vez estando em solo brasileiro, os imigrantes, assim como os ex escravos, enfrentaram as mesmas condições de expulsão e busca de novas terras e aprenderam as lições da resistência, ao enfrentarem a pobreza, a exploração e a exclusão:

A maioria absoluta dos trabalhadores, ex escravos e imigrantes começaram a formação da categoria, que na segunda metade do século XX seria conhecida como sem-terra. Lutaram pela terra, pelo desentranhamento da terra, numa luta que vem sendo realizada até hoje. Essas pessoas formaram o campesinato brasileiro, desenraizadas, obrigadas a migrar constantemente. Do Sul para o Nordeste e para o Norte. Do Nordeste para o Sudeste, Sul e Norte. Do Norte para o Sudeste. Do Sudeste para o Nordeste, esta é uma história de perambulação e de resistência. A ocupação da terra pelos camponeses sem-terra era e é a principal forma de ter acesso à terra. A ocupação tornara-se uma ação histórica da resistência camponesa (FERNANDES, 2000: 28).

O processo de concentração de terras pelos coronéis, por meio da apropriação de terras e formação das fazendas, no território brasileiro, são provas contundentes da profunda desigualdade e injustiça social gestada no interior do território brasileiro. A apropriação das terras, por exemplo, se dava por meio de vários mecanismos ilícitos, tais como: uso de falsos documentos, subornos à funcionários públicos, crimes contra camponeses posseiros e outras atividades ilícitas.

Os grileiros invadiam as terras, forçando os camponeses a um constante processo migratório – os camponeses migravam na tentativa de distanciarem-se do enfrentamento com os capangas (jagunços) dos grileiros:

Ao mesmo tempo, enquanto os trabalhadores fizeram a luta pela terra, os ex senhores e fazendeiros grilaram a terra. E para realizarem seus interesses por meio da trama que construiu o domínio das terras, exploraram os camponeses. Estes trabalharam a terra, produziram novos espaços sociais e foram expropriados, expulsos, tornando-se sem terra. Nessa realidade, surgiu o posseiro, aquele que possuindo a terra não tinha o seu domínio. A posse era conseguida pelo trabalho e domínio pelas armas e poder econômico. Desse modo, o poder do domínio prevaleceu sobre a posse. Evidentemente que esse processo de apropriação das terras gerou conflitos fundiários, de modo que a resistência e a ocupação eram perenes.

Assim, formaram os latifundiários, grilando imensas porções do território brasileiro. Dessa forma, aconteceu, em grande parte, o processo de territorialização da propriedade capitalista no Brasil (FERNANDES, 2000: 27).

De posse das terras, os coronéis precisavam formar a fazenda. Para tal, contavam com a exploração do trabalho dos camponeses:

O trabalho com a derrubada das florestas era executado por caboclos e caipiras, que plantavam nessas terras até a formação da fazenda. Depois de formadas as fazendas de café, começava o trabalho da família camponesa migrante. Outra prática de exploração foi o arrendamento, em que os camponeses derrubavam a mata e formavam os pastos. Neste, entretanto, faziam suas roças de subsistência. (…) Assim, as fazendas eram formadas pelo trabalho dos camponeses e apropriadas pelos coronéis (FERNANDES, 2000: 28).

Entretanto, uma vez findado o trabalho, os camponeses eram obrigados a deixar as terras nas quais haviam trabalhado e seguir em busca de outras terras, onde este mesmo processo seria iniciado. E assim, o trabalhador rural seguia, gastando sua energia na construção de riquezas para os latifundiários. Com isso, Fernandes resume bem a situação da exploração do trabalho do camponês no Brasil, o que contribuiu para a criação da atual realidade de concentração fundiária, empobrecimento e desigualdade na distribuição da terra.

Fernandes lembra que “o coronelismo foi uma forma de controle da política e do território” no Brasil. Os coronéis formavam os currais eleitorais, com a criação do voto de cabestro, controlando tudo que estava em seu território. Assim, o seu poder político provinha do seu poder sobre a terra, já que aqueles que residiam em seu território deviam obedecer suas ordens. Ainda assim, a história tem mostrado que a luta dos camponeses contra o poder dos coronéis sempre ocorreu, em distintos espaços de tempo e em diferentes lugares, embora tenha ocorrido de forma isolada.

