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A metodologia etnográfico-discursiva (MAGALHÃES; MARTINS; RESENDE, 2017) foi uma escolha importante para o desenvolvimento deste estudo. O contato com a comunidade pesquisada, nos últimos dois anos, foi essencial para formulação das questões de pesquisa, mas, antes mesmo de proceder à discussão dos resultados do ponto de vista da linguística e da educação inclusiva, ressalto o impacto da etnografia-discursiva para minha identidade docente e, também, familiar (de irmã).

Fazer pesquisa não pode ser apenas uma maneira de melhorar o currículo profissional (SPIVAC, 2010) e de conseguir pontos no Currículo Lattes. Para mim, pesquisar significou responder, em primeiro lugar a, minhas perguntas internas, minhas inquietações sobre a educação inclusiva e sobre os obstáculos enfrentados pelas pessoas com deficiência intelectual. Assim, conviver com outras famílias representou aprendizado, também, sobre a minha relação com meus irmãos. Ressalto que, com o auxílio da Análise de Discurso Crítica, pude refletir sobre como minha relação com meus irmãos, pessoas com deficiência intelectual, e com os estudantes pode ser mais igualitária. Ao mesmo tempo, pesquisar esse tema também significou dor, causada tanto pela reflexividade (ETHERIGTON, 2004; RICHARDSON, 2018) de rever minha postura diante da sociedade, quanto de enxergar os pormenores da hegemonia da identidade normal (SILVA, 2000).

Não poderia deixar de dizer que meu lugar de pesquisadora, no que diz respeito a esse tema, é atravessado por autoreflexividade. Segundo Richardson (2018), a autoreflexividade traz à consciência algumas das complexas agendas políticas que compõem a nossa escrita. Por esse motivo, com base na etnografia crítica (KINCHELOE; MCLAREN, 2006; THOMAS, 1993; CAMERON et al, 1992) e na ADC (FAIRCLOUGH, 2003; CHOULIARAKI; FALIRCLOUGH, 1999), compreendo que a validade do estudo não deve ser questionada em razão da explícita posição da(o) pesquisadora(o). Pelo contrário, compreendo que todas as pesquisas trazem agendas políticas implícitas: o que nós, pesquisadores críticos, fazemos é revelar nossas motivações; portanto, isso deve ser considerado um ganho para a pesquisa.

O entendimento que o discurso é uma dimensão da prática social e que a relação entre discurso e práticas sociais é dialética (FAIRCLOUGH, 2003) representa, para mim, esperança sobre os efeitos que as pesquisas em ADC têm sobre as práticas sociais. Assim, a motivação de escolher a ADC como teoria e método está diretamente relacionada ao anseio de mudança social. Ao realizar as entrevistas e as observações participantes, o objetivo principal desta pesquisa foi discutir de que forma a trajetória das famílias e as relações sociais do contexto

escolar influenciam as práticas de letramento das pessoas com deficiência intelectual. As categorias, analisadas no capítulo 5, mostraram a importância das relações, tanto do ambiente escolar quanto familiar, para os letramentos dos/das estudantes com deficiência intelectual.

As relações sociais do ambiente escolar (entre estudantes com deficiência intelectual e docentes, entre estudantes com deficiência intelectual e colegas de turma), representadas discursivamente pelos/pelas estudantes, são divididas em conflitantes, boas e ausentes. A ênfase dos/das estudantes, ao representarem as relações sociais do ambiente escolar foi nas relações conflitantes e no quanto essas relações os impedem de realizar atividades escolares. Ao passo que as relações escolares foram representadas, majoritariamente, como conflitantes, as relações sociais familiares dos/das estudantes são representadas com avaliações positivas, especialmente no que diz respeito às mães dos/das estudantes.

