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2. A ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL: HISTÓRICO E ATUALIDADE

2.1. O SURGIMENTO DAS EMPRESAS RECUPERADAS SOB A INFLUÊNCIA

2.1.2. Desemprego e desestruturação do mercado de trabalho no Brasil

Todas as mudanças ocorridas no contexto econômico brasileiro influenciaram o mercado de trabalho e a questão social no Brasil. Antes, porém, é importante explicitar que as mudanças ocorridas na estrutura produtiva brasileira, durante o século XX foram responsáveis por estruturar o mercado de trabalho nacional. De acordo com Pochmann (1999: 67), entre 1940 e 1970, o mercado de trabalho “apresentou fortes sinais de estruturação em torno do emprego assalariado regular e dos segmentos organizados da ocupação”, com elevação das taxas de emprego assalariado, “registro formal em segmentos organizados e a redução da participação relativa das ocupações sem registro, sem remuneração e por conta própria, e ainda do desemprego” e redução das ocupações não organizadas. Foi entre 1940 e 1980, por exemplo, que as “relações e condições de trabalho” foram institucionalizadas e o emprego assalariado cresceu – o emprego com registro em carteira e os segmentos organizados da economia aumentaram, neste período –, e uma parcela significativa da população foi somada ao mercado de trabalho brasileiro, por meio do trabalho na indústria (POCHMANN, 1999: 78). Os dados a seguir mostram bem as mudanças no mercado de trabalho. Pode-se perceber, no Quadro 1, que entre 1940 e 1980 houve uma redução do emprego por conta própria, dos trabalhadores sem remuneração, dos desempregados e dos assalariados sem registro, bem como do setor não organizado da economia, concomitante a um aumento do número de assalariados, em especial, dos assalariados com registro, e do setor organizado da economia.

Quadro 01: Evolução das condições de ocupações, desemprego e dos segmentos organizados e não organizados no Brasil entre 1940 e 1995

Fonte: Pochmann (1999). *Dados referentes a 1991.

Nos anos 1980, a ruptura com o padrão de crescimento da década anterior, marcou o período pela estagnação econômica, tornando-o conhecido como “a década perdida”. A década de 1990, por sua vez, refletiu a adesão a um projeto pautado nos ideias neoliberais, impregnados pelo aumento do individualismo e da competitividade. Foram períodos de grandes instabilidades e incertezas, que refletiriam nas questões sociais e acarretaram grandes dificuldades para a vida das pessoas, em especial, mudanças ao mercado de trabalho nacional.

Sobre a década de 1980, a crise da dívida causou o colapso do padrão de financiamento da economia brasileira, levando o país a um cenário de estagnação econômica e hiperinflação. Devido a ela o país foi obrigado a adotar um conjunto de medidas de ajuste macroeconômico que, por sua vez, refletiu no mercado de trabalho, mais especificamente, marcando o rompimento com a tendência à estruturação do mercado de trabalho, que havia sido iniciada décadas antes (POCHMANN, 1999).

Assim, o mercado de trabalho também sofreu forte reversão dos indicadores que vinham, até então, apresentando resultados positivos – entre 1980 e 1990 aumentou o desemprego, o trabalho por conta própria, o trabalho assalariado sem registro em carteira e o segmento não organizado da economia. Enquanto que o trabalho assalariado com registro em carteira foi reduzido, assim como o segmento organizado da economia. Apenas o trabalho sem

Itens 1940 1980 1990 1995

Conta própria 29,8 22,1 23,9 22,4

Sem remuneração 19,6 9,2 5,4 9,0

Assalariado 42,0 62,8 62,6 58,2

Assalariado com registro 12,1 49,2 36,6 30,9

Assalariado sem registro 29,9 13,6 26,0 27,3

Desempregado 6,3 2,8 4,2 6,4

Segmento organizado 61,6 70,5 65,5* 59,3

remuneração manteve sua trajetória do período anterior, mas aumentou no período seguinte (1990-95), conforme pode ser visto no quadro 01, acima. Pochmann destaca que:

A partir dos anos 80, observou-se uma desaceleração na queda do número das ocupações no setor primário da economia, enquanto o setor secundário deixou de apresentar maior contribuição relativa no total das ocupações. Um inchamento do setor terciário ocorreu, ao mesmo tempo em que o desemprego tornava-se maior em mais precárias eram as ocupações geradas. Em consequência, o setor secundário apresentou, em 1995, uma participação relativa na ocupação total não muito diferente da verificada no início dos anos 70 (POCHMANN, 1999: 71).

