• Nenhum resultado encontrado

A ameaça do ensino especializado como instrumento de coação

5. REPRESENTAÇÕES E LETRAMENTOS DOS/DAS ESTUDANTES COM

5.1. Reoresentações da educação inclusiva

5.1.1. Relações sociais do ambiente escolar – estudantes com deficiência intelectual e colegas de

5.1.4.1. A ameaça do ensino especializado como instrumento de coação

Rosa (41) [...] TODO SANTO DIA a Regina (diretora do Centro de Ensino Fundamental) me chamava: “Rosa, por favor, você venha à escola ou eu não sei/ a MARGARIDA NÃO VAI FICAR NA MINHA ESCOLA, não tenho apoio pra Margarida na minha escola. AQUI ELA NÃO ESTUDA!” Pesquisadora (42): E como era isso? Rosa(43): “Regina, minha filha vai estudar, e ela vai estudar AQUI, aqui que é a melhor escola pra ela, é perto da minha casa, eu já conheço, entendeu? As outras escola tem muita droga, muita desorganização, ela vai continuar aqui” e ela dizia “Rosa, se a Margarida continuar assim, eu gosto muito de você, mas se ela não fica na minha escola”. Eu falei, “Regina, -eu vou pra Justiça- porque ela já aprendeu a ler e a escrever, ela já foi lecionada, se ela não fosse lecionada eu sei dos meus direitos, ela poderia ir para o Centro de Ensino Especial.

Pesquisadora (44): E ela queria transferir a Margarida para lá?Rosa (45): QUERIA!!! ELA ME AMEAÇAVA nessa época já de adolescente, ela me ameaçava direto de fazer relatório e mandar a Margarida pro CEE. Falei: “Ela não vai! Ela não vai para o CEE, Regina, olha eu tô aqui como mãe” Aí ela falava umas palavras bem boas pra mim, bem bonitas, ela num era/tendeu “Eu entendo, Rosa, entendo a sua luta, mas eu não tenho apoio na escola!”.Passou um tempo a Margarida arrumou uma confusão com as meninas da quadra de baixo, eu não sei como ela arrumou essa confusão elas falou que ia esfaquear a Margarida todinha na saída, na porta da escola. Lá vai eu, sair daqui de casa, vupt, na porta da escola, ficar esperando a Margarida, as menina num fizeram nada. Foi quando esse meu cunhado, passamos dois meses, levando e buscando, indo na escola, porque essas meninas dizem que elas era bandida, que elas aprontavam e iam esfaquear a Margarida todinha. Sem contar as outras criaturas da escola tudinho que não gostavam dela, porque disse que ela ficava olhando assim, aquele jeito, porque se a Margarida vê uma coisa interessante numa pessoa ela fica assim (expressão de olhar fixo) e tem um tal de alisar as pessoas, tem gente que não gosta. “Margarida, para, não fica abraçando as pessoa na escola, tem gente que não gosta, abraça aqui em casa, as pessoas não gostam” e ela “ah, mas é tão pequena, é tão bonitinha, tão ah/mas ela é bonitinha”, essas coisas, né? Ela é terrível, e os meninos não gostava ela queria ficar grudada nas menina e as menina não queriam andar com ela/tinham muita vergonha dela. Os menino colocava muito apelido nela, os menino xingava ela, entendeu? Ela sofria demais, coitada, feia demais, falavam que ela era feia demais, porque ela não ligava pra vaidade, ela, igual eu te falo, ela ia toda montada pra escola, chegava lá tirava o sapato. Lá no CEF, a mesma coisa, andava descalça pela escola, toda rasgada de sangue, que ela futucava a pela toda, ela tinha ansiedade muito grande. Era DIFICIL, essa aí foi a luta, era difícil, minha filha. Lá eu não pude ficar em sala de aula ajudando ela. Lá, a Regina não deixou, disse que ia tumultuar a classe dela, DE JEITO NENHUM. Mas, assim, lá era ela, então no CEF a Margarida penou muito, SOFREU, mas venceu e foi pro Ensino Médio. [...]

