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ABORDAGENS SOBRE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PERSPECTIVA AMERICANA

2.2 ASPECTOS METODOLÓGICOS

2.2.2. A análise qualitativa apoiada no software Iramuteq

Para as análises qualitativas das informações colhidas nas entrevistas, utilizamos como ferramenta o software Iramuteq – Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires. Esse programa, segundo Camargo e Justo (2014), viabiliza diferentes tipos de análise de dados textuais, desde a lexicografia básica (cálculo de frequência de palavras) até análises multivariadas (classificação hierárquica descendente, análises de similitude). De forma mais específica, O Iramuteq torna possível os seguintes tipos de análise: i) Análises lexicográficas clássicas – por meio das quais é possível identificar e reformatar as unidades de texto, identificar a quantidade de palavras, frequência média e hapax (palavras com frequência um), pesquisar o vocabulário e redução das palavras com base em suas raízes, criar dicionário de formas reduzidas, identificar as palavras que entrarão ou não nas análises; ii) Especificidades – torna possível a associação dos elementos textuais com variáveis descritivas, possibilitando a análise da produção textual em função das variáveis de caracterização dos seus produtores; iii) Método da Classificação Hierárquica Descendente (CHD) – possibilita classificar os segmentos de texto em função dos seus respectivos vocabulários, e o conjunto deles é repartido com base na frequência das formas reduzidas. Essa análise, a partir de matrizes cruzando segmentos de textos e palavras (em repetidos testes do tipo ᵡ2), visa obter classes de segmentos de texto que, ao mesmo tempo, apresentam vocabulário semelhante entre si, e vocabulário diferente dos segmentos de texto das outras classes; iv) Análise de similitude – permite a análise de dados alternativo ou complementar às análises fatoriais clássicas, ou às classificações; v) Nuvem de palavras – é considerada a análise lexical mais simples, mas de grande riqueza gráfica, pois possibilita o agrupamento e a identificação das palavras-chave de um corpus em função da sua frequência (JUSTO; CAMARGO, 2014).

Para a efetivação da análise textual, utilizou-se o material obtido com base na transcrição das entrevistas43 realizadas na pesquisa de campo. O material obtido após a transcrição das

entrevistas deu forma ao corpus (unificado) a partir do qual se efetuou, via software, a estatística textual, resultando na estratificação de 4.852 segmentos de textos (ST), apresentando um aproveitamento de 4.098 STs, o que equivale a 84,46% de retenção, percentual considerado

43 Algumas entrevistas não foram utilizadas na análise textual, particularmente as realizadas com atores que participaram da concepção da política em âmbito nacional. Essa decisão se justifica pelo fato de o roteiro utilizado nestas entrevistas se diferenciar do roteiro base utilizada nas entrevistas com os atores territoriais, enviesando, dessa forma, o tratamento das informações.

como representativo, segundo Silva (2018), uma vez que se encontra bem acima do limite mínimo de 70%.

Com base na Classificação Hierárquica Descendente (CHD), o conteúdo das entrevistas processadas (corpus unificado) originou quatro classes, sendo a Classe 1, com 1.194 STs (29,14%); a Classe 2, com 882 STs (21,52%); a Classe 3, com 1.185 STs (28,92%); e a classe 4, com 837 STs (20,42%). Abaixo, (Figura 5), essas quatro classes são apresentadas sob a forma de um dendograma gerado pelo Iramuteq, a partir do qual se observou as relações estabelecidas entre as mesmas, permitindo inferir que as Classes 2, 3 e 4 apresentam-se mais associadas à Classe 2; e a Classe 1, por sua vez, mais relacionada à esta.

Figura 5 - Dendograma da Classificação Hierárquica Descendente.

Fonte: Software Iramuteq, dados da pesquisa (2019).

Com base no organograma apresentado abaixo (Figura 6), buscamos estabelecer uma denominação para as classes geradas, utilizando como parâmetro a “natureza dos grupos de palavras formados considerando o significado daquelas com maior frequência e a inter-relação que guardam entre si” (SILVA, 2018, p. 55), estabelecendo associações com as principais categorias adotadas pelo referencial teórico-metodológico utilizado, bem como com a terminologia empregada nos documentos que fundamentaram a PTR. Assim sendo, denominamos a classe 1 de Inclusão Produtiva, em referência às inúmeras ações de fomento ao beneficiamento e processamento de produtos primários e à comercialização definidas pelos Codeters e expressas no organograma pelas palavras “empresa”, “produto”, ’vender”, “leite” “comprar”, etc.; a Classe 2 de Mobilização e Organização Social, relacionada ao processo de mobilização, articulação e organização dos atores e de suas organizações para participarem das