Considero que um dos aspectos mais relevantes desta pesquisa é a discussão sobre como as representações ideológicas (deficiência intelectual como loucura, sinônimo de não aprendizagem, problema e preguiça) podem limitar os eventos de letramentos do ambiente escolar. Situada na linguística, especialmente nos estudos de ADC e nos estudos do letramento, esta pesquisa discutiu a importância de nomear a violência simbólica (BOURDIEU, 1989) sofrida pelas pessoas com deficiência. O ponto inicial foi a identificação do problema social na representação discursiva da deficiência intelectual e da educação inclusiva, objetivos específicos de pesquisa. Assim, no capítulo 5, abordo como o capacitismo (ALVES, 2019), um problema social, é discursivamente representado pelos/pelas estudantes, docentes e familiares e qual influência dele para os letramentos dos/das estudantes com deficiência intelectual.

Outro aspecto discutido na pesquisa foi como o uso de aplicativos de comunicação, como WhatsApp, contribui para novos letramentos dos/das estudantes com deficiência intelectual e para o estreitamento de relações (familiar e educacional) dos/das estudantes com deficiência intelectual. No capítulo 5, analiso a trajetória das famílias dos/das estudantes e os letramentos digitais no ambiente WhatsApp. Entre as contribuições desta análise, destaco o uso do Status do WhatsApp como recurso de expressão e protagonismo dos/das estudantes.

A compreensão discursiva dos problemas sociais é importante para questionar as relações de dominação que sutilmente são ocultadas nos discursos. Assim como Fairclough (2003) e Bourdieu (1989) entendo que a mudança discursiva é essencial para que a mudança social ocorra. Por isso, tenho esperança de que as análises apresentadas no capítulo 5 sejam partes da mudança social no que diz respeito às pessoas com deficiência intelectual, pois,

como Afirma Bourdieu (1989, p.71.) “mudar as palavras e, em termos gerais, as representações, já é mudar as coisas”.

Por fim, com base na análise dos dados desta pesquisa, ressalto os temas que podem organizar agendas futuras relacionadas às pessoas com deficiência intelectual:

1) Pesquisas relacionadas ao gênero social: responsabilidade e solidão das mães de crianças com deficiência intelectual no processo de educação dos filhos;

2) Pesquisas relacionadas à classe social: estudos comparativos entre famílias de classes diferentes no que diz respeito à educação das pessoas com deficiência intelectual;

3) Pesquisas sobre a educação inclusiva:

- adequações curriculares para estudantes com deficiência intelectual; - produção de material didático para estudantes e professores;

- reflexão sobre a estrutura escolar e as identidades docentes;

- relação entre cultura de auditoria (MAGALHÃES, 2019) e adoecimento de docentes; 4) Pesquisas sobre letramentos digitais:

- Análise de publicações de estudantes com a teoria da multimodalidade.

- Importância das imagens para os letramentos dos/das estudantes com deficiência intelectual;

- planejamento de atividades adequadas para os estudantes com deficiência intelectual com base no uso de aplicativos.

5) Pesquisas sobre Discurso:

-relação entre o discurso médico para a construção da identidade da pessoa com deficiência intelectual;

Ainda sobre a organização de agenda para futuras pesquisas, entendo que é necessário utilizar metodologias reflexivas, que possam proporcionar o diálogo entre saberes acadêmicos e os saberes dos/das participantes da pesquisa, principalmente as pessoas com deficiência. Como estratégia de enfrentamento das relações de dominação, além de utilizar as análises discursivas para desnudá-las e propor mudanças, é preciso dar espaço de escuta das vozes das pessoas com deficiência intelectual, pois elas são constantemente silenciadas na sociedade brasileira. Assim como a luta das pessoas com deficiência foi capaz de projetar normativas tão relevantes para nosso País, é preciso estimular e destacar o protagonismo das pessoas com deficiência intelectual para combater a hegemonia da identidade normalizadora.

Por fim, quero deixar muito claro que considero a educação inclusiva essencial para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e humanitária. Acredito que o acesso dos/das estudantes com deficiência ao ensino regular não é um ganho apenas para eles, é, sobretudo,

um ganho para a comunidade escolar. A diversidade de estudantes que transitam nas escolas públicas é uma riqueza que deve ser preservada e o Estado deve avançar no que diz respeito à elaboração de políticas públicas que diminuam os obstáculos enfrentados pelos/pelas estudantes durante a formação escolar.