Com a Lei de Terras de 1850, a terra foi transformada em propriedade privada pertencente aos latifundiários. Aquelas terras que não estivessem cercadas deviam ser devolvidas ao governo (terras devolutas). Posterior a isso, apenas por meio da compra de terras, alguém poderia apropriar-se de novas terras no Brasil. A Lei de Terras “intensificou o cerco às terras, bem como a grilagem e a expropriação dos posseiros”, fazendo com que a existência do latifúndio, que já era marca do Brasil desde os tempos da colônia, passasse também para o período republicano.

O problema da concentração fundiária adentrou o século XX no Brasil, sendo que, no período ditatorial, ele foi intensificado. Com o golpe militar de 1964, as lutas camponesas foram duramente reprimidas, uma vez que os militares, em seu pacto tácito com a burguesia, optaram pela violência e repressão para solucionar a questão agrária, além de priorizar a agricultura capitalista em detrimento da camponesa. Em virtude disso, o governo militar ofereceu subsídios, incentivos e isenções fiscais aos empresários agricultores. Estes fatores contribuíram para a expulsão do camponês e para aumentar o processo migratório campo- cidade, fazendo crescer, consequentemente, a pobreza urbana (FERNANDES, 2000: 41).

O golpe acabou com a democracia e por conseguinte, reprimiu violentamente a luta dos trabalhadores. Os movimentos camponeses foram aniquilados, os trabalhadores foram perseguidos, humilhados, assassinados, exilados. Todo o processo de formação das organizações dos trabalhadores foi destruído. Igualmente significou a impossibilidade dos camponeses ocuparem seu espaço político, para promoverem por seus direitos, participando das transformações fundamentais da organização do Estado brasileiro. O golpe significou um retrocesso para o País. Os projetos de desenvolvimento implantados pelos governos militares levaram ao aumento da desigualdade social. Suas políticas aumentaram a concentração de renda, conduzindo a imensa maioria da população à miséria, intensificando a concentração fundiária e promovendo o maior êxodo rural da história do Brasil. Sob s retórica da modernização, os militares aumentaram os problemas políticos e econômicos, e quando deixaram o poder, em 1985, a situação do País estava extremamente agravada... (FERNANDES, 2000: 41).

O governo ditatorial criou o Estatuto da Terra, por meio do qual se propunha a “normatizar as relações de trabalho no campo” (SOUZA, 1999). Contudo, para Fernandes (2000), uma vez que a criação do Estatuto se propunha a solucionar os conflitos fundiários de maneira isolada, sua finalidade, na verdade, era desmobilizar a luta dos camponeses, isto é, “o objetivo era evitar que a questão agrária se transformasse num problema nacional”.

A colonização de áreas desocupadas também foi uma das estratégias dos governos militares para promover o controle da questão agrária. Assim, os governos, em parceria com empresas privadas e órgãos públicos promoveram a colonização de várias áreas (na Amazônia e Centro Oeste, por exemplo). “Foram mais de 50 projetos particulares de colonização, em que as empresas se apropriaram das terras, fundaram cidades, criaram latifúndios, formando milhares de famílias sem terra”. Camponeses de várias partes do Brasil (especialmente do Sul: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná) migraram para estas regiões. No entanto, a maioria

destes projetos fracassou, além de gerar grande escândalo devido a casos de corrupção e da má gestão empreendida neles.

O avanço do capitalismo promoveu o aumento da miséria no campo, pelo aumento da acumulação e concentração de riquezas. Além disso, com o processo de modernização tecnológica – mecanização do meio rural –, que se dizia pretender promover a modernização do campo, a fim de atender às novas necessidades do capitalismo brasileiro, aumentou a expropriação de terras e a expulsão de trabalhadores do campo, “causando o crescimento do trabalho assalariado e produzindo um novo personagem da luta pela terra e na luta pela reforma agrária: o boia-fria” (FERNANDES, 2000: 41).

Este processo de modernização (que ficou conhecido como “modernização conservadora”) promoveu o crescimento da agricultura brasileira, mas por meio do aumento da concentração fundiária. Assim, ao mesmo tempo em que “aumentou as áreas de cultivo da monocultura de soja, cana-de-açúcar, da laranja entre outras”, também “agravou ainda mais a situação de toda a agricultura familiar: pequenos proprietários, meeiros, rendeiros, parceiros etc., que continuaram excluídos da política agrícola” (FERNANDES, 2000: 49).

