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3. A ECONOMIA SOLIDÁRIA E O MERCADO CAPITALISTA

3.2. ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA E O MERCADO CAPITALISTA: A

Alguns pensadores espanhóis tratam da inserção das entidades da Economia Social no mercado. As reflexões sobre o tema se iniciaram a partir da discussão sobre a visibilidade da Economia Social nas contas nacionais (BAREA e MONZÓN; 2006; MONZÓN e CHAVES, 2012).

Os sistemas de contas nacionais (SCN) têm sido um importante instrumento que oferece informações de forma periódica e precisa sobre a atividade econômica de cada país, possibilitando a comparação internacional, bem como a própria evolução das contas em cada país45 (MONZÓN e CHAVES, 2012: 22). Porém, conforme destacam Barea e Monzón

45 Os dois sistemas de contas nacionais mais importantes em vigor são: o Sistema de Contas Nacionais (SCN

1993), que contem normas que são usadas mundialmente e o Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais (SEC 1995 ou o SEC 95), que se aplica aos estados membros da União Europeia. Barea e Monzón (2006) destacam que, no caso da SCN-1993, embora tenha havido um esforço no sentido de realizar um manual que considere as entidades não lucrativas privadas, ele não considera as cooperativas (por considerá-las entidades mercantis, já que distribuem os benefícios entre os membros) e as mútuas (por considerar que estas não pertencem ao grupo das entidades não lucrativas e sim, às instituições financeiras que pertencem ao setor empresarial).

(2006), o Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais (SEC) não contempla em suas contas “as empresas e organizações que formam o tradicional conceito europeu de Economia Social, que inclui cooperativas, mútuas, associações e fundações”. Conforme os autores, as entidades da Economia Social aparecem diluídas nos demais setores da economia, como quaisquer outras instituições (privada ou pública), o que dificulta a mensuração das atividades próprias da Economia Social e impede avaliar seu potencial, enquanto geradora de crescimento econômico, trabalho e renda, e também, avaliar como se comportam estas instituições em momentos de crises econômicas, desemprego e exclusão social. Quando chamam a atenção para isso, os autores estão destacando que a Economia Social tem um importante papel e que ele deve ser destacado. Porém, o que eles evidenciam, é a relação das entidades da Economia Social na Espanha com o mercado.

A definição feita pela Comissão Europeia parte de “um amplo consenso político e científico” sobre o papel da Economia Social. Já explicitada no capítulo 1 (seção 1.2), a definição destaca que a Economia Social é um “conjunto de empresas privadas criadas para satisfazer as necessidades de seus sócios através do mercado”. Ou seja, a produção dos bens e serviços das entidades da Economia Social é colocada à disposição no mercado capitalista, para comercialização, como ocorrem com os bens e serviços produzidos pelas empresas capitalistas. O que diferencia as entidades da Economia Social é seu ambiente interno, marcado por aspectos de gestão democrática, divisão dos ganhos entre os sócios e os princípios e finalidade que os regem, como a livre adesão, autonomia de decisão e a finalidade de produzir para satisfazer necessidades dos sócios (CHAVES e MONZÓN, 2003: 03).

A Economia Social é entendida pelos teóricos do tema, como um setor da Economia, que engloba dois subsetores (o subsetor de mercado e o de não mercado). Os autores apontam a existência de um vínculo entre eles que, em comum, têm o fato de produzirem para satisfazer as necessidades das pessoas (sócios e usuários), priorizando-as, em lugar da acumulação de capitais (MONZÓN, 2008; MONZÓN e CHAVES, 2012).

De acordo com Barea e Monzón (2006: 38-44), as características que definem uma entidade da Economia Social são:

a) São empresas privadas: no sentido de que “não fazem parte do setor público e nem são controladas por ele”. E, mesmo que conte com financiamento público, ou que haja

representantes do governo participando em sua direção, a empresa é considerada privada quando “a maioria do seu capital e o poder de decisão estão sob controle dos sócios”.

b) São organizadas formalmente: isto é, “as empresas da Economia Social são unidades institucionais com autonomia de decisão, que dispõem de um conjunto completo de contas e que, habitualmente, estão dotadas de personalidade jurídica própria”.