Com relação ao segmento não organizado da economia, Pochmann destaca que ele estava incluído “de forma dependente e subordinada à dinâmica capitalista”, porém, revelava “um espaço econômico limitado e intersticial na absorção da força de trabalho excedente ao modo de produção capitalista”. Além disso, as mudanças na economia e no mercado de trabalho da década de 1980 geraram novas formas de se relacionar entre as formas de ocupação não capitalistas e as unidades capitalistas. Podemos exemplificar com:

Duas categorias de organização econômica não capitalista podem exemplificar as mais frequentes ocupações desse segmento: (I) atividade mercantil simples, que não se utiliza do assalariamento permanente, tais como as empresas familiares, os trabalhadores por conta própria (fundamentalmente autônomos), pequenos prestadores de serviços e serviço doméstico (trabalho a domicílio, trabalho por peça, vendedores ambulantes, biscateiros, cuidadores de carros, engraxates, etc.) e (II) atividade pseudocapitalista, que inclui empresas que, embora utilizando mão de obra assalariada, não operam segundo a lógica da taxa de lucro nem se subordinam ao capital na manutenção e reprodução das unidades de prestação de serviços e de produção. O que vale mais como referência é o nível geral do rendimento do proprietário (POCHMANN, 1999: 78).

Esta reversão dava “sinais de uma progressiva desestruturação do mercado de trabalho”. Isto é, assim como ocorreu o abandono de um projeto de industrialização nacional, ocorreu também um movimento de desassalariamento e aumento do desemprego e das ocupações nos segmentos não organizados (POCHMANN, 1999: 78). Pochmann descreve a década da seguinte maneira:

Observou-se uma desaceleração na queda do número das ocupações no setor primários da economia, enquanto o setor secundário deixou de apresentar maior contribuição relativa no total das ocupações. Um inchamento do setor terciário ocorreu, ao mesmo tempo em que o desemprego tornava-se maior e mais precárias eram as ocupações geradas (POCHMANN, 1999: 71).

As mudanças da década de 1990 foram fruto da adesão a um projeto neoliberal, orientadas pelo Consenso de Washington. Elas impactaram fortemente no mercado de trabalho, aprofundando sua desestruturação e acarretando desemprego e precarização do trabalho. Para Krein (2007a) este novo contexto está associado a cinco transformações articuladas:

1) O enfrentamento da crise econômica da década de 1990 se deu a partir da “opção por inserir-se na lógica da globalização financeira e não produtiva”. Desta forma o enfrentamento da questão ocorreu por meio da “adoção de uma política econômica de abertura comercial e financeira, de valorização cambial – na maior parte do tempo –, de ausência de uma política industrial, de privatizações e de ajuste do Estado devido ao crescente endividamento público”. As mudanças na ordem econômica, facilitadas pelas inovações tecnológicas, permitiram a participação das empresas num “jogo” de pressão sobre os trabalhadores (e também sobre os Estados nacionais) no sentido de um rebaixamento do valor da força de trabalho (desregulamentar direitos e flexibilizar as relações de trabalho) como condição para a realização de investimento ou manutenção da unidade produtiva (KREIN, 2007a: 65).

2) As empresas nacionais sofreram uma maior exposição à concorrência frente ao mercado mundial e foram obrigadas a redefinir suas atividades produtivas, reestruturando a produção, isto é, adotando “estratégias de racionalização dos custos e de conquista de novos patamares de produtividade”. Esta nova postura das empresas pressionou para a redução dos custos de produção, conquistado por meio das inovações tecnológicas e organizacionais, o que causou “alterações na alocação (polivalência), na remuneração e no tempo de trabalho” e, assim, nas “condições sob as quais são regidas as normas reguladoras do trabalho” (KREIN, 2007a: 65). 3) A crise econômica gerou “efeitos deletérios sobre o mercado de trabalho”, provocando um aumento do desemprego e da informalidade, assim como do trabalho por conta própria (onde o trabalhador tem que se virar para conseguir uma ocupação que lhe proporcione renda) e das ocupações em pequenos negócios (que também significa que o trabalhador precisa se virar, mas a partir da justificativa de uma lógica empreendedora) (KREIN, 2007a: 66). Assim:

A própria dinâmica do mercado de trabalho no período foi responsável pela promoção da flexibilização, pois proporcionou a proliferação de formas mais precárias de contratação (temporário, estágio, pessoa jurídica, cooperativas, terceirizados etc.) e deu base para a introdução de novos temas de interesse das empresas na mesa de negociação (KREIN, 2007a: 66).

