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1. A ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA SOB UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA

1.1.6. O cooperativismo sob a perspectiva da literatura econômica do Bem Estar

Monzón (2003: 24) destaca que após a Segunda Guerra Mundial, a literatura econômica dedicou pouca atenção ao fenômeno do cooperativismo, porém, discutiu o tema da autogestão do trabalho, a partir do princípio “uma pessoa = um voto” e da repartição da renda entre os trabalhadores. Além disso, a classificação das cooperativas também foi um tema recorrente nas discussões dos economistas deste período.

Desde o século XIX, existe uma tradição em agrupar as cooperativas de duas formas: cooperativas de produção – em que o aumento das rendas proporciona a melhoria na vida dos sócios; e as cooperativas de consumo – que proporcionam a melhoria na vida dos sócios por meio da redução dos gastos e pela poupança que proporciona em suas rendas. Claude Pichette (1971), da Escola americana, e também o francês Claude Vienney (em 1971), foram os primeiros a expor, de maneira consistente, uma tipologia das cooperativas, a partir, tanto das funções que elas desenvolvem (de provisão, comercialização ou ambas), como das características sociais dos sócios (características socioeconômicas dos sócios, bem como as relações de atividade e de associação dos membros na cooperativa) (MONZÓN, 2003: 24).

Segundo Monzón (2003: 25) Vienney classificou as cooperativas a partir de quatros grandes categorias: 1) cooperativas de empreendedores individuais – cooperativas agrárias, de pesca, de transporte, de comerciantes, etc.; 2) cooperativas de produção, de trabalhadores ou de trabalho associado (que tem a função de reunir os trabalhadores para exercício de um ofício comum); 3) cooperativas de consumidores (que reúnem pessoas interessadas em consumir

bens e serviços, serviços de seguro, de habitação, etc.); 4) cooperativas de poupança e crédito (que podem fornecer crédito para a produção ou para o consumo).

Pantaleoni já havia abordado o fato de que as cooperativas tinham um comportamento econômico diferente das empresas capitalistas. Com a ascensão do socialismo autogestionário na antiga Iugoslávia, houve um maior interesse sobre o tema. Assim, de acordo com Monzón (2003: 25), Benjamin Ward foi o primeiro a se dedicar a elaborar uma teoria econômica sobre as empresas autogestionárias. Entretanto, as análises de Ward só foram levadas em consideração, a partir de um artigo de Domar (1966 e 1967), quase dez anos depois do desenvolvimento das análises do autor. Ainda assim, foi apenas depois de 1970 que o tema ganhou visibilidade, a partir da publicação do artigo The General Theory of Labor managed Market Economies, de Jaroslav Vanek (1970). Vanek apresentou as principais características das empresas autogestionárias, sendo que elas resumiam as características das cooperativas de trabalho associado, já estudadas por outros pensadores (MONZÓN, 2003: 26), são elas:

i) A tomada de decisão deveria se dar exclusivamente por trabalhadores, a partir do princípio “uma pessoa = um voto”;

ii) O patrimônio da empresa deveria ser controlado pelos trabalhadores, ainda que estes não fossem proprietários da empresa;

iii) Os excedentes líquidos, após a retirada dos impostos e amortizações, deveriam ser divididos entre os trabalhadores;

iv) Apenas os trabalhadores deveriam ter direito à voto, ainda que os proprietários das ações pudessem ter direito à renda gerada pelas empresas;

v) A empresa autogestionária deveria atuar em uma economia de mercado, isto é, com mecanismo de alocação de recursos; porém, os trabalhadores deveriam ser livres para eleger o local e o tipo de trabalho a ser executado.

Os estudiosos do tema (tais como Domar, Vanek e também Meade) assinalam que o interesse material é o objetivo principal das empresas autogestionárias, porém, enquanto que a empresa capitalista (especialmente a do modelo neoclássico) tem como principal objetivo a maximização do lucro total, o principal objetivo das empresas autogestionárias seria

maximizar a renda líquida por trabalhador. Ainda assim, para Branko Horvat, a empresa autogestionária teria o mesmo objetivo de lucro total das empresas capitalistas, que seria maximizar os ganhos, embora no caso desta, estes seriam repartidos.

Outros autores também foram na mesma linha de pensamento, destacando que, embora uma análise microeconômica não seja suficiente para indicar diferenças significativas entre o objetivo das cooperativas de trabalho associado e das empresas neoclássicas, seria mais realista crer que “o objetivo de maximizar o lucro por trabalhador pode ser incompatível com a manutenção dos postos de trabalho”. Assim, as cooperativas de trabalho associado também deveriam objetivar a maximização do lucro total, como ocorre com as empresas capitalistas, uma vez que isso asseguraria a manutenção dos postos de trabalho (MONZÓN, 2003: 26).

A guinada rumo à globalização das economias mundiais, após a Segunda Guerra Mundial, sacudiu os pilares do Estado de Bem Estar social na Europa, causando uma “crise de confiança nas instituições tradicionais do sistema” que foram incapazes de “dar as respostas adequadas aos desafios econômicos e sociais”. Com isso, aumentou o número de pesquisas sobre o papel do cooperativismo, o que contribuiu para o surgimento da atual concepção da Economia Social na Europa, na tentativa de buscar soluções para a recuperação e/ou reconstrução do Estado de Bem Estar social e para a justiça social (MONZÓN, 2003: 27).

É importante ressaltar que na atualidade, o cooperativismo é associado à Economia Social, em vários países, especialmente, na Europa. Assim, os atuais pensadores da Economia Social reportam às experiências históricas do cooperativismo; de igual maneira, a abordagem do cooperativismo o enquadra dentro do tema da Economia Social. No caso do Brasil (e em outros países latino-americanos) utiliza-se o termo Economia Solidária, em uma concepção bem parecida a da Economia Social e, também neste caso, faz-se alusão ao histórico do cooperativismo.

Dito isso, podemos mencionar que as pesquisas mais relevantes sobre o tema (ou os temas), realizadas a partir do final do século XX, são desenvolvidas em nível internacional, e dedicam-se a analisar não apenas as cooperativas, mas o conjunto das organizações microeconômicas que compõem a Economia Social (MONZÓN, 2003). Elas têm abordado, especialmente, os seguintes temas: 1) a delimitação conceitual do cooperativismo e da

Economia Social; 2) a quantificação das cooperativas e iniciativas de Economia Social; 3) a análise da evolução das estruturas internas das entidades da Economia Social, na tentativa de entender: “até que ponto as cooperativas têm capacidade para competir no mercado”; e, se “o desenvolvimento de grupos empresarias estimulam ou inibem as características das cooperativas da Economia Social” (MONZÓN, 2003: 27); 4) as respostas aos atuais problemas de relevância econômica e social: dentre os atuais: o desemprego massivo de longa duração e a possível resposta das cooperativas para solucionar tal problema; o processo de exclusão social e a tentativa de apresentar soluções para tal problema; o surgimento de novas necessidades sociais e as análises que buscam compreender a produção e distribuição de serviços sociais a partir das cooperativas e da Economia Social. Dito isto, fica evidente que as pesquisas sobre Economia Solidária no Brasil se enquadram neste escopo e, assim como o atual movimento da Economia Social na Europa, o movimento da Economia Solidária no Brasil descendente do movimento cooperativista tradicional.