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3. CAMINHO METODOLÓGICO DA PESQUISA

3.5. Técnicas de pesquisa: percurso e apontamentos

3.5.3. Notas de Campo no aplicativo WhatsApp

O processo interpretativo da pesquisa etnográfica envolve a utilização de informações obtidas ao longo do trabalho de campo. As notas de campo são a maneira de o pesquisador descrever observações que serão úteis para a análise da situação pesquisada. Para que a situação de escrita não cause constrangimento, o ideal é que as anotações sejam feitas em momento posterior à observação do campo. Entretanto, como descrevo no quadro 10, é possível realizar as anotações sem que isso cause constrangimento. Utilizo vinhetas para análise das observações de campo.

Quadro 10 - Vinheta sobre anotações de campo no ambiente WhatsApp

No primeiro dia de observação de aula, levei o meu caderno com o propósito de realizar algumas anotações que fossem pertinentes, e, até mesmo, para tornar minha presença mais natural quanto possível em sala de aula. Entretanto, percebia os olhares de alguns estudantes para o caderno, com ar de curiosidade sobre o que iria fazer e, além disso, ao começar minhas anotações, me deparei com a apresentação de seminário pelos/pelas estudantes. Para facilitar a exibição dos slides, as luzes foram apagadas e a solução que encontrei para registrar as informações foi enviar mensagens a mim mesma no ambiente virtual WhatsApp.

Ao realizar minhas anotações, percebi que o uso do celular conferia algumas vantagens em relação às informações: segurança dos dados, uma vez que as mensagens poderiam ser enviada por e-mail ao final de cada observação; privacidade, dada a particularidade do uso do celular; sequência textual e visual, já que eu poderia fotografar silenciosamente alguns momentos da observação, não para utilizar as fotos do campo, mas para posteriormente ativar minha memória para cada evento

observado; e, por fim, naturalidade, pois as pessoas estão muito familiarizadas com o uso de celulares. Desse modo, consegui anotar em tempo real o que observava.

Ainda que a naturalidade do uso do celular seja um aspecto facilitador do trabalho de anotação, preferi utilizar essa técnica apenas em momentos específicos nos quais os estudantes estavam concentrados nas tarefas diárias da escola. Assim, não despertava estranheza ao utilizar o celular em aula. Especialmente no momento da cópia de conteúdos, momento muito repetitivo durante as aulas, o uso do celular é permitido para os estudantes. Desse modo, aproveitei o mesmo momento para realizar minhas anotações. O uso do celular em outros ambientes como nos corredores (durante o intervalo das aulas), nas coordenações coletivas e durante as observações dos atendimentos da sala de recursos, foi ainda mais proveitoso do ponto de vista de diminuir a estranheza da minha presença.

Os relatos de observação foram feitos por vinhetas (CREESE; TAKHI; BLACKLEDGE, 2017) as quais incluem na experiência relatada os sentimentos da pesquisadora no campo de pesquisa. Em alguns momentos, as vinhetas eram a maneira mais adequada para que eu entendesse os meus próprios sentimentos em relação às observações. A breve descrição das situação observada e dos sentimentos ativados no contexto do campo de pesquisa permitiu-me reviver aqueles momentos posteriormente, quando li as anotações para proceder às análises. Acrescento ainda que a ordem das anotações, combinada com algumas fotos que registrei do campo de pesquisa, permitiram-me uma sequência cronológica de registro, que favoreceu minha memória de pesquisadora no momento da análise. O quadro 11 foi construído com base em uma vinheta escrita no momento da observação participante.

Quadro 11 - Vinheta escrita no ambiente WhatsApp. [07:38, 26/03/2019] Mayssara: - Aula de Arte-

Os estudantes me receberam muito bem na entrada em sala de aula. Foi uma sensação muito boa; sinto que estou, a cada dia, mais integrada ao grupo dos/das estudantes.