c) Possuem autonomia de decisão: que significa ter plena capacidade de escolher/eleger e dissolver os órgãos de administração, e ainda, para controlar e organizar todas as atividades da empresa. A autonomia de decisão significa que as empresas da Economia Social devem: i) ser titulares de bens ou ativos, podendo dispor sobre os mesmos, isto é, poder trocá-los com possíveis interessados (outras empresas ou consumidores); ii) “ter capacidade para tomar decisões econômicas e realizar atividades econômicas, sendo responsáveis pelas mesmas perante a lei”, iii) “ter capacidade para contrair passivos em nome próprio, aceitar outras obrigações ou compromissos futuros e assinar contratos”.

d) Possuem liberdade de adesão: “a participação dos sócios, em uma empresa de Economia Social, não pode ter caráter obrigatório, em por razões legais, nem de qualquer outro tipo”. e) São criadas para satisfazer as necessidades dos seus sócios, mediante a aplicação de princípio de self-help46: geralmente, nas empresas da Economia Social, os sócios (que podem ser pessoas, famílias ou lares) possuem dupla condição – de sócio e usuário.

f) São produtoras de mercado: “o que significa que são empresas cuja produção se destina, principalmente, à venda no mercado, a preços economicamente significativos”.

g) Distribuem os benefícios ou excedentes entre os sócios usuários: esta distribuição, porém, não deve ser proporcional ao capital ou às cotas investidas, mas sim, de acordo com as atividades realizadas pelos sócios. Porém, nem sempre a distribuição é realizada, isto porque, algumas empresas da Economia Social não possuem o costume de distribuir os excedentes ou benefícios, de maneira que “o princípio da não distribuição de benefícios entre os sócios não constitui uma característica essencial das empresas da Economia Social”.

46 O self-help é “um princípio histórico do cooperativismo e do mutualismo” e consiste no fato de que a empresa

tem como principal característica, desenvolver uma atividade que permita atender à necessidades dos sócios (ser pessoas, lugares ou famílias) (BAREA E MONZÓN, 2006: 41).

h) São organizadas democraticamente: de maneira que, independente do aporte de capital feito por cada sócio, o processo de tomada de decisão seja baseado no princípio de “uma pessoa = um voto”. Assim, o poder de decisão da empresa está, majoritariamente, sob controle dos sócios, e não se baseia na propriedade do capital47.

Conforme é possível perceber, a maioria dos aspectos relacionados acima sinaliza em direção a instituições geridas de forma democrática, que têm como principal objetivo satisfazer as necessidades dos sócios e que prezam pela justa distribuição dos recursos criados. Contudo, um ponto bastante relevante é o fato de que as empresas da Economia Social devem produzir para o mercado. Ou seja, a produção de bens e serviços da Economia Social não restringem sua atuação no mercado, por acreditar que isso fere os princípios da Economia Social. Ao contrário, os pensadores do tema entendem que é por meio do mercado que a Economia Social poderá cumprir seu papel de gerar trabalho e renda para seus sócios, assim como, produzir os benefícios que a ela preconiza.

Assim, a Economia Social na Espanha está dividida entre entidades produtoras de mercado e de não mercado. Com isso, a classificação da Economia Social pode ser: trata-se de um setor da Economia, dividido em dois subsetores: o setor de mercado e o setor de não mercado (BAREA e MONZÓN, 2006), conforme é possível ver no Quadro abaixo:

Quadro 06:

Os atores da Economia Social na Espanha, classificados por setores institucionais Setor institucional Organizações microeconômicas da Economia

Social

Produtores de mercado

Sociedades não financeiras

- Cooperativas (cooperativas de trabalho associado, de consumidores, agrárias, ensino, mar, transportes, habitação, social, saúde, etc.);

- Sociedades laborais;

- Empresas de inclusão e centros especiais de emprego;

- Sociedades Agrárias de Transformação;

47 Os autores destacam que existem situações em que este princípio é rebuscado por alguma ponderação dos

votos dos sócios, e também, em casos de grupos empresariais que são constituídos por diferentes empresas pode haver esta ponderação a fim de refletir, tanto os diferentes níveis de atividades das empresas sociais, quanto o número de sócios de cada empresa.

