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2. A ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL: HISTÓRICO E ATUALIDADE

2.4. A ECONOMIA SOLIDÁRIA NA ATUALIDADE

2.4.1. A caracterização da Economia Solidária

A Economia Solidária no Brasil é formada por um conjunto de atores, que podem ser classificados em cinco grupos que representam distintas concepções e visões sobre o tema42. A Figura 01, abaixo, mostra os atores em seus respectivos grupos e a relação entre eles. O primeiro grupo é formado pelo conjunto dos Empreendimentos Econômicos Solidários (EES), tais como: as unidades produtivas (cooperativas, associações, fábricas recuperadas, etc.), as organizações de finanças solidárias (bancos comunitários, grupos de fundos rotativos, cooperativas de crédito, etc.), os clubes de trocas, dentre outros.

42 As diferentes concepções ou visões mostram que existem muitos conflitos envolvendo o tema no Brasil e não

Figura 01: Os atores da Economia Solidária no Brasil

Fonte: Freitas (2012), a partir de informações do Atlas da Economia Solidária no Brasil

O segundo grupo é formado pelas Entidades de Apoio e Fomento (EAF): as “Igrejas e pastorais sociais, como a Cáritas Brasileira e o Instituto Marista de Solidariedade”, as “universidades e suas Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCP)”, as “Organizações Não-Governamentais (ONG) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP)”, “os sindicatos (…) como a Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS) da Central Única dos Trabalhadores (CUT)” (FREITAS, 2012: 160).

O terceiro grupo é formado pelas “ligas e uniões entre os EES” que, segundo Freitas (2012), “possuem tamanhos, suportes e interesses diferenciados entre si”. Dentre eles estão:

A Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários (UNISOL Brasil), Associação Nacional do Cooperativismo de Crédito da Economia Familiar e Solidária (ANCOSOL), Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária no

Brasil (CONCRAB) ligada ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), a União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (UNICAFES) e Associação Nacional de Trabalhadores e Empresas de Autogestão (ANTEAG) (FREITAS, 2012: 159).

O quarto grupo é formado pelos Fóruns e Redes da Economia Solidária, tais como: as “Redes de EES e de Gestores Públicos, as Redes de ITCPs, as setoriais de Economia Solidária do Partido dos Trabalhadores (PT), as frentes parlamentares estaduais e nacional de Economia Solidária”, o próprio “Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) e seus respectivos Fóruns Estaduais e Municipais” que “compõem um conjunto de atores de grande expressão dentro da Economia Solidária” (FREITAS, 2012: 159).

O quinto grupo é formado pelas instâncias de Políticas Públicas de Economia Solidária, com seus respectivos governos municipais, estaduais e o governo federal. Freitas (2012: 160) salienta que a SENAES está representado no âmbito do governo federal e é a instância mais importante da Economia Solidária no Brasil. Os conselhos municipais, estaduais e nacional de Economia Solidária também fazem parte deste grupo e representam o “lócus de construção da participação e controle social das Políticas Públicas” de Economia Solidária no país.

Conforme pontua Gaiger (2009: 181), o conceito de empreendimentos econômicos solidários (ou Empreendimentos de Economia Solidária), o primeiro grupo de atores da Economia Solidária abordado acima, “compreende as diversas modalidades de organização econômica, originadas da livre associação de trabalhadores”. Eles estão organizados em grupos (coletivos de trabalhadores), tais como associações, cooperativas, empresas recuperadas, etc., que têm como principal objetivo realizar atividade econômica, tendo como base os princípios da cooperação, da solidariedade e da autogestão. Além disso, estes empreendimentos têm como base a posse coletiva dos meios de produção, a gestão democrática, por meio da democracia autogestionária e a divisão dos excedentes gerados no processo produtivo entre os trabalhadores. Eles estão presentes em setores de produção, comercialização, crédito e prestação de serviços, e combinam “ações de cunhos educativo e cultural” à atividade econômica. Assim, os EES compreendem organizações:

a) coletivas – organizações supra familiares, singulares e complexas, tais como: associações, cooperativas, empresas autogestionárias, grupos de produção, clubes de trocas, redes e centrais etc.; b) cujos participantes ou sócios(as) são trabalhadores(as) dos meios urbano e rural que exercem coletivamente a gestão das atividades, assim

como a alocação dos resultados; c) permanentes, incluindo os empreendimentos que estão em funcionamento e aqueles que estão em processo de implantação, com o grupo de participantes constituído e as atividades econômicas definidas; d) com diversos graus de formalização, prevalecendo a existência real sobre o registro legal e; e) que realizam atividades econômicas de produção de bens, de prestação de serviços, de fundos de crédito (cooperativas de crédito e os fundos rotativos populares), de comercialização (compra, venda e troca de insumos, produtos e serviços) e de consumo solidário (SENAES, 2006: 13).

Os EES “expressam uma germinação de formas de economia alternativa, distintas da lógica mercantil capitalista, e de alternativas econômicas, por conformarem estabelecimentos viáveis, capazes de assegurar sua reprodução social” (GAIGER, 2009: 182). Porém, o êxito destes empreendimentos depende das condições objetivas e subjetivas que encontram, em especial, do investimento que se realiza neles.

Estes empreendimentos têm raízes na história de luta da classe trabalhadora e nas “correntes de pensamento e ação política” também desta classe:

Suas raízes mais longínquas situam-se no século XIX europeu, quando a proletarização do mundo do trabalho provocou o surgimento de um movimento operário associativo e das primeiras cooperativas autogestionárias de produção. Essa práxis esteve intimamente associada à matriz intelectual e política que, desde então, tem evoluído por caminhos diversos: socialistas utópicos (Saint-Simon, Fourier), anarquistas (Proudhon, Kropotkin), cooperativistas (Owen, Gide), cristãos (Le Play, Raiffeisen), socialistas (Jaurès, Pannekoek) e comunitaristas (Lebret, Mounier) (GAIGER, 2009: 182).

