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3. CAMINHO METODOLÓGICO DA PESQUISA

3.5. Técnicas de pesquisa: percurso e apontamentos

3.5.1. Entrada no campo de pesquisa – Observações iniciais

3.5.1.4. A construção do projeto de pesquisa

Ao usar o método etnográfico-discursivo, entendo que meu papel de pesquisadora não é levar ao campo de pesquisa as perguntas prontas ou tentar aplicar o projeto construído em um escritório, mas, sim, construir o projeto com base nas observações sobre a comunidade participante. Nesse sentido, as observações iniciais contribuíram para a definição das questões de pesquisa e das técnicas usadas para a coleta e geração de dados.

3.5.1.4.1Delimitação do tema e das questões de pesquisa

No que diz respeito à delimitação do tema, posicionar o foco de pesquisa com base nas observações iniciais cumpre melhor o propósito da pesquisa qualitativa, nitidamente indutiva. Sabemos que delimitar devidamente o tema e escolher a pergunta de pesquisa adequada é um desafio que deve ser resolvido para além da solidão do(a) pesquisador(a). Thomas (1993) discorre a respeito da delimitação do tema e do quanto essa tarefa é complexa:

Não há fórmula mágica para resolver esse dilema preliminar de definição do tema, mas, geralmente, o melhor conselho é começar a ler a literatura relevante e refletir sobre como as ideias e conceitos obtidos a partir da leitura se relacionam com as observações iniciais de campo (THOMAS, 1993, p. 35).

O autor expressa, no trecho citado, a necessidade de combinar as leituras com as observações iniciais do campo de pesquisa para que seja possível delimitar o tema. Thomas (1993) escreve, também, que a delimitação do tema não deve ocorrer antes da coleta de dados. Entretanto, legalmente, não podemos iniciar a coleta de dados antes da aprovação do projeto de pesquisa pelo CEP/CONEP.

A pesquisadora Maria Laura Pardo (2015) explica que a pesquisa qualitativa é de natureza indutiva, ou seja, é a partir da observação de campo que as perguntas de pesquisa devem surgir. Por esse motivo, no meu ponto de vista, seria incoerente definir todo o projeto de pesquisa sem que houvesse contato com os possíveis participantes e com o campo escolhido.

Quadro 8 - Relato sobre a delimitação do tema

Meu trabalho de pesquisa é sobre a relação dos/das estudantes com deficiência intelectual com a comunidade escolar e com os/as familiares. Ao conversar informalmente com os estudantes e com os professores, percebi que a maioria desses estudantes faz uso das redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas. Essa descoberta no campo de pesquisa me ajudou a delimitar o tema.

Em uma conversa com a professora da Sala de Recursos, percebi que ela utilizava mensagens de texto para se comunicar com os estudantes dos atendimentos e, até mesmo, para orientá-los em algumas tarefas. Após essa conversa e, com base nas leituras que estava fazendo sobre a Teoria Social do Letramento, entendi que eu deveria investigar como essas relações propiciavam eventos de letramento.

Um fato que foi decisivo para a escolha temática foi o relato de uma docente sobre o caso de um estudante que estava trocando mensagens de celular com a namorada durante a aula. O interessante, nesse caso, foi que os professores avaliavam que o estudante não tinha boa desenvoltura de leitura e escrita, ainda assim, estava a trocar mensagens de texto com a namorada. Dessa maneira, a cada visita ao campo de pesquisa, o foco sobre o tema foi sendo ajustado.

Cada vez que visitamos o campo, precisamos desenvolver mecanismos para aprimorar nossa observação; isso implica dizer que, a cada nova visita ao campo de pesquisa,

aprendemos algo novo. Não devemos esperar que as observações sejam meras fórmulas para responder às questões propostas. As questões devem surgir das observações e ter relação intrínseca com a comunidade investigada.

As questões de pesquisa, portanto, foram surgindo no campo de pesquisa durante as conversas informais e as observações iniciais. Ao notar a influência do acompanhamento das famílias no desempenho escolar dos/das estudantes, surgiu minha questão de pesquisa: (1) de que forma a trajetória das famílias e as relações sociais do contexto escolar influenciam as práticas de letramento dos/das estudantes com deficiência intelectual?

As demais questões, também, foram produtos da observação do campo de pesquisa: (2) Como se dá a representação da educação inclusiva por estudantes, familiares e docentes?

(3) Como se dá a representação da Deficiência Intelectual por estudantes, familiares e docentes?

(4) Como o uso de aplicativos de comunicação, como WhatsApp pode contribuir para novos letramentos e para o estreitamento das relações (familiar e educacional) dos/das estudantes com deficiência intelectual?

Na pesquisa quantitativa, o(a) pesquisador(a) vai ao campo com hipóteses formuladas. Ao contrário disso, na pesquisa qualitativa, o(a) pesquisador(a) é orientado(a) pelas condições que encontra na comunidade participante. Quando se vai ao campo com questões já formuladas, o(a) pesquisador(a) pode sentir-se obrigado(a) a prestar pouca ou nenhuma atenção a eventos ou declarações que estejam fora do escopo do projeto (JOHNSON; JOHNSON, 2006).

3.5.1.4.2. Escolha das técnicas para coleta de dados

Após as observações iniciais de pesquisa, pude escolher melhor as técnicas para geração ou coleta de dados. Uma técnica que chamou minha atenção foi o uso de vinhetas: a experiência de Creese, Takhi, e Blackledge (2017) foi relevante para entender a importância de mencionar nas notas de campo os sentimentos que tinha ao observar a comunidade participante da pesquisa.

Inicialmente, eu havia pensado em realizar apenas observações dos atendimentos na Sala de Recursos; entretanto, ao conversar com os estudantes, percebi a necessidade de observar o ambiente da sala de aula.

Após aprovação do projeto pelo CEP/CONEP, iniciei a observação participante; nesse momento, compreendi que os dados referentes às notas de campo das observações em sala foram muito relevantes para a triangulação. Desse modo, os ajustes feitos com a participação dos/das estudantes contribuíram para o desenvolvimento da pesquisa.

3.5.1.4.3. Escolha dos/das participantes da pesquisa

O Centro de Ensino Médio Girassol tinha, inicialmente, trinta potenciais famílias participantes. Após as observações iniciais, percebi o interesse de nove familiares e nove estudantes com deficiência intelectual em participar da pesquisa. Isso só foi possível em razão da minha participação nas reuniões de pais e das conversas informais que tive com os/as estudantes nos atendimentos da sala de recursos.

Descobrir, ainda na construção do projeto, quais estudantes estavam interessados em participar da pesquisa foi essencial em relação às observações participantes. Ao saber quais eram os estudantes interessados, ao retornar ao campo, após a aprovação do CEP/CONEP, concentrei minhas observações nas turmas específicas dos/das estudantes. Assim, uma vez que o propósito da etnografia é conhecer, de modo profundo, a realidade social de um determinado grupo, avalio que concentrar maior tempo com os/as participantes da pesquisa foi um ganho.