- Confrarias de pescadores;

- Empresas mercantis não financeiras controladas pela Economia Social;

- Outros produtores de mercado privado (algumas associações, fundações e sociedades mercantis);

Sociedades financeiras

- Cooperativas de crédito (caixas rurais e caixas laborais e populares);

- Seções de crédito das cooperativas; - Mutuas de Seguros;

Mutualidades de previsão social; - Cooperativas de Seguros; Produtores de não mercado Instituições sem finalidade de lucro a

serviço das famílias (ISFLSH) (produção

de serviços não destinados a venda)

- Associações de ação social; - Fundações de ação social;

- Outras instituições sem finalidade de lucro a serviços das famílias;

Fonte: Monzón (2008: 63).

Barea e Monzón (2006: 33) definem a produção de mercado como “aquela cujo destino principal é a venda no mercado a preços economicamente significativos, entendendo por tais quando as vendas da produção cobrem no mínimo 50% dos custos de produção”, mas também nos casos em que a produção é cedida ao mercado, de alguma outra maneira, que não por meio da venda: “nestes casos, a unidade institucional é um produtor de mercado, que é classificado no setor 'sociedades não financeiras' ou no setor instituições financeiras”. As instituições sem fins lucrativos que fornecem serviços às empresas também “são consideradas produtoras de mercado” e entram na mesma classificação. Assim, pode-se definir o subsetor de mercado como aquele formado por:

Cooperativas, mútuas e mutualidades de previsão social, e grupos empresariais controlados por entidades da mesma, e outras empresas similares como empresas de inserção e sociedades não financeiras controladas majoritariamente por trabalhadores com processos democráticos de decisão e distribuição equitativa de seus benefícios. Em alguns países, também podem encontrar sociedades de poupança e crédito e caixas de crédito que se ajustam a definição formulada de empresas de Economia Social (CHAVES et all. 2013: 22).

Fornecida a outras unidades de forma gratuita ou a preços economicamente não significativos, de maneira que, se as vendas cobrirem menos de 50% dos custos de produção, a unidade institucional se classifica no setor Instituciones sin fin lucrativo

al servicio de los hogares (ISFLSH) e no setor Administrações Públicas (BAREA e

MONZÓN, 2006: 33).

O que diferencia o subsetor de não mercado do anterior é que este “está integrado por todas aquelas entidades de Economia Social que, segundo critérios estabelecidos pela Contabilidade Nacional, não são produtores de mercado; ou seja, aqueles cuja produção se supre majoritariamente de forma gratuita ou a preços economicamente não significativos” (CHAVES et all. 2013: 22). Com isso, os autores querem chamar a atenção para o fato de as entidades que fazem parte deste subsetor serem aquelas organizadas de forma privada e que produzem bens e/ou serviços que são para as famílias e não para o mercado. Por outro lado, elas seguem as regras de autonomia de decisão e liberdade de adesão – ou seja, têm um funcionamento democrático. Em suma, “trata-se de entidades não lucrativas em sentido estrito, que aplicam o princípio da não distribuição de benefícios”, em que “os indivíduos participantes são os verdadeiros beneficiários dos serviços produzidos”. Desta forma, este subsetor é formado por entidades do terceiro setor de ação social, por associações e fundações (mas também é possível encontrar outras entidades, com outras formas jurídicas).

O tema da inserção dos EES no mercado no Brasil enfrenta oposição da maioria dos estudiosos do tema, sob a justificativa de que a inserção no mercado poderá deturpar os princípios da Economia Solidária. A maioria das bibliografias que trata da Economia Solidária no Brasil centra na dicotomia competir x cooperar.

A base para este pensamento é um texto de Singer (SINGER, 2002a), em que o autor apresenta a Economia Solidária como sendo pautada nos valores de solidariedade, destacando que estes valores são antagônicos aos da competição. Singer (2002a) parte da explicação de que a economia capitalista polariza a sociedade entre ganhadores e perdedores – “os ganhadores acumulam vantagens e os perdedores acumulam desvantagens nas competições futuras”. Trata-se de um modelo gerador de desigualdades, já que os ganhadores repassam a seus filhos as vantagens adquiridas e estes terão melhores chances de competir que os filhos dos perdedores.