[07:42, 26/03/2019]: A professora inicia a aula e cobra dos/das estudantes que acessem o drive e realizem as atividades que foram disponibilizadas no drive. Ela, inclusive, disponibiliza o link do drive: gg.gg//ArtesCem02[07:42, 26/03/2019]: Ela pede aos/às estudantes que têm internet que abram o drive e vejam as músicas que serão discutidas na próxima aula; as músicas são da Matriz do PAS (avaliação que seleciona estudantes do Ensino Médio para ingresso na Universidade de Brasília).

[07:44, 26/03/2019]: A professora coloca música para tocar, no seu notebook pessoal. A sala de aula não tem projetor; o som está com volume baixo.[07:44, 26/03/2019]: Os estudantes conversam entre si durante a execução da música.[07:44, 26/03/2019]: Nardo está presente, Violeta faltou.

[07:49, 26/03/2019]: Após a execução da música, uma estudante tenta explicar a letra. Foi interessante ver a estudante se empenhar em fazer a explanação, mesmo sem nota vinculada à apresentação dela.[07:49, 26/03/2019]: Percebo que os estudantes ficam mais atentos à apresentação dos colegas.[07:50, 26/03/2019]: A sala tem alguns desenhos na parede, feitos pelos/pelas estudantes.[07:52, 26/03/2019]: A professora reforça a importância de os alunos ouvirem as musicas antes da explicação dos colegas. E atende ao pedido dos alunos para que ouçam a música durante a aula.

[07:54, 26/03/2019]: Pergunto ao Nardo se ele conseguiu acesso ao drive e ele responde que tentou em casa e não conseguiu. Perguntei a ele se ele tem internet no celular, ele respondeu que sim. Combinamos que eu o ensinaria a acessar depois da aula.[07:58, 26/03/2019]: A professora tenta explicar para os demais estudantes sobre como acessar o drive, percebo que Nardo não entendeu e vou até a carteira dele, que está ao lado da minha para explicar.

[07:59, 26/03/2019]: Ele conseguiu acessar o drive e tirou print da tela com as informações das músicas. Nardo postou no grupo de WhatsApp da turma para que os demais alunos pudessem ter acesso ao conteúdo, já que alguns estudantes estavam com dificuldade para acessar o drive.

[07:59, 26/03/2019]: Inicialmente ele estava um pouco inseguro, mas quando percebeu que conseguiria, ficou visualmente satisfeito com a execução e me agradeceu pela ajuda.

[08:06, 26/03/2019]: Os estudantes participam bastante durante a correção dos exercícios passados para casa. Sinto-me inspirada pelo clima de aprendizagem no qual os estudantes são os protagonistas. Ao mesmo tempo, observo que Nardo está presente fisicamente, mas não psicologicamente.[08:09, 26/03/2019]: Ele abaixa sua cabeça e a encosta na carteira. Nesse movimento, sinto como se ele entrasse em uma concha pessoal, como se escondesse. A professora pergunta ao Nardo se ele se lembra do que colocou na resposta da questão, ele balança a cabeça em um movimento de negação, silenciado.

[08:10, 26/03/2019]: Quando os estudantes são os protagonistas a aula flui, é mais leve também.[08:11, 26/03/2019]: Observar o protagonismo dos/das estudantes da turma em oposição ao silenciamento do Nardo é muito representativo. Nas outras aulas, não foi possível perceber essa diferença que hoje percebi. Na maioria das aulas, os estudantes são silenciados. Assim, o silenciamento dos/das estudantes com deficiência não foi notado. Hoje, ao ver o protagonismo dos/das estudantes da turma, o silêncio de Nardo "falou alto".

Os relatos foram elaborados após as observações registradas no WhatsApp. Com base em, Creese, Blackledge e Takhi (2017), as vinhetas são uma ferramenta reflexiva para a realização de observações do campo de pesquisa e dão aos pesquisadores a oportunidade de analisarem sua relação com o contexto de pesquisa, seus preconceitos, suas afiliações culturais e suas crenças.