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4. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

4.1. Análise de Discurso Crítica

4.1.6. Discurso como identificação

O significado identificacional tem relação direta com os aspectos que constituem as identidades no campo discursivo, estilos (FAIRCLOUGH, 2003). Dessa forma, os textos são partes do processo de construção das identidades sociais nos eventos dos quais os atores sociais participam. O autor explica que uma característica da identificação é como as pessoas se comprometem com o que escrevem ou dizem (verdade/obrigação), a modalidade. Outro aspecto do significado identificacional do discurso é a avaliação e os valores com os quais as pessoas estão comprometidas. Fairclough (2003, p. 164) menciona “o que as pessoas se comprometem nos textos é parte importante de como elas se identificam”. Além das categorias de avaliação e modalidade, nesta subseção abordarei a categoria metáfora. Fairclough (2016, p. 250) explica que as metáforas “estruturam o modo como pensamos o modo como agimos, e nossos sistemas de crença, de uma forma penetrante e fundamental”, por esse motivo, proponho o estudo da metáfora nesta subseção.

Apoiado nos estudos de Halliday (1994), Fairclough (2003) explica que a categoria modalidade está relacionada ao nível de comprometimento do falante quanto às probabilidades ou obrigações sobre o ele(a) diz. O que associa a modalidade à identidade, para Fairclough, é que nos comprometermos (quando fazemos perguntas, afirmações, demandas ou ofertas) faz parte, também, de quem somos, do compromisso que temos com “a verdade” sobre o que dizemos. A modalidade pode ser epistêmica:

Figura 11 - Modalidade epistêmica

No exemplo da figura 11, é possível notar que a segunda declaração perde força no que diz respeito ao compromisso com a verdade. O elemento linguístico que marca a modalização é o verbo auxiliar modal “pode”, que indica possibilidade. Além da modalidade epistêmica, Fairclough (2003) explica também, a modalidade deôntica. Nesse caso, as declarações estão associadas a demandas (compromisso do autor com a obrigação/necessidade) e a ofertas (compromisso do autor em agir).

Figura 12 - Modalidade deôntica

Fonte: elaborado pela autora, com base em Fairclough (2003)

A figura 12 ilustra a modalidade deôntica; no primeiro caso, “Você deve fazer as adequações curriculares”, o uso do verbo auxiliar modal “deve” denota maior obrigação/necessidade de ação do que “Faça as adequações curriculares”. Note que aconteceria o inverso se substituíssemos o verbo por ‘pode’. No segundo caso, “Preciso fazer as adequações curriculares”, o uso do verbo auxiliar modal “preciso” indica menor compromisso do autor de agir do que na frase “Farei as adequações curriculares”.

Apesar da característica identificacional em relação ao uso da modalidade, Fairclough (2016) explica que a ela é “um ponto de interseção no discurso, entre a significação da realidade e a representação das realidades sociais”, o que retoma a relação dialética entre os significados do discurso. O autor considera que a modalidade “é uma importante dimensão do discurso, e mais central e difundida do que tradicionalmente se tem considerado. Uma medida da sua importância social é a extensão com que a modalidade das proposições é contestada e aberta à luta e à transformação” (FAICLOUGH, 2016, p.209).

Quanto à avaliação, do ponto de vista lingüístico, Fairclough (2003, p.194) menciona que a avaliação diz respeito “aos valores (em termos do que é desejável ou indesejável) com os quais os autores se comprometem” e à maneira como esses valores são realizados. O autor explica que a avaliação pode ser constituída por “declarações avaliativas, declarações com modalidades deônticas, declarações com processos mentais afetivos ou valores assumidos”.

Silva (2000, p.74-75) explica que a identidade é construída socialmente em relação direta com a diferença. De modo muito resumido, podemos considerar que o que somos é também estabelecido pelo que não somos. Na perspectiva do autor, então, “a identidade é a

referência, é o ponto original relativamente ao qual se define a diferença”. Nesse sentido, há uma tendência em usar o que somos como referência para representarmos ou avaliarmos aquilo que não somos. Vian Jr (2009) explica o sistema de avaliatividade, no que diz respeito à interação entre os aspectos linguísticos e sociais:

A avaliatividade, dessa forma, está relacionada ao sistema e cada uma das escolhas avaliativas feitas pelo usuário, permeadas por outros discursos, por suas crenças, seus julgamentos, suas experiências de mundo, afeto e diversos outros elementos contextuais e individuais serão instanciadas e realizadas no texto léxico-gramaticalmente. Isso significa que uma avaliação pode não ser assumida como tal, dependendo da relação entre os usuários, das diferenças culturais e sociais, pois um item lexical pode assumir um significado avaliativo em um contexto e não em outro. (VIAN JR, 2009, p.126)

Vian Jr (2009) discute a necessidade de analisar o texto em conjunto com os aspectos sociais. Desse modo, a análise linguístico-discursiva não pode ser feita de modo isolado. Não deixo de enfatizar o caráter dialético, dos significados do discurso (acional, representacional, identificacional).

O aspecto dialético pode ser observado, também, na metáfora. Lakoff e Johnson (2002) dizem que as metáforas fazem parte da vida cotidiana e do nosso sistema conceitual e que, para além da linguagem, as metáforas estruturam os processos de pensamento humano. Durante as entrevistas, percebi o uso de metáforas para representar os estudantes com deficiência intelectual (professores e mães) e como processo de identificação (estudantes). Assim, a vinculação metafórica do vocábulo preguiça aos/às estudantes com deficiência intelectual é uma recorrência no discurso dos/das estudantes com deficiência intelectual (que, nesse caso, apontam as representações atribuídas a eles), das mães (que fazem representações próprias e de familiares e docentes) e dos/das docentes (que representam diretamente as pessoas com deficiência como preguiçosas).

Fairclough (2016, p.250) explica que “um dos marcos definidores no interior das práticas discursivas é a forma como um domínio particular da experiência é metaforizado”. As análises das representações dos/das estudantes e dos/das docentes sobre a deficiência intelectual, no capítulo 5, discutem como as metáforas estão enraizadas em representações ideológicas.

Por fim, o estudo das práticas e das estruturas sociais e sua relação com os textos produzidos, competência da ADC, pode ser associado à Teoria Social do Letramento, tanto no aspecto social quanto lingüístico, assim como apresento na próxima seção.