De acordo com Singer (2005: 15), a economia capitalista pauta suas ações num tipo de racionalidade baseada na inspiração darwiniana, segundo a qual, a existência dos ganhadores implica em impor a perda a outros – “os ganhos de uns correspondem a perdas de outros”. Para o autor, a desigualdade e a competição não são naturais, como preconizam as bibliografias de economia capitalista. Ao contrário, elas seriam fruto do sistema capitalista, que pregam liberdade irrestrita, o individualismo e a proteção à propriedade privada. Sendo assim, a construção de outras formas produção exigiria a criação de alternativas a este sistema – a Economia Solidária, por exemplo, que pauta suas ações em princípios como solidariedade, cooperação e autogestão e, desta forma, cria maneiras alternativas à competição e ao individualismo.

Segundo Singer, a Economia Solidária nega a ideia de que o ser humano é competitivo por natureza, e entende que o mesmo está propenso tanto a competir, como a cooperar e que o arranjo social em que as pessoas estão envolvidas (desde que nascem, crescem e enquanto vivem) é que determinam sua prática mais frequente. Desta forma, se os seres humanos estão propensos muito mais a competir que a cooperar, é porque estão inseridas num arranjo social que incentiva este tipo de prática – o sistema capitalista de produção.

A Economia Solidária, por outro lado, exigiria um comportamento pautado na solidariedade, ao invés da competição: “para que tivéssemos uma sociedade em que predominasse a igualdade entre todos os seus membros, seria preciso que a economia fosse solidária em vez de competitiva. Isso significa que os participantes na atividade econômica deveriam cooperar entre si em vez de competir” (SINGER, 2002a: 09).

A inserção dos EES no mercado exigiria deles uma atitude competitiva. É impossível a sobrevivência no mercado capitalista por meio da cooperação. Sendo assim, uma vez que os intelectuais da Economia Solidária negam a competição, automaticamente, negam a atuação dos EES no mercado capitalista.

Entretanto, em seu primeiro texto sobre o tema, Singer (1996) discute a necessidade de se criar um mercado próprio para os EES. A observação do desemprego em massa e da pobreza de parcela da população levou Singer a refletir sobre a necessidade de “formular uma outra solução capitalista para o desemprego, que [substituísse] o deslocamento geográfico por

estruturas organizacionais que [oferecessem] às pequenas empresas a proteção necessária para poderem se desenvolver” (SINGER, 1996; grifos nossos).

A proposta de Singer, para combater o desemprego consistia em oferecer aos excluídos a oportunidade de se “reinserir na economia por sua própria iniciativa”, o que é possível por meio da constituição de “um novo setor econômico, formado por pequenas empresas e trabalhadores por conta própria, composto por ex-desempregados”. Neste momento, Singer ainda não havia dado a denominação “Economia Solidária” a sua proposta. Referia-se a ela apenas como um novo setor, que seria formado por “milhares de pequenas empresas, operando em ampla gama de indústrias e serviços, da confecção de roupas, alimentos, material de construção até a reparação de automóveis e aparelhos domésticos, reformas e manutenção de edificações, creches, clínicas, escolas etc.”.

As críticas de Singer eram direcionadas aos grandes capitais, e não especificamente, ao capitalismo. Por isso, ele justificativa que as unidades produtivas do novo setor fossem as pequenas, e não as grandes empresas:

Nos mercados dominados pelo capital, as pequenas empresas funcionam em geral como subsidiárias ou subcontratadas das grandes firmas. A expansão do número e da produção das pequenas empresas depende, nestes casos, do crescimento das grandes firmas. A multiplicação de pequenas empresas além deste limite aguça a competição entre elas, envolvendo-as num jogo de soma zero: cada avanço obtido por uma pequena empresa representa uma perda igual de outra ou outras. A competição aniquiladora entre elas só traz vantagens às grandes, que obtêm os serviços das primeiras a custos menores (SINGER, 1996).

Com base nesta ideia, Singer defendia que as pequenas unidades produtivas deveriam cooperar-se entre si, na tentativa de fazer frente aos grandes capitais, conforme trecho a seguir: “é possível organizar economias locais de razoável complexidade, a partir da competição e cooperação de grande número de pequenas empresas, como o demonstram distritos industriais prósperos na Itália, Espanha, Alemanha etc.”. Isto porque existe um “elevado grau de realimentação” entre as pequenas empresas, mediante a compra de insumos e bens de consumo, em virtude da complementaridade que possuem, e que seria responsável por aumentar a eficiência e competitividade destas unidades produtivas (SINGER, 1996).