De acordo com Fernandes (2000: 46) a “história da reforma agrária no Brasil está marcada” pela criação, pelo governo federal, de vários organismos que tinham o claro “objetivo de manter o controle sobre as lutas camponesas”. Mais que isso, “foram decretadas e promulgadas diversas leis que não foram implementadas, mesmo com todas as lutas dos trabalhadores”. Como por exemplo, a criação de diversos órgãos programas e projetos que pretendiam regularizar a questão fundiária, mas que serviram para aumentar a concentração da terra e a violência contra os trabalhadores do campo. Os exemplos mais claros disso:

Primeiro foi a Superintendência da Política Agrária (SUPRA), criada pelo governo Goulart. O governo militar acabou com a SUPRA e criou o IBRA (Instituto Brasileiro de Reforma Agrária) e o INDA (Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário). Também promoveu o Estatuto da Terra para fazer a reforma agrária, que não saiu do discurso, a não ser quando os trabalhadores se organizaram e desafiaram a repressão. Em 1969, o governo criou o GERA (Grupo Interministerial de Trabalho sobre a Reforma Agrária). Em 1970, os militares acabaram com o IBRA e com o INDA e criaram o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Desenvolveu projetos como o PIN (Plano Nacional de Integração). Depois o Programa de Redistribuição de Terras do Norte e Nordeste (PROTERA) (FERNANDES, 2000: 46).

Em 1982 o governo criou o Ministério Extraordinário para Assuntos Fundiários (MEAF), a fim de “militarizar a questão agrária”, segundo Fernandes. Em 1985, já no início da Nova República, o MEAF foi transformado no Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário (MIRAD). Posteriormente, o INCRA foi extinto e em seu lugar, foi criado o Instituto Jurídico de Terras Rurais (INTER). Logo depois, o governo voltou atrás, extinguiu o INTER e ressuscitou o INCRA27.

Estes novos elementos, somados à velha situação de latifúndio e exploração, contribuíram para aumentar e expandir os conflitos, “fazendo eclodir as lutas no campo”, tornando o Brasil, o “paraíso dos latifundiários” e forçando os camponeses a migrarem pelo território brasileiro ou mesmo para o Paraguai em busca de sobrevivência (FERNANDES, 2000: 42). Foi devido a este processo de recrudescimento da questão agrária que as lutas sociais se multiplicaram no final da década de 1970 e início da década de 1980, “principalmente a partir da abertura política, lutas reivindicando o valor do produto, lutas pela terra, pelos direitos do trabalho, greves em regiões canavieiras, movimento dos desabrigados pela construção de barragens e expulsos pela modernização agrícola” (SOUZA, 1999: 46).

Ainda que sob a repressão do regime militar, os camponeses conseguiram organizar seus espaços de luta e de socialização política, construindo o conhecimento necessário para a transformação de suas realidades. E isso se deu porque, apesar de estarem sob o (violento) regime militar, os camponeses viram aumentar o seu sofrimento e violência no campo, já que os latifundiários se valeram da conjuntura que lhes era favorável, para aumentar a pressão sobre eles e expulsá-los de suas terras (FERNANDES, 2000: 43).

Com o fim do governo ditatorial de Vargas, por volta de 1945, foram criadas as Ligas Camponesas, em quase todos os estados brasileiros, organizando dezenas de milhares de trabalhadores do campo28, como “forma de organização política de camponeses proprietários, parceiros, posseiros e meeiros que resistiam à expropriação, à expulsão da terra e ao assalariamento”. As Ligas sofreram perseguição do governo ditatorial de Dutra, e foram

27 O autor cita: FERNANDES, Bernardo Mançano. MST: formação e territorialização. São Paulo: Hicitec, 1996. 28 Além das Ligas, foram criados, também, pelo Partido Comunista do Brasil, a União dos Lavradores e

Trabalhadores Agrícolas (ULTAB) o Movimento dos Agricultores Sem Terra (MASTER), no Rio Grande do Sul e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG).