Os relatos de Rosa fazem referência ao tempo de, pelo menos três anos atrás. A representação da diretora Regina, na voz da mãe, entretanto, não deve ser considerada como uma exceção. Em 2019, ao realizar as entrevistas com os/as docentes, percebi na fala do professor Alisson (80) a referência ao discurso da institucionalização como proposta para a educação de pessoas com deficiência. O professor declara na entrevista que a estudante Violeta (pessoa com deficiência intelectual e física) deveria estudar no CEE. A triangulação das perspectivas de Rosa, pela representação que faz da diretora Regina, e do docente Alisson, indica que o padrão da normalidade pauta a discussão sobre a deficiência. A escola, portanto, não é excludente apenas para os estudantes com deficiência. A escola exclui todos que não se encaixam no “padrão” de aluno(a) ideal, apesar de que o(a) estudante ideal talvez seja resultado de uma miragem docente.

A educação bancária, criticada por Paulo Freire (2019) atribui ao(à) estudante a culpa pela não adequação ao ambiente escolar e, não, ao sistema homogeneizador e violador das diferenças. O modelo industrial de educação, com grande número de estudantes por turma e que nega a subjetividade do(a) estudante, inculca nos professores a opressão da normalidade, de modo que o(a) estudante que apresenta qualquer desvio do padrão estabelecido é considerado deficiente e, portanto, deve ser educado em uma instituição específica. Arroyo (2013, p.65) explica que: “o discurso em moda da qualidade na escola e na universidade é sacrificial: sacrifiquemos os incompetentes, os indisciplinados, os que nada querem, sejam alunos ou mestres e teremos a qualidade internacional de nosso sistema escolar público.”

O que diz Arroyo (2013, p.65) pode ser associado às pessoas com deficiência, se o paradigma de interpretação for o modelo clínico – médico. A exemplo disso, Iolanda (mãe de Violeta) relatou em sua entrevista que sua filha foi transferida para CEE quando sofreu um acidente vascular cerebral (AVC). A mãe relata que seu sonho era de que sua filha continuasse na mesma escola em que estudava antes do ocorrido.

Iolanda: Ai, foi quando ela entrou no Jardim, eu lutei, eu lutei, eu levava ela de cadeira de rodas, no braço, e a primeira escola não aceitava mais ela porque era tudo era de/tempo assim era degrau pra ela subir e ela não aprendia mais porque ela deu AVC, ela ainda tava meia/aí eu, mas eu ia, sabe aquela mãe que ia esperançada demais e que ia com ela naquele colégio, nossa senhora, foi o momento que eu mais sofri foi naquele momento, porquê eu queria ela lá nas Bromélias (colégio particular que tem convênio com a Secretaria de Estado e Educação do Distrito Federal- SEDF), eu queria que ela participasse de tudo e depois eles: “NÃO, vamos botar ela no especial 1 (CEE) pra ver no que vai dar”. Aí botamo no especial 1, foi indo, eles foro vendo que realmente ela tinha de voltar para escola normal, entendeu? Mas o que eu mais lutei foi essa época.

Iolanda (mãe de Violeta) explica a experiência de Violeta no CEE, quando ela tinha cinco anos de idade. As barreiras arquitetônicas enfrentadas por Iolanda, não pareciam desanimá-la de continuar a “luta” para que sua filha estudasse em um colégio de referência em educação infantil da cidade. O sofrimento da mãe com a transferência da filha para o CEE está relacionado ao estigma da segregação, da institucionalização das pessoas com deficiência. A escolha do léxico “normal” para representar a escola inclusiva pressupõe que o CEE é destinado aos “anormais”. Assim como “eu queria que ela participasse de tudo” aponta a preocupação da mãe de que a filha fique isolada das atividades sociais. No momento da entrevista pude sentir a emoção nesse relato, principalmente quando ela disse “e ela não aprendia mais porque ela deu AVC”. Esse trecho da fala de Iolanda dialoga com o relato que ela fez sobre o discurso médico para se referir à Violeta. Iolanda ainda indica, pelo uso do intensificador “mais”, que esse foi o momento de sua vida no qual ela mais lutou.