Os complexos econômicos formados por pequenas empresas teriam uma maior capacidade de crescimento, em especial, se assegurassem a formação de um mercado consumidor pelos

próprios trabalhadores que neles atuavam. Com esta abordagem, Singer trilhava um caminho no sentido de apresentar uma ideia inovadora, que negava toda uma teoria de crescimento defendida até então, no âmbito da economia nacional, pautada na defesa dos grandes capitais. Para o autor, este seria o caminho para a construção de uma alternativa capaz de criar um embrião de um novo modo de produção:

A economia solidária deve ser um outro espaço livre para a experimentação organizacional, porque só a tentativa e o erro podem revelar as formas que combinam o melhor atendimento do consumidor com a auto realização do produtor. Se estas formas organizacionais forem encontradas – e elas certamente serão muito diferentes da empresa capitalista – haverá boa probabilidade de que elas sejam a semente de um novo modo de produção (SINGER, 1996).

No trecho em questão, Singer está sinalizando para o fato de que a organização interna dos empreendimentos deste novo setor (a Economia Solidária) deveria ser diferente da organização na empresa capitalista. Soma-se a isso o fato de que estas pequenas unidades produtivas deveriam cooperar entre si, como forma de se fortalecerem contra o grande capital.

Além de prever a criação de pequenas empresas, formadas por trabalhadores, a proposta de Singer previa ainda, uma estratégia baseada no consumo, que deveria ser fomentado pelos próprios trabalhadores/cooperados: “O compromisso básico dos cooperados será o de dar preferência aos produtos da própria cooperativa, no gasto da receita obtida na venda de seus produtos a outros cooperados” (SINGER, 1996).

A fim de garantir o consumo pelos trabalhadores/cooperados, o autor propôs a criação de uma moeda própria, conforme é especificado no trecho a seguir: “Para garantir este compromisso, as transações entre cooperados deveriam ser feitas com uma moeda própria, diferente da moeda geral do país, digamos um sol (de solidariedade) em vez do real” (SINGER, 1996). Tal moeda só teria validade na aquisição e pagamento dos produtos deste “novo setor”, isto é, entre as unidades produtivas que surgissem desta nova realidade. A nova moeda tinha um papel importante, pois seria responsável por proteger aquele mercado nascente, formado pelas pequenas empresas, garantido, assim, sua viabilidade e, portanto, daquele novo setor.

No que se refere ao fato de a proposta prever a cooperação entre estas pequenas unidades produtivas, fica evidenciado, em primeiro lugar que é neste momento que aparece, pela primeira vez na proposta de Singer, o princípio da cooperação, um dos pilares da Economia

Solidária. A ideia presente nesta concepção é de que as pequenas unidades produtivas eram frágeis, perante o grande capital, com que iriam competir, no mercado. Uma vez que esta competição era inevitável, estas pequenas empresas deveriam agir coletivamente, de forma cooperativa, a fim de se protegerem da ação predatória da competição das grandes empresas. Neste sentido, a cooperação tinha a clara intenção de melhorar a competitividade destas empresas – e não de romper com ela, como é defendido por grande parte dos pensadores da Economia Solidária no Brasil. Singer justifica sua ideia, mencionando que o isolamento das pequenas empresas (bem como dos trabalhadores autônomos) era responsável por sua debilidade:

O pequeno só o é porque está sozinho. Quando muitos pequenos se unem, formam um gigante. Estas verdades são, há muito conhecidas, mas elas só são aplicadas consequentemente pelas firmas capitalistas, mediante a centralização do capital, ou seja, pela contínua absorção de firmas menores por maiores (SINGER, 1996).

Este novo setor se basearia na “criação de novas formas de organização da produção com lógica incluidora”. Tratava-se de uma alternativa de inclusão produtiva na linha do cooperativismo (apenas mais tarde o autor usaria o termo Economia Solidária), conferindo aos trabalhadores deste setor, chances de realizar seu trabalho com autonomia com relação aos grandes capitais, que eram excludentes. Estes trabalhadores, ao formarem seus empreendimentos e, uma vez estando protegidos da concorrência com os grandes capitais, poderiam ter chances reais de sobreviver e criar condições para os problemas sociais gerados pelos grandes capitais.

Em suma, Singer preconizava a criação de um mercado próprio para a Economia Solidária