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4. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

4.1. Análise de Discurso Crítica

4.1.5. Discurso como representação

O significado representacional do discurso diz respeito a como diferentes perspectivas de mundo são ativadas para representar um evento, um grupo ou um(a) ator(a) social. A maneira como as pessoas representam o mundo depende das relações sociais e das práticas as quais essas pessoas estão situadas. Algumas categorias são estratégicas para as análises das representações: representação dos atores sociais(1), interdiscursividade(2), significado das

palavras(3) e transitividade(4).

Van Leeuwen (1997) explica que a representação dos atores sociais(1) nos textos pode indicar posições ideológicas em relação a atores sociais específicos. O autor descreve as diversas maneiras como os atores sociais podem ser representados; de modo geral, os atores sociais são incluídos ou excluídos dos textos, como mostra a figura 10:

Figura 10 - representação dos atores sociais no discurso: rede de sistema

Fonte: Van Leeuwen (1997, p.219)

Sobre os modos de inclusão dos atores sociais, os dados desta pesquisa são relevantes: a personalização (atores sociais são representados como seres humanos, realizados através de pronomes pessoais ou possessivos, nomes próprios, ou substantivos); a impersonalização (atores sociais são representados por substantivos abstratos ou concretos sem que esses signifiquem características humanas); a genericização (atores sociais são representados por substantivos contáveis de modo a fazer referência genérica a determinado grupo de participantes); e, por fim, a especificação (atores sociais são representados como indivíduos identificáveis). Já no que diz respeito à exclusão dos atores sociais, o modo mais

recorrente foi a supressão: nesse caso, não há qualquer referência no texto que permita a recuperação dos atores sociais; pode ser realizada através do apagamento do agente da passiva e pelo uso de orações infinitivas (VAN LEEUWEN, 1997).

Fairclough (2003, p.149) explica que há muitas razões pelas quais os atores sociais são incluídos ou excluídos nos textos. Nesse sentido, ele explica que as motivações podem devidas à “redundância” ou à “irrelevância”, mas, também, pode significar uma “escolha política” socialmente significativa. Por esse motivo, os textos não devem ser analisados apenas linguisticamente. Van Leeuwen (1997, p.216) ressalta que a utilização da rede de categorias de representação dos atores sociais serve para explicitar como os atores são representados e adverte que “nas práticas discursivas reais, as escolhas não precisam ser rigidamente alternativas. As fronteiras podem ser deliberadamente tênues, com o intuito de alcançar efeitos representacionais específicos, e os atores sociais podem ser não só classificados como também funcionalizados”.

Outra categoria importante para análise do significado representacional é a interdiscursividade(2). Para Fairclough (2003), a interdiscursividade tem relação com a mescla de gêneros, discursos e estilos em um mesmo texto. Nesta pesquisa, algumas ordens do discurso são características: educacional, médica, religiosa. A análise das práticas sociais e discursivas do ambiente escolar e familiar requer atenção à interdiscursividade presente nas falas dos/das participantes.

Para representar tanto a educação inclusiva como a deficiência intelectual, os/as participantes fizeram escolhas lexicais(3) baseadas em suas redes de práticas sociais. Fairclough (2016, p.110) explica que a análise discursiva focaliza no modo como “os sentidos das palavras entram em disputa dentro de lutas mais amplas” para sugerir que “as estruturações particulares das relações entre as palavras e das relações entre o sentido de uma palavra são formas de hegemonia”.

No capítulo 5, discuto sobre como as palavras selecionadas para representar a deficiência intelectual, os estudantes com deficiência e as relações sociais do ambiente escolar corroboram para a manutenção da assimetria de poder e, consequentemente, para a exclusão dos/das estudantes com deficiência intelectual. Como observa Fairclough (2003), as palavras têm significados construídos coletivamente como resultado de processos sociais e culturais que podem ser transformados. Alguns grupos minoritários, por exemplo, apropriam-se de palavras que tinham significado pejorativo como maneira de estabelecer luta contra hegemônica e, assim, ressignificam determinadas palavras.

Assim como as palavras têm seus significados atribuídos socialmente, as representações discursivas podem construir a atribuição de identidades. Como explica Silva (2000) a representação é um meio de inculcar significados e identidades:

Representar significa, neste caso, dizer: "essa é a identidade", "a identidade é isso". É também por meio da representação que a identidade e a diferença se ligam a sistemas de poder. Quem tem o poder de representar tem o poder de definir e determinar a identidade. É por isso que a representação ocupa um lugar tão central na teorização contemporânea sobre identidade e nos movimentos sociais ligados à identidade (SILVA, 2000, p.91).

Essa característica representacional do discurso de construir identidades, com base na repetição e nas relações de poder, pode ser relevante para a mudança social. Por isso, é necessário analisar as representações discursivas em relação ao aspecto dialético do discurso. Na medida em que as relações de dominação e as representações ideológicas da identidade, por exemplo, da pessoa com deficiência intelectual, são “tornadas visíveis” na análise discursiva, a reflexão sobre as práticas sociais que sustentam as relações de dominação pode iniciar a mudança social.

A última categoria sobre a qual discorro nesta subseção é a transitividade (4). Segundo Argenta (2018), o sistema de transitividade (categoria de transitividade) foi proposto por Halliday, em 1985, e melhor desenvolvido por Halliday e Matthiessem (2004). Fairclough (2003) propõe categorias analíticas que foram inspiradas na Gramática Sistêmico Funcional (GSF). Argenta (2018), com base em Halliday e Matthiessem (2004), explica que na GSF as orações realizam as três metafunções da linguagem (textual, interpessoal, experiencial). Cada função da linguagem é devidamente associada por Fairclough (2003) aos significados do discurso, conforme quadro 18:

Quadro 18 - Função das orações nos significados do discurso Metafunção

(Halliday e Matthissem, 2004) Significado do Discurso (Fairclough, 2003) (Halliday e Matthissem, 2004) Função da Oração

Textual Acional oração como mensagem

Interpessoal Identificacional oração como modo Experiencial Representacional oração como representação

Fonte: Elaborado por mim, com base em Argenta (2018) e Fairclough (2003)

Das funções estudadas pela GSF, a mais utilizada nesta pesquisa é a “oração como representação”. Segundo Halliday e Matthiessem (2004), o sistema de transitividade é a

categoria analítica para o estudo da oração como representação. Nesta pesquisa, utilizo, especialmente, os processos (verbos), já que “os processos e os/as participantes constroem e representam os aspectos do mundo” (ARGENTA, 2018, p.55). Os principais processos analisados no capítulo 5 são: material, mental, e relacional. Desse modo, opto por apresentar cada um deles no ato de análise. Na próxima subseção, como já mencionei, por motivo didático, explico as categorias profícuas para a discussão do significado identificacional do discurso (Fairclough, 2003)