4) A hegemonia das políticas neoliberais condicionou um ataque a duas instituições (o Estado e os sindicatos), a fim de eliminar entraves ao livre funcionamento do mercado de trabalho. Para Krein tratava-se de um “ataque explícito à regulação pública do trabalho é à organização sindical, através da proposição de medidas de desregulamentação de direitos trabalhistas e flexibilização de relações de trabalho, assim como de fragilização do movimento sindical”. Perante isso, as palavras de ordem para o enfrentamento do desemprego eram “empregabilidade e empreendedorismo” (KREIN, 2007a: 67).

5) Por fim, o autor ressalta que após “25 anos de estagnação econômica e de hegemonia conservadora neoliberal”, o Brasil começou a vivenciar uma crise social marcada pelo “esgarçamento do tecido social e (...) aumento da criminalidade” e pela “perda de referência de instituições e valores republicanos, inclusive, as de representação dos interesses sociais mais universais” (KREIN, 2007a: 67).

A década de 1990 foi marcada pela redução do emprego, resultado do processo de reestruturação produtiva, das exigências de aumento de competitividade das empresas, do processo de inserção externa e, consequentemente, do aumento de produtividade do trabalho. Pochmann (1999: 86) destaca que, ao invés de estabelecer “uma nova base de desenvolvimento com forte apoio na geração de empregos”, as medidas macroeconômicas no período foram responsáveis pela desintegração da cadeia produtiva, promovendo a “destruição de parte significativa da estrutura produtiva e do emprego”. Conforme o autor:

Em vez da diversificação, foram observadas estratégias empresariais voltadas para a desverticalização e focalização das atividades produtivas, a fusão de empresas e participação de bancos nas ações de várias empresas. Desde o início da década houve um esforço, ainda que parcial e restrito, de incorporação das novas técnicas, produtos, equipamentos, organização da produção e gestão de recursos humanos por parte dos grandes grupos econômicos. No entanto, as condutas empresariais defensivas tenderam a favorecer o menor investimento em equipamentos de última geração e poucas e restritas garantias de estabilidade formal para a mão-de-obra (POCHAMANN, 1999: 91).

Dainez (2003: 02) corrobora a tese de que os anos 1990 foram marcados por uma verdadeira crise do emprego, evidenciado no aumento das taxas de desemprego aberto que dobraram (os dados do quadro 1 corroboram esta afirmação), redução do emprego formal, com carteira assinada e aumento do emprego informal e por conta própria, o que demonstra ter havido um aumento precarização das condições de trabalho no Brasil:

As altas taxas de desemprego verificadas nos anos 90 acabam por alimentar, assim, o crescimento do setor informal. Os trabalhadores expulsos do setor formal, ao não terem perspectiva de conseguir um novo emprego assalariado com carteira assinada, acabam por migrar para o setor informal. Ao mesmo tempo em que o setor informal cresce, complexifica-se sua relação com o setor formal (DAINEZ, 2003: 157).

Sendo obrigadas a adotar perfis mais competitivos, as empresas tiveram que aderir ao modelo just-in-time – racionalização da produção – a fim de reduzir os custos de produção (que passou a ser puxada pela demanda, com a eliminação dos “tempos mortos” no decorrer do processo de trabalho). Com isso a força de trabalho foi pressionada a se tornar flexível e polivalente e a aumentar sua qualificação (ANTUNES, 2007; DEDECCA, 2005).

Apesar da exigência de maior qualificação, crescia os casos de má remuneração da mão-de- obra, isto porque, este processo foi também marcado pelas terceirizações, que implicaram em contratações de trabalhadores com salários menores que os trabalhadores do modelo anterior, fordista e, em grande parte, com contratos temporários. Tais características sinalizavam a desregulamentação do mercado de trabalho, num esforço do capital para torná-lo também regido unicamente pelas leis de mercado – livre concorrência.

Este contexto foi responsável por promover uma cisão na classe trabalhadora: de um lado um pequeno grupo de trabalhadores qualificados (polivalentes e multifuncionais), que tinham sua capacidade produtiva sugada ao máximo pelas empresas – o que corrobora a tese da intensificação da exploração do trabalho; e de outro, uma grande maioria de trabalhadores “desqualificados”, expostos ao desemprego, à informalidade (com os empregos temporários e parciais) e à pauperização (ANTUNES, 2007).