Pode-se dizer que o termo foi introduzido nas discussões sobre Economia Solidária a partir das formulações do pensador chileno Luis Razeto, por meio das quais ele descrevia as experiências de economia popular, que geravam trabalho e renda, baseadas em princípios cooperativos, solidários e autogestionários (GAIGER, 2009).

Um levantamento feito pela SENAES fornece algumas informações importantes sobre a Economia Solidária no Brasil. Os dados compõem o Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária (SIES-2012)43. Eles mostram, por exemplo, que dos 19.708 EES que constavam no levantamento feito pelo SIES , 55% (10.793) eram EES rurais, 35% (6.856) eram EES urbanos e 10% (2.058) podiam ser considerados tanto EES urbanos, como rurais, conforme pode ser visualizado na figura 02, abaixo.

43

Figura 02:

Empreendimentos de Economia Solidária rural e urbano

Fonte: SIES-SENAES (2012).

A maioria dos trabalhadores dos EES são homens – 56%, contra apenas 44% de mulheres. No entanto, quando se trata da coordenação e/ou direção dos empreendimentos, a maioria são mulheres: 56% contra 44% de homens (Ver Figuras 03 e 04 a seguir).

Figura 03:

Quantidade de homens e mulheres sócios dos EES

Figura 04:

Homens e mulheres em cargos de direção e/ou coordenação

Fonte: SIES-SENAES (2012)

Na figura 05, a seguir, é possível ver que a maioria (53%) das pessoas que atuam nos EES são negras (45% são pardas e 8% são pretas), seguidos por 21% de pessoas brancas. Há ainda 1% de pessoas amarelas, 1% de indígenas e 1% ignoram a cor ou raça.

Figura 05:

Cor ou Raça dos sócios dos trabalhadores dos EES

No que se refere à forma de organização dos empreendimentos, as associações representam a maioria dos EES (60% ou 11.823 empreendimentos); 31% são de grupos informais (6.018 empreendimentos). A forma cooperativa corresponde a apenas 9% dos EES (são 1.740 cooperativas). É preciso salientar que é preocupante que ainda haja um número tão alto de grupos informais atuando como EES. Isso limita a ação destes empreendimentos, enfraquece sua atuação e contribui para a fragilidade do grupo (Ver Figura 06, abaixo).

Figura 06:

Forma de organização dos EES

Fonte: SIES-SENAES (2012)

Estes dados nos dão um pequeno panorama da Economia Solidária no Brasil. Outros dados serão analisados no decorrer deste trabalho.

CONSIDERAÇÕES PARCIAIS

Conforme pudemos acompanhar ao longo deste capítulo, os fatores que contribuíram para o surgimento da Economia Solidária vão além da crise econômica e do desemprego do final do século XX. Embora tenha sido este o período em que as iniciativas que receberam este nome tenham surgido, e mesmo ficando claro que os problemas econômicos da época tenham tido muita importância para o surgimento da Economia Solidária, é evidente que o histórico problema da concentração fundiária e de renda, responsáveis por gerar uma enorme desigualdade e jogar uma parcela da população em situação de pobreza e miserabilidade, obrigando-os a buscar alternativas de sobrevivência em iniciativas de economia popular e solidária.

Assim, resumindo de que maneira os diferentes contextos contribuíram para o surgimento da Economia Solidária, pode-se dizer que o contexto econômico do final do século XX, por provocar a falência de várias empresas contribuiu, diretamente, para o surgimento do fenômeno das empresas recuperadas.

O histórico problema da concentração fundiária, somado pelo processo de modernização do campo, a partir da segunda metade do século XX, que obrigou grande parcela dos trabalhadores rurais a migrarem para as cidades em busca de oportunidades de trabalho para sobreviverem, foram responsáveis pelo surgimento das iniciativas de cooperativismo no meio rural – um processo especialmente ligado à luta pela terra e pela atuação do MST.

Assim, o histórico problema da pobreza, especialmente marcada pela concentração de renda no Brasil foi responsável por fazer surgirem as iniciativas de economia popular e solidária nas cidades – cooperativas de catadores, artesanatos, costura, alimentação, etc. É importante lembrar que a migração campo-cidade, por gerar uma pobreza urbana, também contribuiu para este fenômeno; assim, pode-se dizer que a concentração fundiária também contribuiu para o surgimento das iniciativas de economia popular e solidária no meio urbano. O mesmo pode-se dizer com relação à crise dos anos 1980 e a abertura econômica e financeira da década de 1990, que também contribuíram para aumentar a pobreza urbana, e portanto, para o surgimento das iniciativas de Economia Solidária, por meio do cooperativismo popular.

Vimos ainda que, enquanto buscavam alternativas de sobrevivência, os atores da Economia Solidária (compostos por trabalhadores, intelectuais, religiosos, dentre outros) construíam a crítica ao sistema capitalista de produção, apontando-o como o gerador das mazelas sociais. Com isso, estes atores buscavam construir uma ideia da Economia Solidária, também, uma alternativa de sociedade, construída a partir de ideais que se contrapunham àqueles praticados pela sociedade capitalista (a cooperação, ao invés da competição; a solidariedade, ao invés do individualismo; a autogestão, ao invés da gestão centralizadora e exploradora).

Assim, a Economia Solidária pode ser entendida como uma alternativa de geração de trabalho e renda que surgiu a partir da ação dos próprios trabalhadores, que buscavam gerar suas condições de vida, ou de superação da pobreza extrema. Mas também, ela surgiu como um ideal de construção de uma sociedade igualitária e mais justa.