ações e das instâncias instauradas pela PTR. Esse processo foi expresso pelos atores consultados de forma mais enfática por palavras do tipo “reunião”, “movimento”, “resistência”, “comunidade”, “organização”, etc.; a denominação da Classe 3 é sugerida de forma inconteste pelo próprio Iramuteq – Desenvolvimento Territorial – que retrata fortemente a abordagem que norteou a Política, enfatizada pelas palavras “desenvolvimento”, “território” “discussão”, “política pública”, “plano de desenvolvimento”, etc.; a classe 4 denominamos de Gestão Social para expressar a participação, a interação entre os atores nas ações de planejamento e gestão dos territórios, bem como as decisões atinentes à destinação dos recursos, especialmente o Proinf, concebido como o principal recurso/instrumento aportado pela Política a ser mobilizado pelos atores com a intenção de potencializar o desenvolvimento de seus territórios. Essa classe retrata o referencial de políticas públicas que guiou a PTR, evidenciado pelas palavras “participação”, “sociedade civil/Ong”, “prefeitura/municipal”, “decidir/aprovar” etc. A citação das palavras, o número de STs que contém cada uma delas nas classes e o X² (Teste Qui- Quadrado de associação da palavra com a classe) foram utilizadas para justificar a denominação dada a cada uma das classes, a exemplo do que fez Silva (2018).

Figura 6 - Organograma das classes com suas respectivas palavras, frequências e x².

Essa associação entre as classes mencionada acima é mais facilmente constatada no plano cartesiano gerado pela Análise Fatorial Correspondente (ACF), apresentado na Figura 7, pois se percebe a associação das palavras no texto considerando as frequências dentro das classes que integram. Nele, observa-se um imbricamento total entre as classes 3 e 4 e, em menor grau, com a classe 2. Essa associação entre a Gestão social – a mobilização e a organização dos atores como pré-requisito necessário – e o Desenvolvimento Territorial assume grande relevância no contexto da PTR, tendo em vista se constituir no elemento que a diferenciava – senão por completo, pelo menos no grau de intensidade – de experiências anteriores pautadas pela perspectiva do desenvolvimento endógeno. Um pouco mais dissociado, revelando de forma nítida uma separação entre classes, está a Classe 1. Transpondo para o universo da PTR, tal imagem poderia ser interpretada, nos territórios pesquisados, como a dificuldade ainda presente para o segmento produtivo da agricultura familiar relacionada à superação do desafio da inclusão produtiva, materializada na construção/inserção desse segmento em tipos de mercados mais adequados às suas especificidades.

Figura 7 - Análise Fatorial por Correspondência.

Fonte: adaptado do software Iramuteq, dados da pesquisa (2019).

Essas classes serão abordadas na análise objeto desta Tese, em capítulos diferenciados. O desafio da inclusão produtiva (classe 1) e a organização social (classe 2) serão abordados mais diretamente no capítulo 4, quando trataremos das decisões tomadas no âmbito dos Codeters de destinar os recursos do Proinf para apoiar estruturas de beneficiamento e processamento de produtos oriundos das principais cadeias produtivas em cada território, para estruturar espaços de comercialização nestes ou ainda quando abordarmos o processo de organização dos agricultores visando a constituição de organizações coletivas (associações e cooperativas) como principal estratégia para alavancar a participação da agricultura familiar nos programas de compras governamentais (PAA e PNAE), com o propósito de construir alternativas de inserção em mercados que confiram mais autonomia aos agricultores familiares.

De acordo com a metodologia Índice de Qualidade de Vida (ICV), compostos por três instâncias (fatores do desenvolvimento, características do desenvolvimento e efeitos do desenvolvimento), dentre as dimensões associadas à primeira instância, o acesso aos mercados – diretamente relacionados ao acesso à assistência técnica e ao crédito – é apontado pelo público dos territórios Açu-Mossoró, Apodi e Mato Grande como sendo os que eles percebem mais dificuldades, atribuindo as médias mais baixas, revelando problemas nesse tripé de ações públicas fundamentais ao avanço da organização coletiva e à inclusão produtiva dos agricultores familiares (NUNES et al., 2020; SOUZA, 2011).

Os conteúdos categorizados na classe 4 (gestão social) serão mais abordados no capítulo 5, momento em que discutiremos com maior atenção a interação entre os atores – em meio a concertações, conflitos e cooperação –, com base em suas ideias e interesses acerca das perspectivas de desenvolvimento para seus territórios, nem sempre convergentes. Os temas agrupados na classe 3 (desenvolvimento territorial), embora permeiem toda a Tese, uma vez que se trata do tema central que a fez emergir, são de forma mais aprofundada discutidos no capítulo 3, que busca reconstituir as ideias, as experiências e os atores que influenciaram e nortearam a formulação da PTR, que resultaram em seus principais fundamentos; e, também, no capítulo 6, no qual debatemos, de forma mais específica, se tais fundamentos estiveram de fato presentes na ação pública implementada nos territórios potiguares.