Com a adoção de um novo padrão tecnológico e organizacional, que introduziu “novas tecnologias de base microeletrônica (automação informatizada)” e “novos padrões de gestão/organização do trabalho (o ‘modelo japonês’)”, houve um processo de “individualização das relações entre capital e trabalho”. Como bem pontua Dainez (2003: 156): “num ambiente em que o desemprego grassa e que, por consequência, aumenta ainda mais a já elevada assimetria de poder em favor do lado da demanda no mercado de trabalho, houve pressões no sentido de alterações no sistema nacional de relações de trabalho”. Logo, o desemprego e a ideologia da “parceria” foram os instrumentos adotados pelas empresas para o convencimento do trabalhador a aderir e aceitar este processo, bem como para inibir a ação

dos sindicatos. Assim, a luta dos trabalhadores, especialmente, por meio dos sindicatos, foi enfraquecida (FILGUEIRAS, 1997: 907).

É possível destacar como fruto deste contexto: a eliminação de postos de trabalho, com grande desregulamentação “dos direitos do trabalho”; o “aumento da fragmentação no interior da classe trabalhadora”; a precarização e terceirização da força de trabalho; a “destruição do sindicalismo de classe” (ANTUNES 2007: 04).

Houve mudanças nas características dos processos de contratação da força de trabalho, que haviam sido construídas no decorrer do século XX, com a estruturação do mercado de trabalho. As novas formas de contratação tinham como orientação a contratação flexível. E com isso, ganhou força, um movimento de flexibilização do trabalho, expresso: “1) na facilidade de romper o contrato de emprego; 2) na ampliação dos contratos por tempo determinado; 3) no avanço da relação de emprego disfarçada; 4) na terceirização; 5) na informalidade” (KREIN, 2007a: 34).

As novas formas de contratação da força de trabalho passaram a ser por meio de:

Terceirização, subcontratação, pessoa jurídica (PJ), cooperativa, sócio, parceria, consórcio de empregadores, autônomo, contratação por prazo determinado, estágio, contrato parcial, contrato de experiência, contrato por obra certa, contrato de safra, empreitada, contrato temporário, motoboy, caminhoneiro autônomo, integrado, trabalhador avulso, trabalho em domicílio, teletrabalho, consultoria, façonismo e freelance (KREIN, 2007a: 107).

KREIN (2007b) reforça esta ideia ao destacar que, entre 1996 e 2005, dois terços dos trabalhadores contratados não chegaram a ficar um ano no emprego16 - com isso, neste período de dez anos, o número dos trabalhadores que foram desligados do emprego, antes de completar três meses de trabalho, subiu de 17% para 20%. Isso reflete uma das faces da flexibilização das relações de trabalho. As empresas já podiam contratar trabalhadores temporários, por um tempo máximo de três meses (este tempo poderia ser renovado por mais três meses). Contudo, o que ocorria é que antes de completar o período de três meses, as empresas despediam os trabalhadores e contratavam novos, pelo mesmo período.

16

Para Antunes (2007), esta realidade mostrava a “nova morfologia do trabalho”, em que as condições de trabalho foram precarizadas, e que se expressava pelo aumento do trabalho assalariado, sem carteira assinada, do trabalho independente, por conta própria, do aumento do trabalho por tempo determinado, sem renda fixa, em tempo parcial (“bicos”), da diminuição dos direitos trabalhistas, do aumento da jornada de trabalho, etc.

E, embora estas transformações tenham ocorrido em escala global (DEDECCA, 2005), em países periféricos, como o Brasil, elas contribuíram para agravar a situação da pobreza e indigência da parcela da população que já se encontrava excluída do “mercado do trabalho” – até porque esses trabalhadores não puderam contar com uma efetiva proteção do Estado (a exemplo do que ocorre em países da Europa), já que ele foi enfraquecido, como já mencionado. Assim, em um contexto em que o capital tornou-se mínimo para os trabalhadores, sob o domínio do capital financeiro, os trabalhadores se viram jogados à própria sorte, em uma situação de desemprego ou de emprego precários, com salários reduzidos, piora nas condições de trabalho e com um exército industrial de reserva que pressionava ainda mais a situação. E foi devido a esta situação que eles se viram pressionados a buscar alternativas de sobrevivência, algumas delas na linha da Economia Solidária.