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Deficiência intelectual como problema/ sinônimo de não aprendizagem

5. REPRESENTAÇÕES E LETRAMENTOS DOS/DAS ESTUDANTES COM

5.2. Representações da Deficiência Intelectual

5.2.2. Deficiência intelectual como problema/ sinônimo de não aprendizagem

Compreendo que a construção da representação da deficiência intelectual como sinônimo de não aprendizagem/problema tem influência do discurso médico e da maneira como a deficiência intelectual é conceituada (em relação ao funcionamento do intelecto). Na entrevista de Rosa, é possível notar a representação médica a respeito da deficiência intelectual:

Foi quando a Neura, Rosa, nunca esqueço, meu mesmo nome o nome dela, ela falou nem assim, “A sua filha”, na frente da Margarida, foi onde a Margarida tomou um trauma de coisa com deficiência, ela já tinha uns nove ano, “A sua filha é DEFICIENTE MENTAL… Ela tem uma deficiência mental leve ag/num sei o que com/ intelectual. A sua filha, ela tem, a mente MAIS NOVA entendeu, ela é um pouquinho imatura, entendeu? É como ela tem nove anos hoje”, na época ela falou, “Ela tem NOVE ANOS aqui nos documentos dela, mais é como ela tivesse AGORA uns seis anos, cinco anos, entendeu? Então a senhora tem que ter muito cuidado pras pessoas não fazer maldade com ela, e, provavelmente, ela NÃO VAI APRENDER, ela não vai ser lecionada, é muito raro, muito difícil a sua filha aprender a ler ou a escrever” e a Margarida não sabia ler nem escrever, ela desenhava as letra do quadro, entendeu?(Rosa)

O discurso médico, baseado no modelo clínico de interpretação da deficiência, inculca representações nocivas ao processo de ensino-aprendizagem dos/das estudantes com

deficiência intelectual. Desse modo, considero que discurso médico funciona como estratégia ideológica de construção da representação da deficiência intelectual de modo a legitimar as relações de poder e a negar a subjetividade das pessoas com deficiência. Portanto, a interpretação da deficiência baseada na falta/limitação é problemática no que diz respeito ao ambiente escolar; um exemplo disso é a trajetória da estudante Margarida:

É, do/escola classe falou que se ela não lecionasse, não conseguisse lecionar, ela teria que ir pro/eles ia fazer relatório e ela ia estudar no Centro de Ensino Epecializado, que era um apoio ao deficiente que era por/UAI pelos LAUDO dela ela NÃO APRENDIA né? (Rosa)

O relato de Rosa e as observações das coordenações coletivas dos/das professores(as) no Centro de Ensino Médio Girassol. Marcam a influência do modelo médico de interpretação da deficiência sobre as representações da deficiência intelectual. Em alguns momentos, foi possível presenciar situações nas quais os professores solicitavam o laudo médico para a professora da Sala de Recursos para que realizassem as adequações curriculares com base no documento. É importante problematizar o relato de Rosa, “Pelos LAUDO dela NÃO APRENDIA”, sobre como o parecer médico indica como as representações médicas da deficiência intelectual constituem “verdadeiras barreiras atitudinais no ambiente escolar” (CARVALHO, 2000, p.26).

Chimamanda Adichie (2009) fala sobre como contar uma única história sobre um povo pode constituir “perigo” para a identidade das pessoas. Além de influenciar a identidade dos/das estudantes, a representação (de médicos, docentes e familiares) sobre a deficiência intelectual como sinônimo de não aprendizagem influencia diretamente a construção das adequações curriculares. É preciso, portanto, discutir essa representação para que as pessoas com deficiência intelectual tenham acesso às adequações curriculares e a melhores políticas de ensino. Luma, professora de matemática, relata:

Eee, infelizmente, na época, éé que eu fiz essa apostila, a própria sala de recurso falou: “ele não vai dar conta… ele tá aqui, mas você tem que fazer adição e subtração, só”, entendeu? Eu falei: “não, ele não é burro. Ele consegue”. (Luma)

Durante as observações, constantemente, ouvi declarações a respeito de “até onde cada estudante poderia ir”. Essa representação, baseada no modelo médico de interpretação da deficiência, restringe o ensino dos/das estudantes, como se fosse possível mensurar o nível de aprendizagem de cada pessoa. Ao analisar a representação dos atores sociais na fala de Luma, percebemos a personalização por meio da espacialização, que é a “representação dos atores sociais pelo local no qual estão” (van LEEVEN, 1997, p.209), em “a própria sala de recurso falou”. Entendo que esse recurso foi utilizado para conferir maior destaque, dada a

legitimidade dos profissionais da Sala de Recursos em razão de sua formação, ao que a professora ouviu: “ele não vai dar conta”. A construção do relato destaca a agenciação da professora Luma em discordar do que ouviu sobre o estudante: “Eu falei ‘não, ele não é burro”.

Destaco, ainda, que o estigma da representação da deficiência como sinônimo de não aprendizado pode ser analisado na fala de Dália, quadro 23 em que a estudante relata as circunstâncias nas quais não se considera uma pessoa com deficiência: “quando dou conta de fazer as coisas, tipooo/ eu gabaritar a prova ou tirar notas boas”, em oposição às circunstâncias nas quais a estudante se considera uma pessoa com deficiência “Sim, na hora que eu sinto dificuldade, tipo em algumas matéria em estudo”. Entretanto, o que é evidente no relato da estudante é a representação da deficiência intelectual como sinônimo de não aprendizagem, assim como nas falas de Amarílis, Jasmim, Margarida e Nardo. Percebemos que a escolha das palavras para representar a deficiência, “dificuldade” e “nota baixa” contrasta com a escolha de palavras para representar a deficiência “tirar notas boas”, “gabaritar prova”, “dou conta”. Diante das representações dos/das estudantes sobre o que é a deficiência intelectual, quadro 23, entendo que a negação dos/das estudantes em se considerarem pessoas com deficiência constitui um ato de resistência diante dos estereótipos que lhes são imputados, que é semelhante aos atos de leitura e escrita discutidos por Magalhães (2013).