“violentamente reprimidas”, quando este passou a perseguir o Partido Comunista, em 1947. Com o golpe militar de 1964, tanto as Ligas, quanto outros movimentos de resistência foram aniquilados.

O período de realização dos primeiros encontros e congressos camponeses (entre 1940 e 1964), foi marcado por intensas lutas de resistência, bem como pela conquista da terra. Porém, foi também, um período de violência (assassinatos, expulsões, expropriações, etc.). Trata-se de um período de ação e reação, em todo o Brasil.

Em novembro de 1961 a ULTAB realizou o I Congresso Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, em Minas Gerais. As lutas camponesas se intensificaram entre 1960 e 1970. O governo, por sua vez, respondeu aumentando, também, a repressão, criando grupos de militares para controlar as ações dos camponeses.

A militarização proporcionou diferentes e combinadas formas de violência contra os trabalhadores. A violência do peão, que é o jagunço da força privada, muitas vezes com o amparo da força pública. A violência da polícia, escorada na justiça desmoralizada, que decretou ações contra os trabalhadores, utilizando recursos dos grileiros e grandes empresários, defendendo claramente e tão somente os interesses dos latifundiários. Aumentaram os números da violência e colidiram com a relutância camponesa, que não se entregou e a cada dia realizava novas lutas. No ano derradeiro do governo militar, 1985, os jagunços dos latifundiários e a polícia assassinavam um trabalhador rural a cada dois dias (FERNANDES, 2000: 44).

Fernandes (2000) e Souza (1999) identificam três atores dos movimentos deste processo, naquele momento, sendo trabalhadores rurais assalariados: os boias-frias, os posseiros e os sem terra:

Os assalariados, os boias-frias, lutaram dentro dos parâmetros impostos pela ordem burguesa. Não lutaram para transformar o legal em justo, mas tiveram seus direitos determinados pela legalidade imposta. Legalidade presente na Lei, mas sem materialização na realidade. Na realização das greves, os trabalhadores foram perseguidos, presos, arrancados de dentro de suas casas, assassinados em nome da ordem. Desde o Nordeste ao Sudeste e ao Sul do País, os assalariados enfrentaram a polícia na reivindicação das condições de existência. Organizaram-se em sindicatos e, por meio das greves, negociaram com os capitalistas o padrão das condições básicas de vida (FERNANDES, 2000: 45).

A luta deste grupo de camponeses era mediada pelos sindicatos e consistia na busca pela concretização de seus direitos, ignorados pelos fazendeiros. O instrumento de luta era a greve

– como a greve dos trabalhadores dos canaviais, por exemplo – e, estes trabalhadores eram, na maioria, temporários (SOUZA, 1999).

Os posseiros lutavam pelo fim da impunidade que garantia à fazendeiros e grileiros condições de regularizar as terras que disputavam com os posseiros. Trata-se de “uma luta que põe em confronto o que é legítimo e o que é legal”. Assim, lutam pela terra, que era seu instrumento de produção (SOUZA, 1999). De acordo com Fernandes:

Os posseiros lutam para garantir a terra como condição de sua existência. É a luta contra a expropriação. É a luta contra o grileiro que usurpa a Lei e por esta é protegido. A seu favor, o posseiro tem a resistência e a persistência, determinadas pela lógica da sobrevivência. O posseiro não está dentro do conflito. É o conflito que o envolve, que o cerca por mais que ele migre em busca de terra liberta. Ao contrário dos assalariados e dos sem-terra, os posseiros são segregados no espaço e suas formas de organização são localizadas, não são institucionalizadas nem são massivas (FERNANDES, 2000: 45).

Com relação aos sem-terra, Fernandes destaca:

Os sem terra são camponeses expropriados da terra, ou com pouca terra, os assalariados e os desempregados. São trabalhadores na luta pela reinserção nas condições de trabalho e de reprodução social, das quais foram excluídos, no processo desigual de desenvolvimento do capitalismo. Suas lutas são pela conquista da terra, pela reforma agrária e pela transformação da sociedade. Questionam o modelo de desenvolvimento e o sistema de propriedade, lutam contra o modo de produção capitalista e desafiam a legalidade burguesa, em nome da justiça29 (FERNANDES, 2000: 45).

Souza (1999) distingue dois grupos de sem-terra: aqueles resultantes dos processos de